Café Brasil Premium 858 - Um velho safado

Data de publicação: 23/01/2023, 10:42

https://www.youtube.com/watch?v=iLyl0lGdrbk

Charles Bukowski era um cara miserável que tinha uma vida miserável. Um poeta e romancista, notório por seu amor por bebidas. E um incorrigível mulherengo, que chegou a ser chamado de misógino. Por isso ganhou o apelido de Velho Safado, e se transformou num dos maiores poetas e escritores da língua inglesa, influenciando algumas gerações com sua prosa irreverente, que revela verdades sobre a condição humana. Hoje vamos de Charles Bukowski.

 

Bom dia, boa tarde, boa noite. Você está no Café Brasil e eu sou o Luciano Pires. Posso entrar?

 

[tec] COMENTÁRIO DO OUVINTE [/tec]

Rararararar... grande Sérgio, do Tocantins... meu caro, a letra de Sina na verdade é um poema do Patativa do Assaré, que viveu a vida toda como agricultor no sertão do Ceará, onde viu de perto todo o drama da seca e da pobreza. Não por acaso, sua obra sempre ressalta a força do homem de superar as piores condições. Se ele vivesse bêbado e metido com a mulherada, seria uma espécie de Charles Bukowski brasileiro, rararararar

 

https://www.youtube.com/watch?v=gds_2jg-6Ik

Esse foi Mestre Ioda, aconselhando Luke Skywalker com uma frase que nos remete a Charles Bukowski...

Faça ou não faça. Tentativa, não há.

 

https://www.youtube.com/watch?v=6lAZTjrn2uI

Num LíderCast recente, entrevistei o Mauricio Nunes, que tem uma página sensacional no Facebook, chamada A Toca do Lobo. Foi dela que tirei o texto que abre este programa.

 

Charles Bukowski é meu poeta favorito.

Sem dúvida alguma é o escritor que mais consumi a obra, devorando cerca de 60 livros de sua autoria.

Apesar de ser um escritor prolífico, Buk só foi descoberto após os 50 anos de idade e sempre ironizou o fato da "fama" ter chegado tarde, quando já não mais faria diferença alguma em sua vida.

Claro que teve um lado bom, afinal ele pode trocar finalmente a profissão de carteiro, para poder viver apenas da poesia e de suas crônicas.

Segundo Bukowski, qualquer um que possa ver o oposto do que está acontecendo, já se torna excepcional.

Qualquer lugar que você vá, se você encontrar 50 pessoas de pé em uma linha e quatro pessoas que estão em outra, você sabe qual fila seguir, certo?

É assim também na vida.

Historicamente as massas quase sempre estiveram erradas.

Olhe os livros mais vendidos, veja as músicas mais tocadas, os artistas mais idolatrados, as celebridades (e sub) com maior número de seguidores nas redes sociais.

Eis aí mais algumas lições do poeta marginal.

A sabedoria talvez esteja em fazer aquilo o que a multidão não faz.

Então tudo que você precisa fazer é inverter a totalidade de sua aprendizagem e assim você terá o céu que está procurando.

A gente só começa a salvar a humanidade salvando uma pessoa de cada vez, pois todo o resto é puro delírio romântico ou político.

Quando você escreve apenas para ser famoso, você acaba estragando tudo

Quem sou eu, ou o saudoso Bukowski, para ditar regras, mas se existe uma, ei-la:

Os únicos escritores que escrevem bem são aqueles que precisam escrever para não enlouquecer.

Claro que é um fardo pesado, pois grande parte das vezes, e eu falo com total convicção, escrevemos com sangue e lágrimas, muitas delas quase implorando para que se comprem nossos livros, nossas obras, constantemente pisoteadas por alguma biografia da moda, escrita por algum youtuber ou político, com ou sem relevância, já que nestes tempos sombrios estes se tornaram quase tão populares e cultuados quanto estrelas da música pop.

Fica aí mais uma rápida lição do titio Chinaski, desta vez sobre políticos:

"Existem bons e maus governos? Não, existem apenas governos ruins e governos piores."

Eu, não tão prolífico e muito menos tão bêbado quanto Bukowski, continuo na contramão, escrevendo o que quase ninguém lê, assistindo o que ninguém mais vê e cantando "tudo aquilo que eu queria ter dito" (aliás, nome de meu úlitmo CD lançado), mas que as multidões não estão dispostas a escutar.

Recomendo, a quem possa interessar, o poema "Jogue os dados",  publicado na minha página em homenagem ao escritor, a Bukowski Sapiens:

 

Jogue os Dados

se você for tentar, vá até o

fim.

caso contrário, nem comece.

se você for tentar, vá até o

fim.

 

isso pode significar perder namoradas,

esposas, parentes, empregos e

talvez sua sanidade.

vá até o fim.

 

isso pode significar não comer por 3 ou 4 dias.

isso pode significar congelar num

banco de parque.

isso pode significar prisão,

isso pode significar descaso,

gozação,

solidão.

solidão é uma dádiva,

todo o resto é uma prova de sua

perseverança, do

quanto você realmente quer

fazer isso.

e você irá fazer

apesar da rejeição e das

piores probabilidades

e será melhor do que

qualquer outra coisa

que você possa imaginar.

 

se você for tentar,

vá até o fim.

não existe nenhuma outra sensação

parecida.

você ficará a sós com os

deuses

e as noites se farão em chamas com o

fogo.

 

faça, faça, faça.

faça.

 

até o fim

até o fim.

 

você conduzirá a vida direto à

risada perfeita, é

a única batalha

pela qual vale a pena lutar.

 

Você ouve Dirty Days, com o U2. A canção é sobre um pai que deixa sua família e mais tarde é confrontado pelo filho que ele abandonou. Bono Vox diz que a música foi influenciada pela atitude de seu pai, mas não é sua história. Bukowski, cujo apelido era Hank, foi uma influência nesta canção. No final, quando Bono repete: "Os dias, dias, dias fogem como cavalos sobre a colina", faz uma referência à coleção de poesia de Bukowski de 1969, The Days Run Away Like Wild Horses Over the Hills.

 

https://www.youtube.com/watch?v=e_8mss0AgyY

 

Ah, Belchior... quando ele canta “Um preto, um pobre

Uma estudante, uma mulher sozinha

Blue jeans e motocicletas, pessoas cinzas normais

Garotas dentro da noite, revólver: Cheira cachorro

Os humilhados do parque com os seus jornais”... cara, isso pra mim parece puro Bukowski.

 

https://www.youtube.com/watch?v=OCsNv9GhTtU

Em seus primeiros anos, Bukowski estava transbordando de tristeza. Pais abusivos e imensos problemas de acne, que lhe rendiam bullying.

Embora suas histórias sigam o alter ego fictício Henry Chinaski, Bukowski se expõe completamente através de suas histórias: ele não conhecia nenhuma outra vida, então ele não poderia escrever nenhuma outra vida. Bukowski trabalhou em uma fábrica de biscoitos para cachorro, entregou panfletos no metrô e foi carteiro por 12 anos – experiência que inspirou seu primeiro romance, Cartas na rua.

Apesar disso, sua popularidade superou as expectativas de todos depois que um editor de uma pequena editora independente o apoiou. E apesar de sua frieza e caráter geral antipático, ele se firmou como romancista e poeta.

Mas Bukowski não chegou lá tentando impressionar as pessoas ou fazer alguém sentir que estava perdendo. Ele não queria exposição. Ele estava cumprindo uma necessidade interna de criar. Ele viveu o que escreveu, esteve na sarjeta, no bar... Ele apareceu, e o sucesso se seguiu.

Em um de seus poemas mais famosos "então você quer ser um escritor?", ele escreveu:

 

se não irrompe de dentro de você

apesar de tudo,

não faça.

a menos que venha sem pedir do seu

coração e da sua mente e da sua boca

e das suas entranhas,

não faça.

se você tem que se sentar por horas

encarando a tela do computador

ou debruçado em sua máquina de escrever

procurando palavras,

não faça.

se você estiver fazendo isso por dinheiro ou

fama,

não faça.

se estiver fazendo isso porque quer

mulheres em sua cama,

não faça.

se você tem que sentar lá e

reescrever de novo e de novo,

não faça.

se é cansativo apenas pensar em fazer isso,

não faça.

se estiver tentando escrever como outra

pessoa,

esqueça.

 

se você tem que esperar isso irromper de dentro de

você,

então espere pacientemente.

se isso nunca irromper de dentro de você,

faça alguma outra coisa.

 

se você primeiro tem que lê-lo para sua esposa

ou sua namorada ou seu namorado

ou seus pais ou para qualquer pessoa,

você não está pronto.

 

não seja como tantos escritores,

não seja como tantas milhares de

pessoas que se consideram escritoras,

não seja lento e entediante e

pretencioso, não se consuma com amor-

-próprio.

as livrarias do mundo têm

bocejado até dormir

sobre seu tipo.

não faça parte disso.

não faça.

a menos que isso venha de dentro

da sua alma como um foguete

a menos que permanecer inerte

te leve à loucura ou

suicídio ou assassinato,

não faça.

a menos que o sol dentro de você esteja

queimando suas entranhas,

não faça.

 

quando for a hora de verdade,

e se você tiver sido escolhido,

isso será feito

sozinho e isso continuará se fazendo

a menos que você morra ou isso morra em você.

 

não há outra maneira.

nem nunca houve.

 

https://www.youtube.com/watch?v=IA6MmqFTFoc

E em um mundo cheio de distrações digitais e uma enxurrada interminável de maneiras de perder tempo, as palavras de Bukowski são intimidantes. E não sou só eu que sinto isso também.

Vivemos em uma era de ouro para sermos criativos, com infinitas ferramentas para sermos criativos, mas a maioria de nós se sente confortável apenas consumindo. Como fazíamos nos tempos da velha mídia...

Num mundo onde percorremos o Instagram antes que nosso cérebro tenha a chance de iniciar pela manhã, as palavras do escritor Chuck Palahniuk em Lullaby, onde ele dá um mergulho no futuro da civilização, se destacam:

“O velho George Orwell entendeu ao contrário. O Big Brother não está espionando. Ele está cantando e dançando. Ele está tirando coelhos da cartola. O Big Brother está ocupado prendendo sua atenção a cada momento que você está acordado. Ele está se certificando de que você está sempre distraído. Ele está se certificando de que você está totalmente absorvido. Ele está se certificando de que sua imaginação murche. Até que seja tão útil quanto o seu apêndice. Ele está se certificando de que sua atenção esteja sempre cheia. E isso sendo alimentado, é pior do que ser observado. Com o mundo sempre preenchendo você, ninguém precisa se preocupar com o que está em sua mente. Com a imaginação de todos atrofiada, ninguém jamais será uma ameaça para o mundo.”

Claro, nem todo criador nasce para mudar o mundo, e se esforçar para alcançar a perfeição é inútil. Bukowski sabia disso melhor do que ninguém. O mundo se move tão rapidamente que aqueles que "tentam" são imediatamente ultrapassados por aqueles que "fazem".

Estamos vivendo na era mais fácil para criar um legado. Se não para si mesmo, para seus filhos, para os filhos de seus filhos e os filhos de seus filhos.

E é por isso que não devemos deixar que as pressões das palavras de Bukowski nos intimidem. Se parece natural criar algo, então devemos criá-lo. Não importa o quão comum a vida possa parecer, você também tem algo para compartilhar – mesmo que seja apenas para as gerações que vêm depois de você.

Mas, novamente, se você não sentir o chamado, se tudo parecer muito complicado, se você estiver em busca apenas de se divertir, se não estiver disposto a arriscar, a estudar, a ouvir ideias que lhe incomodem, se considerar que é um trabalho árduo apenas pensar em construir algo...

...nem tente.

 

https://www.youtube.com/watch?v=k5johf6wXCw

E é com Cassia Eller e o Blues da Piedade,  de Cazuza, que traz Kerouac, Burroughs e Bukowski para nosso colo, que vamos saindo, espero que inspirados.

Sobe

Bukowski morreu de leucemia em 1994. Em sua lápide está escrito simplesmente... “não tente”.

O velho Buk teve como filosofia “Se você vai tentar, vá com tudo / Se não, nem comece”. Vá com tudo; supere desafios; abra mão de coisas que você gosta; insista. “Não tente” e “se você vai tentar” parecem ideias opostas, não é? Parecem, mas são complementares.

Quando você ouvir “nem tente”, responda com “vou com tudo!”

Foi isso que Bukowski fez em sua vida: foi com tudo.

É assim que a gente faz a vida valer a pena.

 

O Café Brasil é produzido por quatro pessoas. Eu, Luciano Pires, na direção e apresentação, Lalá Moreira na técnica, Ciça Camargo na produção e, é claro, você aí ó, completando o ciclo.

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Para terminar, uma frase de Charles Bukowski:

Algumas pessoas nunca enlouquecem. Que vida horrível elas devem levar…

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