Café Brasil Premium 854 - O otimismo trágico

Data de publicação: 25/12/2022, 00:01

https://www.youtube.com/watch?v=JQfI86NQ5W8

Viktor Frankl, foi um famoso psiquiatra vienense que sobreviveu a quatro campos de concentração e mais tarde fundou a Logoterapia, a psicoterapia centrada na vontade de obter um sentido na vida. Em sua obra, Viktor cunhou um termo muito interessante: otimismo trágico, que talvez nos ajude a passar por tempos sóbrios. Vamos nessa praia hoje.

Bom dia, boa tarde, boa noite. Você está no Café Brasil e eu sou o Luciano Pires. Posso entrar?

Volta enquanto houver sol backing

[tec] COMENTÁRIO DO OUVINTE [/tec]

Esse foi e Rodrigo Moraes, médio cirurgião de Campina Grande, na Paraíba! Muito legal o depoimento, meu caro. Rarararararra... o Café Brasil está te incomodando, não é? Isso é muito bom, meu caro. Especialmente quando provoca uma ação efetiva. No seu caso, foi retomar uma leitura e ganhar algo que você levará para o resto da vida. Foico feliz de ter sido o gatilho para essas reflexões. Mente bem treinada é resultado de dedicação! Muito obrigado, meu caro!

https://www.youtube.com/watch?v=DNPy5RV4aws

Estou navegando pelas redes sociais e de repente entra um tuíte assim: “Hoje eu acordei e chorei profundamente. É muito triste quando a gente sabe que falhou e não tem muito o que fazer. A vontade literalmente era a de pular da ponte mais próxima.”

Cara, quem nunca?

 

Otimismo Trágico parece uma contradição em termos, não é? Mas é uma postura que nos permite ver com clareza e aceitar o que é ruim, mas também estar ciente de que podemos decidir como reagir a tudo o que acontece, seja o que for.

Otimismo Trágico tem a ver com uma visão realista da realidade, focando naquilo que podemos mudar. Faz as perguntas fundamentais: até que ponto esta situação depende de nós?

Mas para começar, vamos tratar de uma palavrinha fundamental: a esperança.

 

O termo “ esperança” tem origem indu-européia: spe, que significa aumentar, ter êxito, levar projetos adiante. Em latim, é spes, vem daí “esperança”: prosperar, evoluir conforme o esperado.

Outra derivação de spe é espargir, espalhar, espraiar. Espalhar sementes na terra, que era a atividade principal da agricultura, que se seguiu à caça no desenvolvimento da humanidade. E vem de spe, espalhar, o termo esperma: que carrega o espermatozóide que dará origem à vida quando combinado com o óvulo feminino.

Sacou? Esperança tem a ver com a perspectiva de construir coisas, por isso é tão importante. Tem a ver com a capacidade de dar a volta por cima.

https://www.youtube.com/watch?v=YBbdOskYNrw

Esse é Jorge Aragão, interpretando a imortal Volta Por Cima, clássico de Jamelão. Tá vendo como o samba pode falar muito sério... Aliás, to precisando fazer um episódio sobre samba...

 

Esperança é mais do que uma ilusão. É uma mistura de otimismo com força de vontade. Quando você está na pior, sem dinheiro, aquele boleto vence hoje, você não tem a quem recorrer... ainda é possível ter esperança que o problema se resolva?

A esperança pode existir nas situações mais difíceis. Mas o que podemos dizer sobre esperança para aqueles cujas vidas foram devastadas pela guerra, pelo terrorismo, pela pobreza, pela Covid? Para aqueles que perdem o horizonte diante de uma tragédia?

O discurso motivador de esperar bons resultados e o mantra de que todos podemos alcançar nossos sonhos apenas com nossos próprios esforços soam vazios para quem não pode entender nem controlar as forças negativas que estão destruindo suas vidas.

"Como posso encontrar esperança e felicidade? Como pode a minha vida valer a pena ser vivida, quando o sofrimento é o meu pão de cada dia?"

Que perguntas... e é na esteira delas que aparecem os gurus motivadores, os coaches, os influencers que prometem levar você para o paraíso, oferecendo exemplos de gente que deu certo. Mas quem se concentra exclusivamente em experiências positivas de pessoas felizes é tão irresponsável quanto o médico que se concentra apenas nas pessoas saudáveis.

 

Nenhum dos modelos de motivação ou conforto existente pode ser aplicado a situações extremas em que os indivíduos só podem esperar eventos ruins e têm pouco ou nenhum controle sobre a situação aterrorizante em que vive.  A gente sabe disso, passamos dois anos terríveis apavorados com a pandemia, não é? Em situações assim, é humano sentir-se impotente, sem esperança e aterrorizado. A adversidade que se experimenta e o terror que se enfrenta tende a ser generalizado, crônico e além de seu controle. Dá alguma esperança, ouvir que a felicidade pode superar o sofrimento? Traz algum consolo ouvir: "Não se preocupe, seja feliz?"

 

Quem está na pior, no limite, não precisa de palavras vazias com base em resultados de pesquisas com indivíduos que nunca experimentaram fome, dor, desesperança. Precisa desesperadamente de abrigo, comida, remédios e de segurança.

Quando passar por cada dia é uma grande conquista, há pouco espaço para a confiança na própria capacidade de reação e expectativa de resultados positivos. Quando tudo foi despojado, e nos sentimos envoltos na sombra da morte, o que precisamos é do mesmo tipo de otimismo que sustentou Viktor Frankl nos campos de concentração.

O modelo de otimismo para os indefesos e desesperados não será baseado em autoconfiança e expectativas positivas, mas em princípios existenciais e espirituais. Num mundo que parece que se esqueceu disso...

 

Recentemente publiquei um cafezinho recomendando a leitura de Viktor Frankl, especialmente seu livro Em Busca de Sentido, uma reflexão sobre sua experiência no campo de concentração de Auschwitz, durante o regime nazista na II Guerra Mundial. Frankl oferece um esboço da técnica psicoterapêutica que ele desenvolveu a partir daquela experiência, que o forçou a confrontar a escolha dura entre desespero e esperança – e a escolher a esperança.

Não sei se é possível imaginar uma situação mais desesperadora do que a de um preso desumanizado, humilhado e aterrorizado num campo de concentração, vendo seus colegas morrendo de fome, de doenças ou nas câmaras de gás e imaginando que é esse seu destino.

Frankl detalha os horrores de Auschwitz e a corrupção moral de quem trabalhava lá. Sua filosofia não era sobre evitar problemas ou fingir que eles não existem, mas sim reconhecê-los em sua realidade sombria. Auschwitz era a realidade, impossível de ser modificada por um só indivíduo, preso, indefeso, impotente. Mas apesar dessa constatação, ou melhor, por causa dela, Frankl descreve como manter a esperança foi literalmente uma escolha de vida ou morte. Aqueles que perderam a esperança desenvolveram um fatalismo que inevitavelmente terminou em morte. Eles experimentaram um "vácuo existencial" – termo cunhado por Frankl para uma completa perda de significado, de esperança, uma sensação de que nada realmente importava mais.

 

Frankl diz: Lute contra isso e encontre uma fonte de significado, de propósito. Talvez um relacionamento com um ente querido, ou uma tarefa para qual você seja chamado. Seja o que for, viva esse significado, esse propósito e perceba o que a vida exige de você.

Frankl diz que ao escolher se apegar a um significado, a vida se desdobrará (talvez surpreendentemente!) com beleza e propósito, mesmo que o caminho seja difícil, pareça impossível.

É meio complicado imaginar que Frankl desenvolveu sua teoria do significado da vida nas circunstâncias mais terríveis da modernidade, como prisioneiro em Auschwitz! E ele sai da experiência terrível com uma filosofia de vida profundamente esperançosa sobre como viver com amor. Afinal, a vida exige isso de nós. Sim, haverá sofrimento ao nosso redor, e nunca devemos desviar os olhos da oportunidade de amar aqueles que estão sofrendo. O próprio Frankl serviu a muitos em Auschwitz, incluindo inúmeros que morreram. E, no meio daquele horror,  manteve a capacidade de exercer a última das liberdades humanas, de escolher o seu próprio caminho.

Frankl escolheu amar.

https://www.youtube.com/watch?v=SWm1uvCRfvA&list=RDybrDr-zTRuc&index=6

Lenine com seu clássico Paciência nos traz uma mensagem necessária...

Enquanto todo mundo espera a cura do mal

E a loucura finge que isso tudo é normal

Eu finjo ter paciência

E o mundo vai girando cada vez mais veloz

A gente espera do mundo e o mundo espera de nós

Um pouco mais de paciência

https://www.youtube.com/watch?v=xvIXn6WfWc0

Pois é... Viktor Frankl desenvolveu as bases do que foi chamado de “otimismo trágico”: para manter a esperança apesar das experiências trágicas, é preciso aprender a coragem e a tenacidade de lutar por um objetivo futuro, não importa o quão sombrio esse futuro pareça. E é aí que entra a importância de nossas experiências com falhas ao longo da vida.  É a partir da experiência prévia de superar decepções e adversidades que aprendemos a importância de abraçar toda a vida e acreditar que algo de bom só acontecerá se persistirmos em nossos esforços.

 

A esperança pode, sim, existir mesmo nas situações e emoções mais difíceis. A esperança é muito mais do que uma ilusão, pois precisa de otimismo e força de vontade.

A esperança é um estado de espírito que pode ser aprendido.

Opa. Passou batido? Vou repetir: a esperança é um estado de espírito que pode ser aprendido.

 

A esperança é a crença de que seu futuro será melhor do que o presente e que você tem a capacidade de fazer isso acontecer. Envolve otimismo e uma atitude de "posso fazer". Essa definição de esperança é baseada na "Teoria da Esperança", um conceito de psicologia positiva desenvolvido pelo psicólogo americano Charles Snyder. A psicologia positiva é o estudo científico do que faz a vida valer a pena. Esse ramo da psicologia se concentra no desenvolvimento de pontos fortes e traços positivos, em vez de focar só na cura das fraquezas ou doenças.

De acordo com a teoria da esperança, a esperança tem três partes distintas:

Primeiro, objetivos. Ter um objetivo é a raiz da esperança. As metas podem ser grandes ou pequenas. Você pode ter o objetivo de ir para a faculdade,  começar a praticar yoga, perder peso ou se tornar presidente da república.

Segundo agência (força de vontade). Agência é a capacidade de agir, de se manter motivado para atingir seu objetivo. Envolve acreditar que coisas boas virão como resultado de suas ações.

Terceiro, caminhos. São as rotas específicas que você desenvolve para atingir seus objetivos. Se o seu primeiro caminho não funcionar, você se empenhará em encontrar um novo caminho. As pessoas com alta esperança entendem que os obstáculos são inevitáveis e que pode levar várias tentativas para alcançar seus objetivos.

Sacou? Ter um objetivo claro, ter a força de vontade e encontrar caminhos para chegar lá. Isso tudo constrói a esperança.

 

Mas afinal, a esperança é uma emoção?

Olha, embora a esperança certamente envolva nossas emoções, a esperança em si não é uma emoção. A esperança é uma maneira de pensar ou um jeito de ser.  E se é um modo de pensar e um jeito de ser, significa que, vou repetir: a esperança pode ser ensinada.

 

A esperança também é diferente de um mero desejo. A esperança envolve ação. Agir em direção a um objetivo. Já o mero desejo está fora de seu controle. Por exemplo, se você está em um cinema e diz: "Espero que o filme seja bom", isso é um desejo, não uma esperança, porque você não tem controle sobre o filme. Entendeu? Você tem de ter esperança sobre aquilo que você pode impactar.

CAI O DISJUNTOR

Rererererer caiu o disjuntor, é? Pois é...

https://www.youtube.com/watch?v=cSesS2gZ6Ag

Com base nos escritos de Viktor Frankl, Paul Wong, Professor e Diretor de Pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Aconselhamento do Tyndale University no Canadá,  identificou cinco componentes essenciais que compõem o Otimismo Trágico:

  • Primeiro, a Aceitação – Aceitar o sofrimento é parte inevitável da vida. Aceite o sofrimento como nosso professor em vez de nosso inimigo – ao fazê-lo, você adquire sabedoria sobre viver e morrer. Aceite também sua vulnerabilidade e mortalidade. A vida poderia ser arrancada de nós a qualquer momento.
  • Segundo, a Afirmação – maior apreciação da vida e do seu significado. Aprecie a vida e todas as suas possibilidades. Afirme e descubra o significado positivo em uma situação difícil.
  • Terceiro, a Coragem – Esteja preparado para se restabelecer. Esteja pronto para avançar com maior força de vontade. "Se eu posso sobreviver a esta provação, eu posso sobreviver a quase todas." Esteja preparado para enfrentar sofrimentos futuros.
  • Quarto, a Fé – Aproveite seus recursos espirituais para fazer o impossível. Restaure a fé na justiça última e no significado último. Não importa qual seja sua religião, reafirme sua fé em um Ser Supremo que possa ajudá-lo, quando todo o resto falhar.
  • E quinto, a Auto transcendência – Nova orientação. Novo desafio. Dedique-se a algo, alguém ou causa que vá além de seu eu. Supere as questões individuais, assumindo uma postura mais humanista. Sinta que você está impactando na vida de outras pessoas.

Após o atentado de 11 de setembro nos Estados Unidos, esses cinco componentes ficaram evidentes em discursos, orações, entrevistas, testemunhos e, mais importante, nas ações dos trabalhadores de resgate, sobreviventes e cidadãos. O que sustentou os nova-iorquinos e todos os americanos em suas horas mais sombrias foi sua afirmação do valor inerente da liberdade, da justiça e do sentido da vida.

Apesar da aceitação da realidade sombria e das perdas devastadoras, muitos mantiveram a fé – fé nos milagres para que seu ente querido ainda pudesse estar vivo, fé na reunião no céu, fé no eventual triunfo da justiça e da bondade sobre o mal, fé nos ideais americanos e fé em Deus, seja qual fosse sua religião.

Muitos literalmente deram suas próprias vidas, em seu esforço para resgatar os outros. Nenhuma palavra foi pronunciada com mais frequência do que "coragem" – "coragem para combater a dor", "das profundezas da tragédia ao auge da coragem" e a "coragem e determinação para perseverar".

Coragem. Um objetivo. Aceitação da realidade. Fé. Transcendência. Juntos, esses sentimentos tecem uma ideia do significado do otimismo trágico.

https://www.youtube.com/watch?v=X5DHTdUxUsQ

E é com o Hino de Duran, de Chico Buarque na interpretação maravilhosa de Oswaldo Montenegro que vamos saindo pensativos... Por que o Hino De Duran aqui. É um dos clássicos escritos para a Ópera do Malandro que Chico Lançou em 1978, durante o regime militar, debaixo de censura e pressões. Chico transformou o medo em canções imortais...

 

Vamos começar um novo ciclo. Para muita gente, não está começando como seria desejado, as perspectivas não são as melhores, mas...  O pior dos tempos muitas vezes traz à tona o melhor de nós. Nada faz a esperança crescer mais forte do que os contratempos e adversidades, assim como nada faz as estrelas brilharem mais do que a escuridão.

Pense nisso.

Feliz 2023.

 

O Café Brasil é produzido por quatro pessoas. Eu, Luciano Pires, na direção e apresentação, Lalá Moreira na técnica, Ciça Camargo na produção e, é claro, você aí ó, completando o ciclo.

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Para terminar, uma frase do poeta Carlos Drummond de Andrade:

“Como viver o mundo

em termos de esperança?

E que palavra é essa

que a vida não alcança?”

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