Café Brasil Premium 867 – Pós-ideia - Revisitado

Data de publicação: 26/03/2023, 10:28

https://www.youtube.com/watch?v=ahL_dTpjits

Este episódio baseia-se num artigo do jornalista Neal Gabler publicado no jornal The New York Times que de certa forma explica o que aconteceu com o mundo após a instituição da Aldeia Global de Marshall McLuhan. Atropeladas pela necessidade de busca de audiência, faturamento e entretenimento, as ideias simplesmente acabaram! É um programa reflexivo, que foi ao ar originalmente em 2011. Separe um horário legal para ouvir, este episódio tem texto pesado, mas continua absolutamente necessário para quem se preocupa com o emburrecimento generalizado.

Bom dia, boa tarde, boa noite. Você está no Café Brasil e eu sou o Luciano Pires. Posso entrar?                                                                                   

[tec] COMENTÁRIO DO OUVINTE [/tec]

Grande Claudinei, direto de Brasília! Obrigado pelos elogios, meu caro. Olha, eu convidei o Regis em 2021, mas estávamos em pandemia e ele ficou reticente, pediu para retomar o contato quando as coisas voltassem ao normal. Vou cutucar novamente, gosto da postura dele e de seu conteúdo, acho que daria sim um ótimo episódio do LíderCast! Obrigado por reforçar a minha ideia de chama-lo.

E você aí que está me ouvindo? Acha que meu trabalho traz algum valor para sua vida? Deve trazer, né? Ou vc não estaria aí dedicando tempo de vida para ouvir o Café Brasil. Bem, a gente quer crescer e precisa que todos que dão valor ao nosso trabalho, façam mais que agradecer, tornem-se assinantes. Assim ajudam a gente a financiar este trabalho.

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https://www.youtube.com/watch?v=1aBzPnLz66Y

Essa canção chama-se One Little Spark, composição genial dos Sherman Brothers para a Disney. Quem já visitou o pavilhão Jornada na Imaginação lá no Epcto Center em Orlando sabe da emoção que essa canção traz.

A letra diz assim:

Uma pequena faísca, de inspiração

Está no coração de toda a criação.

Logo no início, de tudo o que é novo.

Uma pequena faísca, acende-se para você.

 

Duas asas minúsculas, olhos grandes e amarelos.

Chifre de um boi, mas um sujeito amável.

Da cabeça à cauda, ele é pigmento roxo real.

E aí, Voila!, você tem uma Invenção!

 

Todos nós temos faíscas, imaginações.

É assim que nossas mentes criam criações.

Pois elas podem fazer nossos sonhos mais loucos se tornarem realidade.

Essas faíscas mágicas, em mim e em você.

 

Imaginação, imaginação.

Um sonho, pode ser um sonho tornado realidade.

Com apenas essa centelha, em mim e em você.

https://www.youtube.com/watch?v=m68dkmKlN2k

Imaginação remete a ... Ideias, ideias… A impressão é que vivemos num mundo que surgiu depois das ideias. Um mundo pós-ideias. No mundo pós-ideia, recebemos trilhões de dados, muitas vezes insignificantes, sem parar para pensar. E a quantidade de dados aumenta cada dia mais.

Vamos ao texto de Neal Gabler publicado no jornal The New York Times. Lembre-se, este texto é de 2011!

Lalá, mantenha o clima de Disney aí...

https://www.youtube.com/watch?v=-PlWJU7OiEY

Em edição recente, a revista norte americana The Atlantic alardeia as “14 Maiores Ideias do Ano”. Prenda o fôlego.

As ideias incluem: em 12º. lugar “Os jogadores são os donos do jogo”. Em 6º. Lugar: “Wall Street: a mesma de sempre”. Em 2º. Lugar: “Nada permanece secreto!”, e a maior de todas as ideias do ano, “A ascensão da classe média – só que não a nossa”, que se refere às economias em crescimento de Brasil, Rússia, Índia e China.

Pode soltar o ar. Você deve achar que nenhuma dessas ideias parece particularmente de tirar o fôlego. Nenhuma delas, aliás, é uma ideia.

Elas são mais observações. Mas não se deve culpar a revista por confundir lugares comuns com visão intelectual.

As ideias simplesmente não são o que costumavam ser. Em um passado distante, elas podiam acender debates, estimular outros pensamentos, incitar revoluções e mudar fundamentalmente as maneiras como observamos e pensamos o mundo. Elas podiam penetrar na cultura geral e transformar pensadores em celebridades – notadamente Albert Einstein, mas também Reinhold Niebuhr, Daniel Bell, Betty Friedan, Carl Sagan e Stephen Jay Gould, para citar alguns. As próprias ideias podiam se tornar famosas: por exemplo, “o fim da ideologia”, “o meio é a mensagem”, “a mística feminina”, “a teoria do Big Bang, “o fim da história”.

A grande ideia podia ganhar a capa da revista Time como aquela do “Deus está morto?”. E intelectuais como Norman Mailer, William F. Buckley Jr. e Gore Vidal seriam eventualmente convidados para as poltronas dos programas de entrevistas de fim de noite.

Mas isso foi há uma eternidade.

Se nossas ideias parecem menores hoje, não é porque somos mais burros do que nossos antepassados, mas simplesmente porque não ligamos tanto para as ideias quanto eles ligavam. Aliás, estamos vivendo cada vez mais em um mundo pós-ideia – um mundo em que as ideias grandes, as que fazem pensar, que não podem ser instantaneamente transformadas em dinheiro, têm tão pouco valor que menos pessoas as estão gerando e menos canais as estão disseminando, mesmo com a internet.

As ideias ousadas estão praticamente fora de moda.

Não é segredo, especialmente nos Estados Unidos, que vivemos numa era pós-Iluminismo na qual racionalidade, ciência, argumento lógico e debate perderam a batalha para a superstição, a fé, a opinião e a ortodoxia. Embora continuemos criando avanços tecnológicos gigantescos, podemos estar na primeira geração que girou para trás o relógio da história. A geração que retrocedeu intelectualmente do modo pensar para os velhos modos das crenças. Mas pós-Iluminismo e pós-ideia, embora relacionados, não são exatamente a mesma coisa.

Pós-Iluminismo refere-se a um estilo de pensar que já não mobiliza as técnicas do pensamento racional. Pós-ideia refere-se ao pensar que não é mais praticado, independentemente do estilo.

O mundo pós-ideia vem chegando faz tempo, e muitos fatores contribuíram para isso. Vemos o recuo nas universidades do mundo real, e o incentivo à especialização mais estreita em lugar da ousadia – de cuidar de plantas nos vasos em vez de plantar florestas.

Vemos a substituição do intelectual público na mídia em geral pelo sabichão que substitui extravagâncias por ponderação, e o consequente declínio do ensaio em revistas de interesse geral. E temos a ascensão de uma cultura cada vez mais visual, especialmente entre os jovens – uma forma menos favorável à expressão de ideias.

Mas esses fatores, que começaram há décadas, foram mais provavelmente os anúncios do advento de um mundo pós-ideia do que suas causas principais.

Vivemos na muito alardeada Era da Informação. Por cortesia da internet, temos a impressão de ter acesso imediato a tudo que alguém poderia querer saber. Certamente somos mais bem informados em história, ao menos quantitativamente. Há trilhões e trilhões de bytes circulando no éter – tudo para ser colhido e ser objeto de pensamento. E é precisamente essa a questão. No passado, nós colhíamos informações não só para saber coisas, isso era apenas o começo. Nós também colhíamos informações para convertê-las em alguma coisa maior que fatos e, em última análise, mais útil: em ideias que explicavam as informações. Buscávamos não só apreender o mundo, mas realmente compreendê-lo, que é a função primordial das ideias.

Grandes ideias explicam o mundo e nos explicam uns aos outros.

Marx chamou a atenção para a relação entre os meios de produção e nossos sistemas sociais e políticos. Freud nos ensinou a explorar nossas mentes como meio para compreender nossas emoções e comportamentos. Einstein reescreveu a física. Mais recentemente, Marshall McLuhan teorizou sobre a natureza da comunicação moderna e seu efeito na vida moderna. Essas ideias permitiram que nos desprendêssemos de nossa existência e tentássemos responder as grandes e atemorizantes questões de nossas vidas.

Mas se a informação foi um dia um alimento de ideias, na última década ela se tornou sua concorrente. Estamos como o agricultor que possui trigo demais para fabricar farinha. Somos inundados por tanta informação que não teríamos tempo para processá-la mesmo que o quiséssemos. E a maioria de nós não quer.

A seleção de informações em si é cansativa: o que cada um de nossos amigos está fazendo neste particular momento, e no momento seguinte, e no seguinte. Com quem a celebridade da novela está saindo agora qual video se tornará viral no YouTube neste momento o que a princesa Letizia ou Gisele Bündchen estão usando hoje.

Existe um princípio econômico chamado Lei de Gresham, atribuída a Sir Thomas Gresham, conselheiro da Rainha Isabel I de Inglaterra, que afirmou em 1558 que “a moeda má expulsa a moeda boa”.

Naquela época as moedas tinham valor conforme o peso do ouro em que eram cunhadas. Quanto mais pesadas, mais valiosas.  Sir Gresham disse  que se o Estado decidisse cunhar novas moedas com o mesmo valor facial mas com menos quantidade de ouro, os agentes econômicos tenderiam a guardar a moeda mais pesada (a moeda boa) e a fazer circular apenas a nova moeda mais leve (a moeda má).

Pouco a pouco, toda a moeda boa acabaria por ser substituída pela moeda má.

Pois estamos vivendo dentro da nuvem de uma Lei de Gresham informática onde informações triviais expulsam informações significativas. Mas não é só uma questão de informações. Essa lei de Gresham também ataca as noções, quando as informações, triviais ou não, expulsam ideias.

Preferimos conhecer a pensar porque o conhecer tem mais valor imediato. A moeda má expulsa a moeda boa, sacou?

O conhecer nos mantém “por dentro”, nos mantém conectados com nossos amigos e nossa tribo. As ideias são tão intangíveis, tão pouco práticas, trabalho demais para recompensa de menos. Poucos falam ideias. Todos falam informação. E geralmente informação pessoal. Onde é que você vai? O que está fazendo? Quem você anda vendo? Estas são as grandes questões de hoje.

Não é por acaso, com certeza, que o mundo pós-ideia brotou com o mundo das redes de relacionamento social. Apesar de haver sites e blogs dedicados a ideias, os sites mais populares na web como Twitter, Facebook, Myspace, etc., são basicamente bolsas de informações. E são bolsas destinadas a alimentar a fome insaciável de informação, embora essa dificilmente seja o tipo de informação que gera ideias. Ela é, em grande parte, inútil exceto na medida em que faz o possuidor da informação se sentir, bem… informado.

Pode-se argumentar que esses sites não são diferentes do que o bate-papo era para gerações anteriores. Afinal, o bate-papo raramente criava grandes ideias, não é?

Pois é. Mas a analogia não é perfeita.

Em primeiro lugar, os sites de relacionamento social são a principal forma de comunicação entre jovens, e estão suplantando os meios impressos, que é onde as ideias eram tipicamente gestadas. Depois, os sites de relacionamento social criam hábitos mentais que são inimigos do tipo de discurso deliberado que dá origem a ideias. Em lugar de teorias, hipóteses e argumentos importantes, obtemos tuítes instantâneos de 140 caracteres sobre comer um sanduíche ou assistir um programa de TV.

Embora as redes sociais possam alargar o círculo pessoal de alguém e até apresentá-lo a estranhos, isso não é mesma coisa que alargar o universo intelectual pessoal. Aliás, a tagarelice das redes sociais tende a encolher o universo da pessoa a ela mesma e seus amigos, enquanto pensamentos organizados em palavras, seja online seja na página impressa, alargam o foco pessoal.

Parafraseando o ditado famoso, geralmente atribuído ao jogador de beisebol americano Yogi Berra, de que não dá para pensar e rebater ao mesmo tempo, também não se pode pensar e tuitar ao mesmo tempo. Não por ser impossível fazer tarefas múltiplas, mas porque tuitar – que é, em grande parte, um jorro, ou de opiniões breves sem sustentação, ou de descrições breves das próprias atividades prosaicas – é uma forma de distração e anti-pensamento.

As implicações para uma sociedade que não pensa grande são enormes. As ideias não são meros brinquedos intelectuais. Elas têm consequências práticas.

Um artista amigo lamentou recentemente que sentia o mundo da arte à deriva, pois não havia mais grandes críticos para oferecer teorias da arte que poderiam fazer a arte frutificar e se revigorar.

Outro amigo desenvolveu um argumento parecido sobre política. Embora os partidos debatam sobre quanto cortar no orçamento, ele gostaria de saber onde estão os políticos-cabeça que poderiam elevar o nível de nossa política.

O mesmo seguramente poderia ser dito da economia, onde John Maynard Keynes continua sendo o centro do debate quase 80 anos depois de propor sua teoria de injeção de estímulos pelo governo. Isso não significa que os sucessores dos grandes nomes não existam, apenas que, se existirem, eles provavelmente não ganharão espaço numa cultura que tem tão pouco uso para ideias, especialmente as grandes, excitantes e perigosas. E isso é verdade quer as ideias venham de acadêmicos ou de outros que não fazem parte de organizações de elite e desafiam a sabedoria convencional.

Todos os pensadores são vítimas da abundância de informação, e as ideias dos pensadores de hoje também são vítimas dessa abundância.

Então. Essa questão das vítimas da abundância de informação, é especialmente verdade para grandes pensadores nas ciências sociais como o psicólogo cognitivo Steven Pinker, que teorizou sobre tudo – da origem da linguagem ao papel da genética na natureza humana – ou o biólogo Richard Dawkins, que teve ideias grandes e controvertidas sobre tudo – do egoísmo a Deus – ou o psicólogo Jonathan Haidt, que analisou sistemas morais diferentes e extraiu conclusões fascinantes sobre a relação – de moralidade a crenças políticas.

Mas como eles são cientistas e empíricos e não generalistas nas humanidades, o lugar a partir do qual as ideias eram costumeiramente popularizadas, eles sofrem um duplo golpe. Não só o golpe contra as ideias em geral, mas o golpe contra a ciência, que é tipicamente considerada na mídia, na melhor hipótese, como mistificadora e na pior, como incompreensível.

Uma geração atrás, esses homens teriam chegado a revistas populares e às telas da televisão. Agora, eles são expelidos pelo tsunami informacional.

Pois então. Alguém certamente dirá que as grandes ideias migraram para o mercado, mas há uma enorme diferença entre invenções com fins lucrativos e pensamentos intelectualmente desafiadores.

Empresários têm muitas ideias, e alguns, como Steve Jobs, da Apple, trouxeram algumas ideias brilhantes no sentido “inovador” da palavra. Mas, embora essas ideias possam mudar a maneira como vivemos, elas raramente transformam a maneira como pensamos. Elas são materiais e não são relacionadas a noções.

São os pensadores que estão em falta, e a situação provavelmente não vai mudar tão cedo.

Nós nos tornamos narcisistas da informação, tão desinteressados por qualquer coisa fora de nós e de nossos círculos de amizade ou por qualquer petisco que não possamos partilhar com esses amigos que se um Marx ou um Nietzsche surgisse subitamente trombeteando suas ideias, ninguém lhes daria a menor atenção. Certamente não a mídia em geral, que aprendeu a servir ao nosso narcisismo.

O que o futuro aponta é para cada vez mais informação – Everests dela. Não haverá nada que não conheçamos. Mas não haverá ninguém pensando nisso.

Pense nisso.

https://www.youtube.com/watch?v=nxcCqGjiUd0

Uauuuuuuuuuuuuuu!!!! É assim então, ao som de Imagination, com Frank Sinatra... cara, eu acho que é a primeira vez que toco Sinatra no Café Brasil! Que vamos saindo animados, cheio de ideias... imaginando....

A imaginação é engraçada

Torna um dia nublado ensolarado

Faz uma abelha pensar em mel

Assim como eu penso em você

O Café Brasil é produzido por quatro pessoas. Eu, Luciano Pires, na direção e apresentação, Lalá Moreira na técnica, Ciça Camargo na produção e, é claro, você aí ó, completando o ciclo.

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Para terminar uma fala Linus Pauling, físico e ganhador do Prêmio Nobel da Paz:

A melhor maneira de ter uma boa ideia é ter várias ideias.

 

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