LíderCast 238 - MIguel Nagib

Data de publicação: 15/08/2022, 12:23

Luciano Pires: E o LíderCast nessa temporada chega a você com o apoio da Casa Porcini, localizada num bairro, no Botafogo, no Rio de Janeiro. A Casa Porcini possui uma estrutura de alta qualidade. Aliás, Porcini sou eu que falo. Eles lá, eles falam assim: é Porrcini. Casa Porrtini. É uma estrutura de alta qualidade para receber eventos privados ou corporativos, num ambiente exclusivo e acolhedor. Treinamentos, reuniões, workshops, jantares e degustações, podem acontecer num espaço multiuso. A Casa dispõe também de um lindo estúdio de Yoga e uma cozinha profissional, perfeita para aulas práticas e produção de vídeos. Visite o Instagram @casaporcini; se escreve Casa Porcini, com um C. Bom dia, boa tarde, boa noite. Bem-vindo, bem-vinda a mais um LíderCast, o PodCast que trata de liderança e empreendedorismo com gente que faz acontecer. Hoje o convidado é Miguel Nagib, o homem que criou em 2004 o movimento Escola sem Partido, que causou um enorme reboliço entre os diversos tons do espectro político brasileiro. Uma história fascinante, mostrando que se uma andorinha só não faz verão, pode provocar ventanias. Muito bem. Mais um LíderCast. Sempre começando, explicando como esse meu convidado veio parar aqui hoje. Essa aqui é uma história antiga. Eu não o conheço. Ele não me conhece. Mas eu acompanho o trabalho dele há muito tempo. Eu fui fazer uma investigação ontem, antes da gente vir gravar aqui. E descobri que eu coloquei no ar um Café Brasil em junho 2008. Eu acho que era o programa 92 – se eu não em engano – chamado A Fábrica de Imbecis. E ali eu apresentava pela primeira vez, um conceito que era relativamente novo. Tinha só – eu acho – três ou quatro anos. Mas tinha aparecido na mídia dois anos antes, alguma coisa assim, que era o Escola sem Partido. E ali eu comentei. E, curiosamente, tomei pancada de montão por causa daquele programa. Eu não entendi direito o que acontecia. Mas de lá para frente eu vim acompanhando. E quis o destino que a gente conseguisse marcar uma entrevista. Eu não me lembro como eu consegui o contato dele. Eu mandei um WhatsApp, na hora: estamos juntos aí. Uma hora que você vier à São Paulo vamos conversar. Então, muito obrigado pela presença. Eu começo o programa com três perguntas, que são as únicas que você não pode errar. O resto, você pode chutar à vontade. Que a gente vê aí. Mas essas três têm que ser direitinho tá? Seu nome, a sua idade e o que você faz?

Miguel Nagib: Bom. Obrigado Luciano, por ter me convidado para esse PodCast. Eu sou Miguel Nagib. Eu tenho 61 anos. E sou advogado. Eu fui procurador do estado de São Paulo durante mais de 30 anos. Trabalhei como assessor no Supremo Tribunal Federal. Eu tive uma experiência fantástica lá, de 1994 até 2002. E sou também o fundador do movimento Escola sem Partido.

Luciano Pires: Ótimo. Vamos investigar bastante isso aqui hoje. Você nasceu onde?

Miguel Nagib: Eu sou de Mogi das Cruzes, São Paulo.

Luciano Pires: Aqui do lado.

Miguel Nagib: É. Mas estou em Brasília desde 85.

Luciano Pires: Sim. Tem irmãos?

Miguel Nagib: Tenho três irmãos. Um falecido.

Luciano Pires: Sim. E seu pai e sua mãe faziam o quê?

Miguel Nagib: Meu pai é dentista. Minha mãe foi professora – morreu muito cedo – morreu com 38 anos.

Luciano Pires: Nossa...

Miguel Nagib: É. Um desastre de automóvel. Mas ela era professora de português.

Luciano Pires: Que idade você tinha quando ela...

Miguel Nagib: Eu tinha 11 anos.

Luciano Pires: Casseta. Dá um frio na barriga aqui, de imaginar uma criança de 11 anos perdendo a mãe. Mas é uma paulada isso. Como era o teu apelido quando você era pequeno?

Miguel Nagib: Meus irmãos ainda me chamam de Vacico.

Luciano Pires: De Vacico?

Miguel Nagib: Meu nome é Miguel Francisco. E Fancico virou Facico e depois virou Vacico.

Luciano Pires: Vacico. O que o Vacico queria ser quando crescesse?

Miguel Nagib: Eu não tinha a menor ideia. E acabei optando pela advocacia, pelo Direito. Assim, meio sem saber o que estava fazendo. E me identifiquei muito com a profissão. Gosto do Direito. Acho que tenho vocação para fazer o que eu faço como advogado.

Luciano Pires: Mas como você chega nele? Tinha uma escolha? Vou escolher o que fazer da vida. Tem Arquitetura, tem Medicina, tem Direito. Ou você foi direto lá?

Miguel Nagib: Eu não tive muita opção na época. Foi um momento complicado da minha vida. Por incrível que pareça, eu fui pai aos 18 anos de idade. Então, eu não podia brincar. E, enfim, eu estava entre fazer Jornalismo. E acabei optando por fazer Direito. E foi a melhor coisa que eu fiz.

Luciano Pires: Assumiu o filho? Casou com a moça?

Miguel Nagib: Claro. Claro.

Luciano Pires: Com 18 anos de idade?

Miguel Nagib: Sim.

Luciano Pires: É. Nós somos de uma cepa meio diferente aí. Mas aí quando você foi estudar. Foi uma surpresa para você o Direito? Você já conhecia? Você não tinha em quem olhar? Você não tinha alguém te incentivando? Nada disso?

Miguel Nagib: Não. Não tinha nada. Para você ter uma ideia: eu, quando entrei na faculdade, eu não sabia o que era reconhecimento de firma. Eu ficava assim... porque o Direito tem uma linguagem propositalmente hermética, não é verdade?

Luciano Pires: Sim.

Miguel Nagib: Que é uma reserva de mercado que eu acho que existe. E toda profissão tem isso, um jargão. Aquele jargão impenetrável. Então, eu não entendia nada o que era o mundo, o funcionamento jurídico da sociedade. Aliás, a maior parte das pessoas não entende como a sociedade funciona. Como o Estado funciona. O que são as leis. Realmente há um déficit de cidadania no Brasil, que interfere também na questão da educação. Os usuários dos serviços que são prestados pelas escolas não conhecem os seus direitos. Direitos fundamentais, que estão lá na Constituição Federal. O direito à impessoalidade na prestação do serviço pelo Estado. O direito à liberdade de consciência e de crença, que é a mais importante de todas as liberdades que a Constituição garante. É a liberdade de consciência e de crença. O direito à laicidade do Estado. Todos esses direitos são direitos que pertencem ao usuário do serviço que é prestado pela escola, especialmente pela escola pública. E é justamente o desconhecimento desses direitos por parte do usuário, que eu chamo de déficit de cidadania. É justamente isso que proporciona os abusos por parte do prestador de serviço, que é a escola e que é o professor.

Luciano Pires: Tem uma coisa boa acontecendo de 2013 para cá, que foi essa repentina politização do povo brasileiro. E esse momento particular que nós estamos vivendo agora. Essa baita dessa confusão. Ela é muito didática. Porque ela está demonstrando para esse pessoal que tem essa grande ignorância, que o presidente não pode tudo. Existem outros poderes. Tem um jogo de influência e de poder ali, que é muito complexo. Que não é tudo culpa de um. Senta aí e manda fazer. Não adianta querer mandar fazer. Se você não estiver articulando essa grande orquestra. E conversando com o bandido. Nada anda. E a gente começa a descobrir que é tudo muito complexo. Mas a gente vai poder falar um pouquinho mais disso aqui. Você se formou onde? Você fez lá em Mogi mesmo?

Miguel Nagib: Eu fiz em Mogi.

Luciano Pires: Em Mogi mesmo. Quando você pega o teu certificado? Tinha OAB na época? Quando você se formou já tinha OAB?

Miguel Nagib: Tinha a Ordem. O exame de Ordem.

Luciano Pires: Você fez o exame de Ordem, tudo...

Miguel Nagib: Fiz.

Luciano Pires: Conseguiu o teu. Aí você foi fazer o quê? Você foi trabalhar para alguém? Você abriu o teu negócio?

Miguel Nagib: Então? O meu primeiro emprego, que eu posso dizer que dá para colocar no currículo: eu fui funcionário do Banco do Brasil. Eu entrei por concurso. E fiquei dois anos no Banco do Brasil. E depois eu fui para a Procuradoria do Estado de São Paulo. E fui procurador. Onde eu fiquei – como eu disse – por mais de 30 anos. Como havia uma unidade da Procuradoria em Brasília, eu me mudei para lá. Porque a minha mulher é de lá. A minha segunda mulher, a Ruth. Ela é de Brasília. Ela é do Ministério Público do Distrito Federal. Então, nós nos conhecemos aqui em São Paulo. E depois começamos a morar juntos. E isso aconteceu lá em Brasília. E alguns anos depois eu fui trabalhar no Supremo. Havia uma vaga de assessor no gabinete do ministro Sepúlveda Pertence, que foi um excelente ministro. E eu trabalhei. Fiquei oito anos lá.

Luciano Pires: Você que está nos ouvindo aqui, que é um garotão. Você precisa entender o seguinte: quando um sujeito de 61 anos de idade diz que seu primeiro emprego foi no Banco do Brasil, significa que ele tirou a sorte grande. Porque naquela época, trabalhar no Banco do Brasil, ter um emprego. Aquilo era o máximo. Era o grande...

Miguel Nagib: Era o máximo. Ideal da vida.

Luciano Pires: É verdade. Porque ali você estava numa estabilidade. Tinha um negócio que todo mundo queria fazer. Mas é legal. E como se perdeu isso hoje em dia. Quando você fala hoje em dia: vou trabalhar no Banco do Brasil. Já não tem mais. Hoje eu quero trabalhar no Google. Hoje a molecada quer ser youtuber. Mudou completamente isso. E quando você mergulhou nesse mundo todo aí do... que você acabou de falar. Que é um mundo que tem um idioma hermético. Ele tem toda uma firula. Tem toda uma complicação ali. Você gostou daquilo?

Miguel Nagib: Gostei.

Luciano Pires: Olhou aquilo e falou: é aqui mesmo que eu vou...

Miguel Nagib: Gostei. Aquilo é precisão vocabular. O Direito tem isso. É uma ciência milenar. E com uma tradição. A tradição jurídica é uma coisa que é uma construção muito sólida. Que está sendo, evidentemente, demolida nos últimos anos, por exemplo, sobretudo pelo STF, pelo Supremo Tribunal Federal, nos últimos anos. Essa construção lógica, que é o ordenamento jurídico, está sendo completamente demolida, explodida; em nome de conveniências políticas, interesses políticos. Então eu fico muito frustrado hoje. Quando eu cheguei em Brasília, Luciano, eu amava o Supremo Tribunal Federal. Eu tinha um orgulho do Supremo. E depois, quando eu fui trabalhar lá, eu falei: meu Deus. Meu sonho. Eu estou aqui no templo do Direito. E realmente, havia juízes espetaculares ali. O Pertence era um deles, um grande juiz. Com quem eu não tenho afinidade ideológica. Ele é um cara de esquerda. Mas sempre foi um juiz legalista. Um conhecedor do Direito. Eu muitas vezes, eu ouvi o Pertence dizer: eu não concordo com isso. Mas é o que diz a lei. E eu tenho que seguir o que está na lei. Se eu fosse deputado, se eu fosse senador e tal, eu teria feito diferente.

Luciano Pires: Mudaria.

Miguel Nagib: Mudaria. Mas eu sou juiz. Então eu não posso fazer. E era esse o espírito ali dentro do Tribunal. Claro que o Tribunal podia errar. Como todo mundo pode errar. Mas errava querendo acertar. E hoje eu vejo o Supremo... eu sou daqueles que colocam no Twitter a hashtag STF vergonha nacional.

Luciano Pires: É que um dia botaram câmeras de televisão lá dentro. Entendeu? E aquilo que era uma coisa... é impossível não comparar o Supremo norte-americano. São uns caras que se reúnem e não tem câmera transmitindo.

Miguel Nagib: Nada.

Luciano Pires: Não tem nada. O cara não sai em público... ele não abre a boca. Ele não dá entrevista. Ele não dá discurso. Nada. Eles são uma coisa muito hermética ali. E aqui no Brasil viraram estrelas. Eu me lembro que para mim, a coisa toda pegou, eu acho que foi um pouco antes do impeachment da Dilma. Estava pegando fogo o negócio do Supremo. E um dia, eu estava caminhando aqui por Moema. E eu passei num boteco que tem numa esquina. Um botecão mesmo. Um botecão tradicional, daqueles com a mesa de sinuca e tudo mais. E tinha uma TV de plasma ligada, transmitindo o discurso de um... estava tendo uma votação qualquer no STF, que eram aqueles votos que duravam horas. E a TV ligada. E transmitindo aquilo. E dois caras sentados na frente, assistindo.

Miguel Nagib: Incrível.

Luciano Pires: Quando eu olhei aquilo, eu falei: esse país aqui virou ao contrário. Porque, primeiro: ninguém estava entendendo o que ele estava dizendo. Segundo, que o pessoal estava sentado, prestando atenção em algo que até outro dia era totalmente desconhecido. E aquilo foi um impacto muito grande. Transformou aqueles juízes em superstar. E o pessoal é reconhecido na rua. E aí a coisa desandou toda.

Miguel Nagib: Não era para ser assim.

Luciano Pires: Eu não estou nem considerando a questão partidária, política, ideológica, de o cara ser colocado ali.

Miguel Nagib: A questão psicológica.

Luciano Pires: Tem a questão psicológica de, de repente: eu passei a ser reconhecido na rua. Mas tudo bem.

Miguel Nagib: Onde não precisava ter câmeras de vídeo tem. E nas salas de aula – que é o lugar onde precisava ter – não tem.

Luciano Pires: Então? Nós vamos chegar aí. Bom. Aí você está lá em Brasília, tocando a tua vida. E eu quero chegar rapidamente na questão do Escola sem Partido. Nesse seu trabalho lá, pré Escola sem Partido. Você se envolveu com política?

Miguel Nagib: Não.

Luciano Pires: Você tinha alguma conexão com algum partido? Com alguma corrente de pensamento e tudo mais? Você é liberal? Conservador?

Miguel Nagib: É. Eu fui de esquerda quando era garoto. Depois – como geralmente acontece – as pessoas acabam amadurecendo. E veem que aquilo tudo é uma mentirada. É um conjunto ali de boas intenções. Mas há muita ignorância também. Não sabem como o mundo funciona.

Luciano Pires: Você tomou aquele remedinho?

Miguel Nagib: Eu tomei aquele remedinho.

Luciano Pires: A pílula. O boleto.

Miguel Nagib: O boleto. É isso mesmo. Eu pensei que você estava falando do red pill, do Matrix. Mas é o boleto que eu tomei. E aí você que as coisas não são como essas pessoas imaginam. Em geral, gente jovem e sem experiência de vida. Então eu fui migrando lentamente para o conservadorismo. Entendendo que a economia para funcionar precisa de segurança. Segurança jurídica, em primeiro lugar. Precisa de liberdade, porque senão o empreendedor não se sente estimulado a correr riscos. Ele precisa ter a expectativa de que ele vai ter lucro. Senão, ele também não se sente estimulado, encorajado a investir. Aí você entende a natureza das coisas. E não há como manter aquela posição inicial. Que era uma posição totalmente fantasiosa. A esquerda vive num universo paralelo da utopia. Então eu fiz esse trajeto. E quem teve uma influência – e eu reconheço isso – quem teve uma influência grande nessa minha trajetória foi o Olavo de Carvalho, que eu conheci pessoalmente em 97. Fui leitor assíduo dele. E ele me influenciou bastante, inclusive na criação do Escola sem Partido.

Luciano Pires: Isso é pré curso dele? Você não foi aluno dele?

Miguel Nagib: Não. Não fui aluno dele. Eu fui leitor do Olavo. E era até amigo dele.

Luciano Pires: Sim. De se encontrar e tudo mais?

Miguel Nagib: Não. Ele uma vez ficou na minha casa, quando esteve em Brasília. Eu o visitei nos Estados Unidos. E ele me chamava de amigo. E eu o chamava de amigo.

Luciano Pires: Sim. E qual é fagulha para isso? Vamos para a raiz. Eu quero a pré história do Escola sem Partido. Há uma maneira de você contar? Que é aquela que eu já ouvi em muitos lugares: eu sou um pai preocupado. Um belo dia, a minha filha chega em casa e me conta uma história. Eu fico indignado. E nasce o Escola sem Partido. E tem outra tese de outro pessoal, que diz que não, que isso foi uma orientação que já vinha do próprio Olavo, etc. e tal. Vamos botar isso a limpo. Como é que nasce essa fagulha? Você já tinha tocado nesse assunto? Você estava num grupo que se preocupava com isso? Existia uma série de pessoas que tinham entendido que havia algum tipo de doutrinação ocorrendo na sociedade em várias áreas e também na escola? E que alguma coisa tinha que ser feita? Ou foi realmente uma luz que deu um dia e que você descobriu um caso? A história que você vai contar para a gente aqui, do Fidel com... como era isso?

Miguel Nagib: Com São Francisco. Não. A doutrinação é invisível, para quem pensa como quem está doutrinando. Se eu sou uma pessoa de esquerda. E vejo as coisas através de uma lente vermelha, uma lente de esquerda. E depois eu pego um livro didático ou um discurso de um professor numa aula, que tem o mesmo viés. Aquilo é invisível para mim.

Luciano Pires: Isso vale para a direita também?

Miguel Nagib: Vale para a direita também. Porque você acha que aquilo é a verdade e que o que aquela pessoa está dizendo é o óbvio. É aquilo que você também sabe. Então, enquanto eu era aluno. E era um aluno ignorante. E, também, com tendências a ser de esquerda. Aquilo para mim era invisível. Quando eu começo a amadurecer. Quando eu começo a me movimentar dentro do espectro ideológico na direção da direita, eu começo a perceber que aquilo ali é um discurso enviesado. Que aquilo ali é um discurso ideológico. Porque aquilo se choca com a minha maneira de ver a realidade. E foram coisas que aconteceram de forma meio sincronizada. Eu disse que com o passar do tempo, eu fui me tornando mais conservador e mais liberal, etc. E foi justamente aí nessa trajetória, que eu comecei a me dar conta do quão ideológico era o discurso dos professores dos meus filhos. Então, aquilo passou a me incomodar. E a me incomodar cada vez mais. Então aconteceu. E, naturalmente, nós conversávamos em casa. Eu sempre conversava com os meus filhos. Toda hora eles me traziam um comentário de um professor. E um dia, a minha filha mais nova me contou que o professor dela – professor de História – havia comparado Che Guevara a São Francisco de Assis.

Luciano Pires: Que idade ela tinha?

Miguel Nagib: 14 anos. Foi em 2004. 13 para 14 anos. Eu acho que ela estava no 7º ano. E foi justamente aí. Foi a gota d’água. Eu me senti encorajado a escrever uma carta aberta. Imprimi algumas centenas de exemplares. E fui até o estacionamento da escola – é uma escola particular – e fui distribuir um exemplar dessa cartinha que eu tinha escrito, para cada pai que chegava.

Luciano Pires: Você não foi falar com a diretoria da escola?

Miguel Nagib: Não. Eu não fui falar. Eu simplesmente parti logo para essa carta aberta. Depois o diretor da escola me chamou. Eu até me lembro que ele chegou numa Mercedes. Ele baixou o vidro da Mercedes: depois eu gostaria que o senhor fosse na minha sala e tal. E um ou dois dias depois, eu fui até a sala do diretor. Ele disse que aquilo tudo não tinha acontecido. E disse que a minha filha entendeu mal. E que não havia doutrinação na escola dele, etc.

Luciano Pires: Nessa tua carta você descrevia. Essa carta existe. Ela está na internet. A gente acha na internet?

Miguel Nagib: Possivelmente sim.

Luciano Pires: Eu não li a carta. Você descrevia o que tinha acontecido? E manifestava uma preocupação? E pedia por alguma ação? Você propunha alguma coisa na carta? O que essa carta dizia?

Miguel Nagib: Era mais uma denúncia.

Luciano Pires: Sou um pai inconformado?

Miguel Nagib: É.

Luciano Pires: Está acontecendo com a minha filha assim, assim, assim.

Miguel Nagib: É. Era mais uma denúncia. Cabia naturalmente à escola – e sempre cabe à escola – tomar as medidas necessárias para prevenir que esses abusos ocorram. E essas medidas existem. Então, uma escola sempre pode adotar medidas preventivas. Eu sempre falo: o professor, quando ele fecha a porta da sala de aula, ele é o dono do show. Ninguém sabe o que está acontecendo lá dentro, a não ser os próprios alunos. Mas os alunos não têm maturidade para julgar aquilo que o professor está fazendo. Para avaliar aquilo que um professor está fazendo. E, pelo contrário, o aluno, muitas vezes – o aluno médio – ele é cúmplice do mau professor, do professor ignorante, do professor picareta. Porque para o aluno, quanto menos matéria ele tiver, melhor. Então há ali, o que eu chamo de pacto da vagabundagem, entre o aluno médio e o professor picareta. Está cheio de professor picareta. Têm bons professores.

Luciano Pires: Claro. Assim como existem advogados picaretas...

Miguel Nagib: Sem dúvida. É o que mais tem.

Luciano Pires: Médicos picaretas. Não é uma coisa focada. Porque é muito fácil a gente cair nessa questão da demonização: olha aí e tal.

Miguel Nagib: Dizem: está generalizando. Eu não estou generalizando. O fato é que existe muito advogado picareta, médico picareta e professor picareta também. Mas o professor picareta, ele tem a cumplicidade do aluno picareta. Tem uma parte dos alunos – eu fui aluno – uma parte dos alunos não quer estudar. Ele prefere ficar de bate-papo na sala de aula e tal. Por isso que o aluno tem que ser protegido de si mesmo. E cabia à escola fazer essa proteção.

Luciano Pires: Vamos explorar isso aqui um pouquinho mais. Me incomoda o picareta. Porque o picareta propõe que há uma intenção na picaretagem. Em alguns casos existe isso. E em outros casos tem a simples ignorância. Você começou a falar. O cara está tão envolvido com aquela visão de mundo, que ele acha que aquela é a realidade. E não é que ele: ó, estou reconhecendo que isso aqui é algo. Vou lutar contra o outro lado. Não. Aquilo é a vida dele. É assim. Então ele chega lá e compara Che Guevara com São Francisco. Porque aquilo para ele é a realidade. Foi assim. Eu quero dizer o seguinte: não há uma má intenção embutida nisso. É assim, porque ele acredita piamente nisso. E é muito difícil você chegar para uma pessoa dessa e falar: você está fazendo uma coisa errada. Como? Mas é assim que eu enxergo o mundo. E a garotada: eu estou preocupado em cuidar da minha vida. Em curtir. Eu não quero encheção de saco. Acaba entrando nisso. E aquilo vira uma... quando você fala do picareta, dá a impressão de que há uma intenção a propor o erro, a enganação e tudo mais. É claro que isso tem também. Mas eu imagino que a maioria absoluta até entrou nessa porque foi formado por um picareta lá atrás. Acabou adotando essa visão de mundo. O estudante: não quero me incomodar. Eu não vou impor nada. O professor chega lá, conta a história dele. E nem sacou que está doutrinando. Porque para ele, aquele é o mundo. Funciona assim. Então, eu diria até que a maioria é assim. E quando você chega lá e bota o dedo. Aí você incomoda os picaretas. O cara que pensa que o mundo é assim e que não tem uma má intenção atrás, ele vai ficar chocado. Mas como? O que é isso? O que você está me trazendo? Você está dizendo que eu estou errado? O picareta não. Ele fala: estão me denunciando. E aí começa uma reação. Mas eu entendo o que você quer dizer. E se a gente quiser voltar, a dica que eu dou para vocês aqui – você que está aqui ouvindo a gente – procure o Café Brasil Gramsci e os Cadernos do Cárcere. E você vai entender toda a mecânica que existe nos que estão intencionados. Em quem tem a intenção de fazer a mudança. Eu conto naquele PodCast lá como é que essa coisa funciona.

Miguel Nagib: E eu acho que você está certíssimo. Eu falei do picareta, porque o picareta é um dos personagens que estão dentro das escolas. Mas tem também esse professor que acredita piamente naquilo que ele está ensinando aos alunos. Ele nem sabe que ele está doutrinando. Ele é um peixe dentro de um aquário. Então ele não percebe que a água... que ele está rodeado de água. Eu sempre digo Luciano, que o professor é a principal vítima da doutrinação. Ele foi doutrinado. Ele se espelha nos professores que ele teve. A doutrinação é sempre um círculo vicioso. O aluno que está sendo doutrinado hoje vai ser o professor doutrinador de amanhã. E ele pode ser um professor até estudioso e trabalhador. Só que ele vai ter sempre aquele viés, aquela paixão política. E o pior de tudo: é um sentido de missão. Ele pensa que ele tem uma missão a cumprir que vai além de transmitir conhecimento para os alunos. Ele quer mudar o mundo. É aquela coisa do Paulo Freire. O Paulo Freire conseguiu infundir esta noção, que a educação serve para transformar o mundo. Ele falava: a educação não transforma o mundo. A educação transforma as pessoas. Pessoas é que transformam o mundo. Mas antes de transformar, que tal a gente conhecer o mundo? Que tal a gente saber como as coisas são difíceis? Como o mercado funciona? Como a sociedade funciona? Não. É preciso transformar. E é esse sentido de missão que é um zelo missionário. É uma coisa religiosa. É o maior inimigo da educação hoje. O professor perdeu a noção – eu falo, claro que há professores não perderam esta noção, evidentemente – de que ele precisa transmitir conhecimento. Transmitir habilidades para os seus alunos, para que eles possam saber ler bem, escrever bem, entender o funcionamento do mundo, ter uma profissão. Não. Quer transformar o mundo.

Luciano Pires: E essa coisa é tão complexa e tão perigosa, Miguel. Porque você está na raiz. Dali sai a contaminação para a sociedade inteirinha. É dali que vem. Você estava falando agora do sujeito, do professor que quer dar essa ideia de que nós temos que mudar o mundo. E eu comecei a te ouvir e lembrar o que aconteceu com a imprensa. Hoje em dia a imprensa está toda assim. O cara não te dá mais uma notícia. Ele te dá uma notícia, ele embute uma opinião. E no final, que ele te passa a notícia, ele quer dizer como você tem que se comportar. Como que o mundo tem que funcionar. Quem está certo. Quem está errado. Então o fato em si, fica para segundo plano.

Miguel Nagib: Exatamente.

Luciano Pires: Eu falo o fato e já contamino com a minha visão de mundo. E isso veio de onde? Veio da formação que esse cara teve na escola. E você leva isso para todos os lados. É muito complicado. Porque essa é a nascente de contaminação.

Miguel Nagib: O jornalista, o médico, o advogado, o juiz, o promotor, o publicitário, o psicólogo, o empresário. Todo mundo passa pelo sistema educacional. Todo mundo passa por uma escola ou por uma universidade. Então, quando você consegue. Quando a esquerda consegue dominar o sistema educacional, ela vai dominar toda a sociedade. Porque não é só o professor que está sendo doutrinado, que está sendo vítima da doutrinação. O psicólogo também está. O publicitário também. O empresário também. O herdeiro também está sendo doutrinado. E é isso que a gente vê hoje: pessoas que têm uma vida, que vivem num estado de esquizofrenia permanente. Porque o sujeito é herdeiro, é capitalista. E pensa com a cabeça de um revolucionário de esquerda. Então, isso é fruto, em certa medida, desse ambiente cultural que é gerado, que é criado pela doutrinação dentro das escolas.

Luciano Pires: É muito complicado. Mas vamos voltar para a história lá atrás. Aí você faz a cartinha. Distribui a carta. O diretor te chama.

Miguel Nagib: É.

Luciano Pires: Chegou a alguma conclusão? Ou ele veio te provar que não era assim?

Miguel Nagib: Ele negou que o fato estivesse acontecendo. Provavelmente, nem tinha conhecimento. Sabe? A direção da escola é a cabeça que está focada no financeiro. Ele quer saber se estão pagando em dia, etc. Então, não existe essa preocupação pedagógica. Mais com relação a conteúdos e tal. E naquela época, 2003, não se falava em doutrinação nas escolas. Eram pouquíssimas pessoas. Era um círculo restrito de liberais e conservadores, que na época eram muito poucos. Que consideravam esse assunto um assunto relevante. A maior parte, a esmagadora maioria das pessoas não sabia do que se tratava a doutrinação nas escolas. Mas então o próprio diretor se surpreendeu com aquela iniciativa de um pai. Mas assumiu uma postura defensiva. Negou que a minha filha... negou que tivesse acontecendo o problema na escola dele. E ficou por isso mesmo, evidentemente.

Luciano Pires: Você fazia parte desse grupo. Existia um think tank liberal naquela época? Instituto Liberal? Estava tudo funcionando? Você fazia parte? Você era integrante?

Miguel Nagib: Fazia. Eu participava das reuniões do Instituto Liberal.

Luciano Pires: Havia uma discussão a respeito disso lá?

Miguel Nagib: Sim.

Luciano Pires: Já tinha?

Miguel Nagib: Já tinha. Nós tínhamos inclusive o professor Nelson Lehmann, que era o cabeça do Instituto Liberal em Brasília. Ele e o ex-embaixador Meira Penna, falecido. O Nelson Lehmann, que foi professor na UnB e já estava aposentado na época. Ele chegou a fazer uma pesquisa em livros didáticos, para mostrar que havia o problema da ideologização, da politização do livro didático. Que na época, era muito mais escancarada do que é hoje. Graças às denúncias, inclusive as denúncias feitas pelo Escola sem Partido. O viés ideológico do livro didático hoje está muito mais dissimulado – ele continua presente – mas está muito mais dissimulado do que era em 1990 e no começo dos anos 2000. Havia então, este grupo de pessoas que era liderado ali em Brasília pelo Nelson Lehmann e pelo embaixador Meira Penna, que tinha essa preocupação.

Luciano Pires: Essa carta tua chega no Olavo?

Miguel Nagib: Chegou.

Luciano Pires: E o Olavo naquela época... nós estamos falando de 2003?

Miguel Nagib: É.

Luciano Pires: Ele estava no Brasil ainda?

Miguel Nagib: Estava.

Luciano Pires: Estava no Brasil. Mas ele não tinha o alcance que o nome dele tem hoje em dia? Ele não tinha feito ainda todo aquele barulho? Mas ele tinha um site. Ele publicava já as coisas naquela época. Ele pega a tua carta, publica no site, junto com o texto dele.

Miguel Nagib: Exato.

Luciano Pires: Não é isso?

Miguel Nagib: Aham.

Luciano Pires: E aí a coisa explode? Ou não é ainda que a coisa anda?

Miguel Nagib: Foi uma explosão restrita ao ambiente que estava nascente na época, que era o ambiente conservador. Que depois foi ganhando corpo. Isso em 2003 ainda. Você falou em 2013. 2013 que começou a ganhar mais musculatura. Na época não. Na época eram poucas pessoas no Brasil. Eu fazia parte dessas pessoas. Eram relativamente poucas que tinham essa identificação ideológica. Que se identificavam ideologicamente como liberais ou como conservadores. E o Olavo tomou então conhecimento desta minha iniciativa. E abraçou. E essa iniciativa passou a ser conhecida neste ambiente, ainda pequeno, ainda limitado. Mas muito maior do que era o Instituto Liberal de Brasília. Então ganhou uma projeção nacional, muitas pessoas. A carta foi traduzida para o espanhol. Eu fiquei surpreso. Poxa vida, então esse assunto não interessa só ao Brasil. Se alguém teve a iniciativa – e foram padres de Brasília – de traduzir essa carta para o espanhol, é porque esse assunto interessa a mais pessoas. E, de fato, interessa. Eu digo sempre: a doutrinação nas escolas. O uso político das escolas é o maior problema do ocidente. Do ocidente democrático, evidentemente. Isso não é um problema em Cuba. Esse problema não tem. Porque lá em Cuba, a doutrinação é uma prática lícita. Ela é feita pelo Estado, dentro daqueles parâmetros que o Estado determina. Aqui não. No ocidente democrático, ela é sempre abusiva. Nos Estados Unidos, na América hispânica, na América Latina, no Brasil, na Europa. Ela é sempre uma conduta ilícita e abusiva. Porque ela viola uma garantia – como eu já mencionei – que é a principal liberdade que no ocidente é garantida pela legislação, pelas constituições do ocidente, que é a liberdade de consciência e de crença. Então um professor que se aproveita da audiência cativa dos alunos. Porque a presença do aluno em sala de aula é obrigatória. Quando um professor se aproveita da presença obrigatória de um aluno em sala de aula, para fazer um discurso, uma pregação ideológica, assim como seria uma pregação religiosa, ele está violentando essa garantia, essa liberdade do estudante, que é obrigado a escutar o discurso do professor. Digamos: um aluno católico, evangélico, começa a ouvir todos os dias que o pastor é ladrão, que o padre é pedófilo. Que a sua religião é uma farsa. Que Deus não existe. Aquele aluno, naturalmente, vai acabar perdendo a confiança que ele tem na sua religião, na sua própria fé. E não existe nada pior para um crente, do que perder a sua fé. E também é uma forma – para você ver a gravidade disso Luciano – a covardia da doutrinação, deste abuso, que um professor, muitas vezes, faz de boa-fé. Ele faz achando, acreditando naquilo que ele está fazendo. Eu tenho certeza: 100% dos professores que são doutrinadores acreditam que eles estão fazendo o bem para os seus alunos. Mas é o bem que está na cabeça deles. Não é necessariamente o bem do aluno.

Luciano Pires: Eu vi uma história muito interessante de um amigo meu, que estava comentando isso. Que ele ia à escola. Ele tinha um ou mais professores ali que eram dessa linha. E que batiam de montão. E que provavam diariamente para ele que o empreendedor, o empresário era o explorador. Que era o cara que explorava o trabalho dos outros. Mais valia. Aquela conversa toda lá. E ele pintava o demônio. E quando ele chegava em casa, que ele via o pai dele e a mãe dele trabalhando – que eram empreendedores – o pai se ferrando. Ele via o contato que o pai tinha com os empregados. Ele sabia que não era assim. Ele via o pai dele deixando de fazer alguma coisa para poder ajudar um empregado. Ele falava: mas meu pai não é esse monstro. Pintaram para mim um retrato na escola. Quando eu chego em casa, eu vejo a minha família. E minha família não é aquilo que foi pintado lá. Então o garoto dava um nó na cabeça. E eu imagino como isso é complicado para uma criança que está em formação ainda. Mas eu tenho duas questões aqui que me interessam. Você, no momento em que você bota aquela carta, que essa coisa aumenta e essa discussão ganha corpo. Você não foi um soldado convocado por esse grupo para dizer: Miguel venha cá. Temos uma missão a você. Você vai ser a linha de frente de uma campanha que vai pelos bastidores, para destruir essa... você não foi um soldado convocado para isso?

Miguel Nagib: Não, claro que não.

Luciano Pires: Aquilo foi espontâneo?

Miguel Nagib: Claro. Sem dúvida alguma. Aquilo foi uma iniciativa pessoal, individual.

Luciano Pires: Como é que ela começa a se articular, do ponto de vista de sair de uma carta, para se transformar numa ação efetiva?

Miguel Nagib: Num movimento. Que foi o que aconteceu. O Escola sem Partido, ele... depois de ter escrito aquela carta. E depois de ter visto o impacto que a carta causou no ambiente da escola. É que eu não mencionei isso. Além de o diretor ter me chamado e ter negado aqueles fatos, etc. Houve dentro da escola, uma manifestação de alunos. Uma manifestação de desagravo ao professor.

Luciano Pires: Sua filha passou a ser: a filha do Miguel.

Miguel Nagib: Ainda é. Mas as duas não eram conhecidas dentro da escola. Então elas ficaram na moita. Ninguém as incomodou. Não houve nenhum problema com as meninas. Mas os alunos... é porque eles não sabiam quem eram as minhas filhas. Então elas ficaram na moita. E nada aconteceu. E a escola tomou o cuidado também. Porque se não tivesse tomado também, eu ia arrebentar com a escola, se eles tivessem feito qualquer coisa contra as minhas filhas. Eu teria, obviamente, tomado providências.

Luciano Pires: Como é que chegou nos alunos, de que havia uma ameaça a um professor?

Miguel Nagib: Não. Eu distribuí uma carta. Foram centenas de exemplares. Então aquilo correu. Aquilo foi uma confusão dentro da escola.

Luciano Pires: A carta dizia quem era o professor?

Miguel Nagib: Dizia.

Luciano Pires: Citava o professor na carta?

Miguel Nagib: E o professor era adorado pelos alunos. Como costuma acontecer. Os professores doutrinadores são os mais populares entre os alunos.

Luciano Pires: Aliás, essa é uma característica. A esquerda tem os artistas mais populares. Os humoristas mais populares. Os escritores mais populares. Cineastas.

Miguel Nagib: Sim. Discurso fácil.

Luciano Pires: É tudo muito popular.

Miguel Nagib: Discurso fácil. E aí houve uma manifestação de desagravo. Eu recebi dezenas de mensagens. Porque eu coloquei o meu e-mail na carta. Eu recebi dezenas de mensagens dos estudantes me ofendendo, me xingando de tudo quanto é nome. Quando eu percebi onde eu tinha colocado a mão. O vespeiro que era aquele assunto. Eu falei: bom. Agora eu vou criar uma página na internet para receber denúncias de doutrinação, para dar visibilidade a esse problema. Que ninguém sabe que existe. 99% dos pais ignoram que seus filhos estão sofrendo lavagem cerebral dentro das escolas. Aí eu fiz isso. Criei uma página. Criei um nome para essa página, chamada Escola sem Partido. Podia ser Escola sem Doutrinação. Mas eu resolvi chamar de Escola sem Partido. E foi aí que em maio de 2004. Quantos anos faz?

Luciano Pires: 18.

Miguel Nagib: 18 anos. Foi aí que começou a semente do Escola sem Partido, que depois virou um movimento. Quando é que o Escola sem Partido virou um movimento? Depois de 2013, quando os conservadores, quando a direita começou a aparecer no Brasil.

Luciano Pires: Então? Mas quando eu publico aquele programa, o meu programa de 2008, apresentando o que era aquela proposta lá. Não era um movimento ainda?

Miguel Nagib: Não. Era uma iniciativa individual. Era uma página.

Luciano Pires: Era um grupo de pessoas?

Miguel Nagib: Era eu.

Luciano Pires: Era você?

Miguel Nagib: Era eu. E já estava fazendo um barulho enorme. Porque o assunto era vital. E na época a gente teve o apoio, por exemplo – eu tive o apoio – a iniciativa do Escola sem Partido tinha o apoio de Olavo de Carvalho e de Reinaldo Azevedo, que estava na Veja. O Reinaldo cansou de publicar.

Luciano Pires: Ele já tinha terminado a revista dele lá? Ele estava na Veja?

Miguel Nagib: Estava na Veja.

Luciano Pires: Uma coluna extremamente lida. Ele estava a mil. A milhão.

Miguel Nagib: Ele estava a milhão. E o Reinaldo era um grande apoiador do Escola sem Partido. Depois, o que aconteceu com o Reinaldo ninguém explica. A virada que ele teve. A metamorfose ideológica do Reinaldo Azevedo. Mas nós tínhamos então – eu tinha – eu e as pessoas que... na verdade, quem carregava o piano sempre fui eu. Eu que bancava Escola sem Partido. Eu que produzia conteúdos. Sempre fui eu.

Luciano Pires: Mas aquilo era um site?

Miguel Nagib: Era um site.

Luciano Pires: Só aquilo?

Miguel Nagib: É.

Luciano Pires: Não havia um movimento para caminhar para algum lugar?

Miguel Nagib: Não tinha?

Luciano Pires: Para propor? Para editar coisas?

Miguel Nagib: Não tinha nada.

Luciano Pires: Não tinha nada. Era só um site?

Miguel Nagib: Exatamente.

Luciano Pires: E você publicava coisas?

Miguel Nagib: Exatamente. Onde eu recebia denúncias. Era uma página relativamente conhecida no meio conservador. Então a todo tempo a gente recebia uma carta. Ou era uma foto de um livro didático. Ou era algum depoimento de aluno. Então foi assim que o Escola sem Partido começou. Depois da iniciativa da carta, que foi em 2003, eu criei a página na internet. Depois da página, a gente migrou para as redes sociais. Em 2007 e 2008. Em 2008 – se eu não me engano – a Veja publicou uma matéria de capa sobre o problema da doutrinação.

Luciano Pires: Eu me lembro.

Miguel Nagib: Ela encomendou... encomendou não. Na verdade, a pesquisa foi feita pela CNT e Sensus, pela Confederação Nacional dos Transportes e pelo Instituto Sensus. Foi feita uma pesquisa sobre o problema da doutrinação nas escolas. Certamente, o Reinaldo Azevedo na época, que era uma pessoa importante dentro da Veja. E a veja na época também era bastante antipetista; como nós sabemos. A Veja se interessou por este assunto. Porque a doutrinação dentro das escolas, desde que ela existe, colocando essa estratégia gramsciana, a partir da década de 80. Não vou entrar na discussão sobre o uso ideológico do aparelho educacional. Não. Eu estou falando de um fenômeno mais recente, que foi o aparelhamento do sistema escolar pela esquerda no Brasil, que começou na década de 80. E o PT sempre foi o maior beneficiário dessa máquina de propaganda. E a Veja na época era anti PT. Você tinha um governo do PT. E a Veja criticando. Uma postura crítica. A Veja resolveu fazer essa matéria. Uma matéria muito bem-feita. E que confirmava esta pesquisa que foi feita pelo Instituto Sensus. Confirmava a percepção que nós tínhamos do problema. Ela deu número a essa percepção. Então, por exemplo...

Luciano Pires: Miguel, quando você fala assim, me incomoda. Parece que foi tudo espontâneo. Parece que a pesquisa do CNT Sensus foi espontânea. Que a Veja, espontaneamente assina aquilo. Está tudo muito espontâneo. E há uma tese que diz que não. Que essa coisa é toda articulada. Que a pesquisa não vem espontaneamente. Ela vem porque tem uma encomenda para a pesquisa. Porque está tudo articulado. Existe uma articulação por trás. Essa minha incomodação? Como você vê isso?

Miguel Nagib: É um assunto sensível, politicamente sensível. Tanto é que foi pauta de uma campanha presidencial. Na campanha, na última eleição para presidente da República, para governador do estado, um dos principais assuntos quando se falava em educação, se falava em doutrinação. O presidente Bolsonaro foi eleito com a promessa de implantar o Escola sem Partido.

Luciano Pires: Sim. Mas nós estamos em 2004.

Miguel Nagib: Sim. Eu queria dizer que é um assunto politicamente relevante.

Luciano Pires: Sem dúvida.

Miguel Nagib: Eu posso falar por mim. A minha iniciativa sempre foi individual.

Luciano Pires: A Veja te ouviu?

Miguel Nagib: A Veja me ouviu. A Veja me consultou.

Luciano Pires: Quando saiu a matéria, você sabia que alguma coisa ia acontecer?

Miguel Nagib: Sim. Eu fui entrevistado. E um ano antes, a Época havia feito uma matéria. E eu também fui entrevistado. A matéria da Época foi sobre livros didáticos. Então foi em 2007. Saiu a matéria da Época, focada em livros didáticos. Nós fomos ouvidos. Eu e um professor de Brasília, que também era um parceiro dentro do Escola sem Partido, dentro dessa iniciativa. Um interlocutor e um amigo meu. Então ambos fomos ouvidos. Ele inclusive era professor da UnB, professor da Faculdade de Educação da UnB. Então foi ouvido também como um especialista neste assunto. Eu como pai e ele como um conhecedor mais aprofundado dessa questão. Isso foi em 2007. A Época fez essa matéria sobre livros didáticos. Muito bem documentada. Mostrou o viés ideológico do livro didático. E depois, em 2008, a matéria da Veja. Mais abrangente. E tendo por base essa pesquisa da CNT Sensus. O assunto é relevante.

Luciano Pires: É. E capa da Veja em 2004.

Miguel Nagib: 2008.

Luciano Pires: Desculpe. Capa da Veja em 2008. É igual o Jornal Nacional. Uma matéria de 15 minutos no Jornal Nacional. Porque aquilo era a maior revista do Brasil. Um milhão e 250 mil exemplares semanais. E pautando a discussão. Com o Reinaldo então, botando fogo. Aquilo te lança para outro patamar, quando aquilo acontece. E aí a minha pergunta é a seguinte. Você até então, você tinha lidado com a revolta de alguns alunos numa sala de aula, que estavam fazendo desagravo ao professor. Quando essa coisa assume essa dimensão, eu imagino que a reação contrária foi gigantesca. As pessoas que se incomodaram não era mais um grupinho de aluno. Mas eram milhões de professores e de ativistas e militantes, que viram aquilo tudo acontecendo e falou: opa; tem alguém nos ameaçando aqui. Vamos fazer o contra. Vamos voltar e vamos abater esse sujeito, antes que ele vire um perigo ainda maior que isso. Mas aí a coisa já estava exposta. Em 2008, quando você sai na Veja. Aquilo te dá certeza que você tinha que criar um movimento estruturado? Ou nunca virou um movimento? Nunca virou uma organização? Nunca virou uma ONG? Nunca virou uma empresa? Uma organização com quatro, cinco, seis pessoas trabalhando ali? Como é que você estrutura, para que aquilo continuasse funcionando?

Miguel Nagib: Até 2019, eu sempre banquei sozinho o Escola sem Partido. Eu era o único produtor de conteúdo do Escola sem Partido.

Luciano Pires: Não tinha um escritório em algum lugar, com cinco, seis pessoas trabalhando?

Miguel Nagib: Não. Não tinha. Eu sempre fiz tudo sozinho até 2019. Mas a esquerda ainda não havia reagido com toda a fúria depois da matéria da Veja. Porque até então, o que nós tínhamos era apenas a denúncia de um problema. A esquerda enlouqueceu quando surgiu a solução do problema. Que foi a proposta do movimento Escola sem Partido. A proposta de um Projeto de Lei que previa.  A gente vai falar desse Projeto de Lei. Mas era o remédio para aquele câncer que estava acontecendo. A Veja simplesmente disse: há um câncer. E o câncer não está ligando. Quando o médico chega e diz: você tem câncer. O câncer, para ele tanto faz. O câncer não reage. Ele reage quando aparece a quimioterapia. Então o câncer não tem medo do diagnóstico. Ele tem medo da quimioterapia. E a proposta do Escola sem Partido era a quimioterapia para esse câncer. Aí a esquerda enlouqueceu. Aí realmente. E isso aconteceu Luciano, em 2015. Em 2015 – vou contar rapidamente a história; se não foi 2015 foi 2014 – eu recebi um e-mail do hoje senador Flávio Bolsonaro dizendo o seguinte: me cumprimentando pela iniciativa do Escola sem Partido, pelo movimento. Que ele disse que era uma das coisas mais importantes que ele já viu.

Luciano Pires: Ele era deputado?

Miguel Nagib: Deputado estadual do Rio de Janeiro. E ele queria fazer. Ele teve a ideia de fazer uma lei contra a doutrinação. Que ele chamou de Programa Escola sem Partido. Nós já tínhamos o movimento Escola sem Partido. Movimento não. Nós tínhamos a página, um site chamado Escola sem Partido. E aí ele me mandou essa mensagem, pedindo a minha colaboração para redigir esse Projeto de Lei de Programa Escola sem Partido. Eu dei um tapa na testa e falei: como é que eu nunca pensei em fazer um Projeto de Lei do Escola sem Partido? E aí eu redigi a primeira versão de um Projeto de Lei que tinha a finalidade de afixar em todas as salas de aula do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, um cartaz com seis deveres do professor. Essa proposta de lei era inteiramente baseada nos princípios da Constituição Federal: na impessoalidade, laicidade, liberdade de consciência e de crença, pluralismo de ideias. Tudo que estava na Constituição, àqueles princípios abstratos. Não adianta você falar para um estudante, por exemplo, que a impessoalidade é um dos princípios da administração pública. Um estudante de 12, 13 anos de idade, que já é vítima da doutrinação, ele não vai entender o que aquilo significa. Mas se você disser e escrever: o professor não pode fazer propaganda política em sala de aula, que é a mesma coisa. Ele entende. Então o que eu fiz nesse Projeto de Lei que eu redigi a pedido do então deputado Flávio Bolsonaro foi expressar. Traduzir para uma linguagem mais acessível aquilo que já está na Constituição Federal. O projeto Escola sem Partido, a proposta do movimento Escola sem Partido não criava nenhum novo direito para o aluno e nenhuma nova obrigação para os professores. Apenas explicitava, traduzia numa linguagem mais simples, mais acessível, menos técnica e menos jurídica também, aquilo que já está na Constituição Federal. Então esse foi o grande pulo do gato. É o pulo do gato da conscientização. O problema é o seguinte: a vítima da doutrinação, o aluno. Ele não é capaz de se reconhecer como vítima de uma conduta abusiva. Porque ele sofre aquilo desde criança, desde que ele entra na Educação Infantil.

Luciano Pires: E para ele entender que ele está sendo doutrinado, ele tem que saber do outro lado. Ele tem que conhecer o outro lado. Se eu não conheço o outro lado, como eu sei que tem algum me empurrando para a esquerda, se eu não conheço a opção? E aí a gente vai bater numa luta, que inclusive o Olavo tem um papel muito importante nisso. Que era você não ter nem a opção. Eu não consigo ler um livro do outro lado. Eu não tenho publicação. Não tinha nada no Brasil. Não tinha nenhum. Autores conservadores, isso não existia. Não tinha nem como procurar. Então não tinha elementos para contrapor uma visão que o professor me passava.

Miguel Nagib: Esse é um aspecto do problema. Mas, por exemplo, você não precisa conhecer o outro lado para saber que um professor está fazendo propaganda de um candidato. Um professor entra com a camiseta, por exemplo, do Lula em sala de aula. Você não precisa saber que existem outros candidatos. Você vai ver: espera aí. O professor está fazendo propaganda política aqui dentro. E um dos deveres do professor era justamente esse: não fazer propaganda política em sala de aula. Então, a doutrinação, o que a gente chama genericamente de doutrinação, envolve um conjunto de atitudes que podem ser mais ou menos explícitas. Existe uma doutrinação dissimulada. Essa pode ser mais difícil de o aluno perceber. Mas um aluno, por exemplo, que tem o costume de conversar com seus pais em casa e de ver, por exemplo, como você mencionou: o filho daquele empresário. Está vendo o pai sair cedo de casa para ir trabalhar, etc. Têm vários empregados que são bem tratados. Este aluno pode identificar quando um professor começa a atacar o empresariado de maneira geral. Ele percebe: professor, espera aí. Eu sou filho de empresário. E o meu pai não faz isso que você está dizendo. Então a própria experiência do aluno já, muitas vezes, basta para que ele reaja. O que é importante é o aluno saber identificar uma conduta como sendo ilícita. É dizer: eu como estudante, eu tenho o direito a que um professor de uma escola pública não faça propaganda política em sala de aula. Eu tenho o direito de não ser perseguido pelas minhas opiniões. Eu posso dizer: professor desculpa. Mas a respeito disso, eu discordo. E o professor não vai perseguir o aluno. Da mesma maneira – e isto eu acho que é o que mais incomodava – eu acho que hoje o maior problema do Escola sem Partido era dizer em alto e bom som que os pais têm direito sobre a educação religiosa e moral dos seus filhos. Um dos deveres do professor era justamente este. Assim, os pais têm direito a que seus filhos recebam a educação religiosa e moral, que esteja de acordo com as suas próprias convicções. Esta frase que eu acabei de repetir aqui está num tratado internacional sobre Direitos Humanos, do qual o Brasil é parte, a Convenção Americana de Direitos Humanos. Ou seja, o Escola sem Partido apenas repetia neste cartaz uma regra de um tratado de Direitos Humanos, onde o Brasil é parte. Essa regra é uma regra que tem força de lei no Brasil. Mas os professores não suportavam esta regra. Porque eles queriam dizer aos filhos dos outros, o que é certo. Queriam e querem. Dizer aos filhos dos outros, o que é certo; o que é errado em matéria de religião e de moral. Principalmente de moral. Então toda essa campanha que hoje se faz sob o nome de diversidade, inclusão, combate ao preconceito, por exemplo, são... muitas vezes se chocam com os valores morais da família. Com aquilo que os pais ensinam aos seus filhos em casa. Isso é gravíssimo. Mas como a escola se transformou hoje numa fábrica de engenharia social, então esse é o ponto mais sensível que eu vejo.

Luciano Pires: Você está ouvindo o LíderCast, que faz parte do ecossistema Café Brasil, que você conhece acessando mundocafebrasil.com. São conteúdos originais distribuídos sob forma de PodCasts, vídeos, palestras, e-books e com direito a grupos de discussão no Telegram. Torne-se um assinante do Café Brasil Premium através do site ou pelos aplicativos para IOS e Android. Você pratica uma espécie de MLA, Master Life Administration, recebendo conteúdo pertinente, de aplicação prática e imediata, que agrega valor ao seu tempo de vida. Repetindo: mundocafebrasil.com. Uma coisa que precisa ficar clara aqui. Quando você fala... eu vou usar um exemplo aqui bem real. O Escola sem Partido diz o seguinte: você não pode entrar na sala de aula com a camiseta do Lula e nem do Bolsonaro. Para a gente ficar bem claro aqui.

Miguel Nagib: Claro.

Luciano Pires: Quando você define aquilo, o Escola sem Partido tinha partido?

Miguel Nagib: Tinha. O partido da Constituição Federal.

Luciano Pires: É. Mas não existe esse partido. O Escola sem Partido não era nem de direita, nem de esquerda. Mas como a grande parte, como toda a doutrinação era uma doutrinação de esquerda, no momento em que ele chega e fala: não pode. Quem se sente ameaçado é...

Miguel Nagib: Claro. Quem veste a carapuça é o militante de esquerda.

Luciano Pires: Sim. E aí eles ficam alucinados quando veem. E começa então, uma reação pesada?

Miguel Nagib: Essa reação, por causa do quimioterápico, que foi...

Luciano Pires: Como essa reação começa?

Miguel Nagib: Deixa eu ver em que momento. A questão é a seguinte: logo depois que o Flávio apresentou o Projeto na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, outros parlamentares, vereadores e deputados, se interessaram imediatamente pela ideia. E aí o que nós fizemos foi o seguinte: eu coloquei as cópias. Eu coloquei modelos de Projetos de Lei, de Anteprojetos de Lei nas páginas do Escola sem Partido. Justamente para que os vereadores e os deputados apresentassem esses Projetos de Lei, nas suas respectivas casas legislativas. A coisa que deputado e vereador mais gosta é de apresentar Projeto de Lei. E sabendo disso, a gente usou essa estratégia para fazer com que a proposta do Escola sem Partido se tornasse conhecida em todo o país.

Luciano Pires: Quem é a gente?

Miguel Nagib: Eu.

Luciano Pires: É você?

Miguel Nagib: Eu. A gente é o Escola sem Partido, que sou eu. 

Luciano Pires: Ok. Não é o Instituto Liberal?

Miguel Nagib: Não, não, não. Sempre foi até este momento, uma iniciativa minha. Muita gente surfou no Escola sem Partido. Mas a produção do conteúdo sempre foi feita por mim. Então eu coloquei. Eu redigi, assim como eu tinha redigido um Anteprojeto de Lei estadual. Eu redigi um Anteprojeto de Lei municipal. Porque esse assunto era um assunto de competência das três esferas de poder: federal, estadual e municipal. E aí coloquei. E comecei a espalhar a notícia de que os deputados e os vereadores podiam apresentar esse Projeto de Lei. Foi um sucesso. No Brasil inteiro foram apresentados Projetos de Lei do Escola sem Partido. E foi justamente essa iniciativa que o Olavo de Carvalho criticou, dizendo que o Projeto de Lei deveria ser a última etapa, etc. Foi justamente isso, essa iniciativa, essa estratégia...

Luciano Pires: Que acordou a besta.

Miguel Nagib: Que acordou a besta. Aí a reação explodiu. Porque os vereadores e os deputados, os políticos de um modo geral, perceberam o potencial político e eleitoral desta pauta. Então, por exemplo, em todo município onde o projeto era apresentado, em todo o estado, em toda Assembleia Legislativa, havia audiências públicas para debater o problema da doutrinação. E aí o sindicato baixava. O movimento estudantil baixava nessas audiências públicas e alucinava; como eles costumam fazer. Era bumbo, apito, faixa. Então aquilo gerou um tumulto enorme e que beneficiava justamente esses parlamentares, que, de repente estavam saindo na televisão. Estavam sendo entrevistados como autores da iniciativa. E eu...

Luciano Pires: É o grande fenômeno desses tempos que nós estamos vivendo agora aqui, que é a treta, Miguel.

Miguel Nagib: Aham.

Luciano Pires: Tudo cresce com treta.

Miguel Nagib: Treta.

Luciano Pires: Cria a treta que acabou. A treta traz audiência. Então, diante de uma chance de treta, lá vou eu. Porque vai aparecer na televisão. Bem ou mal, falem de mim.

Miguel Nagib: Exato. O Escola sem Partido era um gera treta.

Luciano Pires: Era um gera treta.

Miguel Nagib: É.

Luciano Pires: Mas me fala uma coisa aqui: a argumentação desse povo que estava batendo bumbo lá então?

Miguel Nagib: Hã?

Luciano Pires: Eles olharam para aquilo e falaram o seguinte: o que está acontecendo aqui? A direita está se mobilizando para nos calar, para impedir que nós falemos. Porque ela quer colocar no nosso lugar. Ela quer nos afastar e trazer a visão dela. Então ela quer tirar um partido e colocar o outro partido no lugar. Era essa a conversa?

Miguel Nagib: É. Primeiro assim: mordaça. A ideia de que um professor em sala de aula desfruta da mesma liberdade que você Luciano, desfruta nos seus PodCasts. Que é de falar o que você bem entende. Então, a ideia que um professor tem liberdade de expressão em sala de aula.

Luciano Pires: A grande diferença aqui. Vamos lá: eu não obriguei ninguém a me ouvir. Não tem ninguém obrigado a ficar sentado na minha frente durante 50 minutos, ouvindo o que eu tenho a dizer. Essa é a primeira coisa. Segundo: não tem a relação de autoridade minha para com meu ouvinte. O ouvinte pode me xingar. Pode falar o que ele quiser. Eu não estou obrigando a coisa nenhuma. E não tem nenhuma posição de autoridade aqui, a não ser eu estar pilotando esse microfone aqui. Terceiro: o ouvinte que está diante de mim não é um garotinho, que não sabe nada da vida. E que não ouviu nada. O cara que está me ouvindo aqui, minha média é 35 anos de idade. Então já tem escola, já sofreu, já ouviu. Já tem alguma condição de, quando me ouve: espera um pouquinho. Eu não concordo com nada disso. Ele consegue se situar. Quando você traz essa mesma situação para a sala de aula, então eu tenho uma autoridade diante da garotada que precisa ficar durante 40 minutos, 50 minutos ouvindo essa autoridade. Terceiro: essa garotada não tem argumento. Então tem uma relação completamente diferente daquela que eu tenho aqui.

Miguel Nagib: Completamente diferente. Então era uma acusação fácil de você demonstrar. Essa acusação da esquerda, de que o Escola sem Partido era a lei da mordaça. É muito fácil de você descartar essa falácia. E foi interessante. Porque eu acho que uma das grandes contribuições do Escola sem Partido para o país foi justamente deixar claro, demonstrar por A mais B, que professor não tem liberdade de expressão em sala de aula. Aliás, se ele tivesse liberdade de expressão, ele nem teria de dar aula. Ele poderia passar o tempo todo contando piada. Quem tem liberdade de expressão fala o que quer. E é evidente que um professor não pode passar o tempo todo da sua aula contando piada. Então foi muito importante deixar isso claro. E não foi difícil de fazer. Foi relativamente fácil mostrar que não existe liberdade de expressão no exercício da atividade docente. É evidente que numa universidade, onde um professor se dirige a um público mais velho e que se supõe que conheça aqueles assuntos que serão tratados. Um professor universitário tem mais liberdade de discurso do que um professor que se dirige a crianças na educação básica. Mas ainda assim, ele não desfruta de liberdade de expressão. O que a Constituição garante aos professores é a liberdade de ensinar. É a chamada liberdade de cátedra. Esta sim. Mas ela não se confunde com a liberdade de expressão.

Luciano Pires: Você ao longo desse tempo aqui, você evidentemente já debateu esse assunto com milhares de pessoas. E ouviu muito o outro lado. Porque você ouviu bastante coisa do outro lado, muita argumentação. De alguma forma essa argumentação toda que você ouviu do outro lado – não vou dizer que é contra – que tinha restrições àquilo que você colocou. Você refinou essa tua posição do ponto de vista de que: eu comecei batendo demais. E depois eu descobri que não era tanto assim. Você de alguma forma flexibilizou? Se você fosse começar hoje o Escola sem Partido? Você faria o posicionamento dele de uma forma mais light, mais leve, mais flexível? Porque alguns argumentos mostraram que não era tanto ferro e fogo assim? Ou você continua pensando igual?

Miguel Nagib: Nada do que está na proposta do Escola sem Partido saiu da minha cabeça. Tudo saiu da Constituição Federal.

Luciano Pires: Você não mudaria aquela proposta hoje, a essência dela?

Miguel Nagib: Eu não poderia mudar. Porque ela não saiu da minha cabeça. Eu tirei da Constituição. E são cláusulas pétreas. Nós estamos falando de princípio da impessoalidade, que é o princípio republicano. O Estado não pode ter lado. A máquina do Estado não pode funcionar a serviço de uma corrente política. Eu não posso mudar isso.

Luciano Pires: Seja ela qual for?

Miguel Nagib: Seja ela qual for. Um político não pode usar a frota de carros da prefeitura para distribuir santinho. Da mesma maneira, ele não pode usar a sala de aula – seja ele de esquerda, de direita, não interessa – para fazer propaganda dele. Ou para fazer propaganda contra o seu adversário. A Convenção Americana de Direitos Humanos é um tratado internacional de Direitos Humanos. Eu não poderia mudar. Aliás, eu não mudei. Eu copiei aquilo que está na Convenção: os pais têm direito a que seus filhos recebam a educação religiosa e moral, que esteja de acordo com as suas próprias convicções. Então a minha resposta é: eu não posso mudar. Mesmo que eu quisesse mudar, eu não poderia mudar. Porque não saiu da minha cabeça.

Luciano Pires: Muito bem. Vamos lá.

Miguel Nagib: Agora, isso não significa. Só para terminar.

Luciano Pires: Sim.

Miguel Nagib: Que eu não pudesse ter escolhido estratégias de discurso mais...

Luciano Pires: Claro. Claro. Aí já é a tática para você colocar aquilo em ação.

Miguel Nagib: Certo. Perfeito.

Luciano Pires: Mas a alma da coisa permanece igual?

Miguel Nagib: Não tem como mudar.

Luciano Pires: Muito bem. Vem essa reação gigantesca. E a gente conhece como é que esse negócio funciona. Os caras: bom. Eu vou destruir o soldado. Eu vou para cima dele e vou destruir esse sujeito. Essa reação toda atingiu? Porque você está tocando aquilo como... aquilo não é teu ganha pão. Você trabalha fazendo outra coisa. Aquilo é a tua missão ali. Te atinge do ponto de vista profissional? Os caras vão tentar te demitir? Eles vão te cercar? Vão tentar – como fazem hoje em dia – o cancelamento? Eles querem tirar a tua página do ar? Você não pode mais ganhar dinheiro com isso? Eles querem te mandar embora do emprego? É um cancelamento generalizado hoje em dia. Aconteceu com você isso na época?

Miguel Nagib: Não.

Luciano Pires: Não?

Miguel Nagib: Não aconteceu. Porque eu era funcionário público. Eu era procurador do estado de São Paulo. Então eu desenvolvi essa atividade paralelamente. Eu não vivia disso. Eu nunca vivi do Escola sem Partido.

Luciano Pires: Mas ninguém foi lá na Procuradoria dizer: tem um procurador louco aí.

Miguel Nagib: Não.

Luciano Pires: Ninguém nunca?

Miguel Nagib: Não. Porque justamente na Procuradoria, as pessoas sabiam que eu tinha razão em tudo aquilo que eu estava fazendo. Quem é da área do Direito sabe que o Escola sem Partido é uma proposta inteiramente constitucional. Inteiramente de acordo com a Constituição Federal. Então eu não estava fazendo nada... pelo contrário, eu estava querendo que a lei fosse seguida e que a Constituição fosse aplicada. Evidentemente que as pessoas têm... não querem treta. Tem muita gente que não quer entrar em briga, etc. Mas eu nunca fui perseguido dentro da carreira. Nunca fui perseguido. Não sofri nenhuma retaliação profissional por estar desenvolvendo esse trabalho.

Luciano Pires: Quando você me explica que aquilo não era uma ONG. Não tinha uma organização. Você também não precisava de muito dinheiro para fazer a coisa acontecer.

Miguel Nagib: É verdade.

Luciano Pires: Você não estava imprimindo, você não estava...

Miguel Nagib: Não.

Luciano Pires: Bancando nada disso. Então, também não havia...

Miguel Nagib: Rede social.

Luciano Pires: Restrição a vir...

Miguel Nagib: Eu podia claro, se eu tivesse recursos, eu podia fazer um trabalho de muito maior alcance.

Luciano Pires: Mas isso não passou pela tua cabeça? De repente: isso aqui tem que ganhar uma dimensão maior. Vai virar um instituto. Vai virar uma organização com custos. Ou não deu tempo de chegar nisso?

Miguel Nagib: Não. Deu tempo. Nós criamos em 2015. Nós formalizamos a existência. Criamos uma Associação Escola sem Partido. Que existe ainda hoje.

Luciano Pires: O que era? Uma ONG? Uma OSCIP?

Miguel Nagib: Era uma associação civil.

Luciano Pires: Uma associação.

Miguel Nagib: Era uma associação civil. Justamente para que o Escola sem Partido pudesse mover, sobretudo – essa era a principal razão – pudesse mover ações em favor dos estudantes. Ações civis públicas. Porque uma associação no Brasil, uma associação com objetivos – como é o caso do Escola sem Partido – tem legitimidade para mover ação civil pública. E nós fizemos isso, uma ação civil pública contra uma regra do edital do ENEM. É muito interessante isso. Em 2016 – se eu não me engano – essa ação foi ajuizada. O edital do ENEM estabelecia que a prova de redação – que é a mais importante do ENEM – seria zerada. O candidato teria a sua prova zerada se a proposta dele de intervenção naquele problema que ele... porque o ENEM obriga a pessoa a apresentar um problema. A dissertar a respeito de um problema que é apresentado. E depois, oferecer uma solução para esse problema. Então, por exemplo, no ENEM de 2015 tinha lá. O problema era: a violência contra a mulher. Então, o aluno tinha que dissertar a respeito disso e, depois, oferecer uma solução de política pública para aquele problema da violência contra a mulher. Só que, dizia o edital: se esta solução violar os Direitos Humanos, ele toma zero. E aí a gente entrou com uma ação civil pública para dizer o seguinte: o que são os Direitos Humanos para os fins do ENEM? Não é, certamente, a legislação relativa aos Direitos Humanos. É aquilo que se concebe, que a imprensa chama de Direitos Humanos. Então o aluno era obrigado a repetir o discurso do politicamente correto, dentro da sua prova do ENEM. E nós dissemos: isto aí viola a liberdade de expressão do estudante. Porque ele está ali... e a liberdade de consciência e de crença também. E nós ganhamos essa ação no Supremo. Chegou até o Supremo. E a Carmen Lúcia disse o seguinte: essa cláusula do edital do ENEM não pode acarretar a consequência que está prevista no edital, que é atribuição de nota zero ao... foi uma causa linda. Foi uma das causas mais bonitas que eu tive ocasião de defender como advogado. E nós saímos vencedores. Claro, teve um efeito muito mais simbólico. Para dizer o seguinte: o aluno não é obrigado a seguir a concepção de Direitos Humanos que o professor tem. A não ser que o professor fosse, por exemplo, um especialista, um advogado, um jurista, para dizer o que são os Direitos Humanos. Mas não é isso. E foi uma causa muito bonita. Nós ganhamos. Para que fosse assegurada a liberdade de expressão e a liberdade de consciência e de crença do estudante.

Luciano Pires: Pessoalmente, a retaliação que você sofreu até então? Porque você... eu considero você um dos primeiros cancelados em nível nacional. Porque o que se fala mal. O que se levantou de problemas para tentar abater esse teu movimento. Pessoalmente, você sofreu retaliações do tipo...

Miguel Nagib: Não. Retaliação...

Luciano Pires: Perseguirem? Ameaça etc. e tal? Ou não?

Miguel Nagib: Não. Vaia, evidentemente. Sempre que... vaia...

Luciano Pires: Não. Vaia tudo bem.

Miguel Nagib: Eu sempre fui vaiado em casas legislativas. As pessoas sempre me atacavam nas redes sociais. Mas eu tinha o apoio da direita. As pessoas que estavam do lado direito do espectro ideológico aplaudiam o Escola sem Partido de pé. As pessoas me chamavam de herói. De um lado eu era o ogro, aquela pessoa mais...

Luciano Pires: O ogro, o bandido...

Miguel Nagib: Execrável.

Luciano Pires: Sim.

Miguel Nagib: Eu era o execrável do lado da esquerda. Mas do outro lado não. As pessoas aplaudiam de pé a iniciativa do Escola sem Partido.

Luciano Pires: Você está colocando isso tudo no passado.

Miguel Nagib: Sim.

Luciano Pires: As pessoas aplaudiam.

Miguel Nagib: Aplaudiam.

Luciano Pires: Porque em algum momento, isso começa a mudar?

Miguel Nagib: É.

Luciano Pires: E a gente nota que, de repente, o Escola sem Partido dá uma... ele foi aquela gritaria, aquela confusão toda. E, de repente, ele dá uma apagada. Eu não me lembro quando foi que isso aconteceu. Se foi depois da eleição do Bolsonaro? Como é que essa coisa... o que houve com ele? Ele cumpriu o objetivo dele? Ele descobriu que estava dando murro em ponta de faca? O que aconteceu?

Miguel Nagib: O Escola sem Partido não cumpriu o seu objetivo. O Escola sem Partido, infelizmente, fracassou em atingir um resultado que estava ao alcance das mãos. Nós podíamos ter alcançado esse objetivo.

Luciano Pires: Que era uma lei?

Miguel Nagib: Não, não era uma lei necessariamente.

Luciano Pires: O que era?

Miguel Nagib: Eu sempre digo: aprovar uma lei contra a doutrinação nas escolas não era o nosso objetivo. Era a nossa estratégia. O nosso objetivo era fazer com que o estudante conhecesse os seus direitos. Fazer com que os pais conhecessem os direitos dos seus filhos. Para poder defendê-los contra a doutrinação. E para fazer também, com que os professores conhecessem os seus deveres. Porque muitos professores de boa-fé, nunca pensaram sobre os limites do seu discurso dentro da sala de aula. Então, o Escola sem Partido era um movimento de conscientização de direitos. E a lei era apenas um instrumento. A estratégia para fazer com que esses direitos fossem conhecidos, tanto por parte dos estudantes, como por parte dos professores. Estudantes e pais de um lado, escolas e professores do outro. Então o Escola sem Partido, infelizmente, fracassou.

Luciano Pires: Quer dizer, no final das contas, era uma pretensão de mudança cultural?

Miguel Nagib: Sem dúvida nenhuma.

Luciano Pires: E ao propor... porque quando você fala essa tua... eu imagino uma onda passando. A onda passa, contamina um monte de gente. Essa gente é trocada. Vêm novas crianças. Vêm novos pais. Depois que a onda passou, se aquilo não provocou mudança cultural...

Miguel Nagib: Sim, sem dúvida.

Luciano Pires: Volta a ser o que era?

Miguel Nagib: Exatamente. Exatamente. E evidentemente, que se nós conseguíssemos colocar um cartaz em todas as salas de aula – por meio de uma lei – este processo de conscientização seria acelerado, não é? Mas então a lei, ao mesmo tempo em que ela era uma estratégia, ela também seria um grande objetivo, se ela fosse alcançada, se ela fosse aprovada. Porque você imagina que em todas as escolas estivesse lá: o professor não pode fazer propaganda político partidária em sala de aula. O professor tem que respeitar o direito dos pais sobre a educação dos seus filhos. O professor, ao falar de um assunto controvertido, tem obrigação de apresentar os principais pontos de vista.

Luciano Pires: Eu ouvi cada argumentação contra. Eu ouvi uma argumentação dizendo o seguinte: isso quer dizer então, que quando o professor falar sobre o nazismo, ele também tem que dar o lado bom do nazismo?

Miguel Nagib: É. Essa... agora veja. Engraçado, essa pergunta foi feita à Camille Paglia, que é uma das mulheres mais inteligentes que eu conheço. E ela deu uma resposta tão inteligente, que é a resposta que o Escola sem Partido daria. Se você não falar – se você está falando do nazismo – e não mostrar qual era – na visão daquelas pessoas que estavam ali – o lado bom do nazismo, você nunca vai entender o que foi o nazismo. Você nunca vai entender como um povo amadurecido, como um povo sofisticado, como é o povo alemão, como é que eles foram abraçar aquilo? Aquilo tem que ter tido alguma... aquilo tem que ter tocado em algum ponto da alma daquele povo. Tocou.

Luciano Pires: Sim. Uma narrativa que...

Miguel Nagib: Uma narrativa. Claro que as consequências foram trágicas. Mas aquele povo se deixou levar por aquela narrativa, por algum motivo. Então você precisa mostrar que motivo foi esse. Mostrando, evidentemente, que aquilo foi um desastre. Que aquilo foi uma tragédia. Mas você não pode... veja... porque senão você vai cair naquela armadilha de novo.

Luciano Pires: Sim. Você não pode é defender.

Miguel Nagib: Você não vai defender. Exatamente. Você tem que mostrar o que foi. Não pode fazer propaganda de. Da mesma maneira: vai falar de marxismo? O professor tem que mostrar o que é o marxismo. E não fazer propaganda marxista. Esta é a grande diferença. O professor é obrigado. É impossível você contar a história do século 20, sem falar do comunismo. O professor tem que mostrar o que foi a experiência comunista nos diversos países. Mas ele não pode nunca fazer propaganda comunista. Da mesma forma, o professor tem que mostrar o que foi o nazismo. Inclusive aquilo que se considerava que era o lado bom do nazismo. E que justamente permitiu que aquilo se expandisse na Europa. Não apenas na Alemanha. Na Inglaterra, na França, na América do Sul, na Argentina. No Brasil havia simpatizantes do nazismo. Por que aquilo provocou? Então você precisa conhecer o objeto. Mas não vai fazer propaganda nazista, evidentemente. Então era... eu acho que eu perdi um pouquinho o raciocínio. Você tinha me perguntado?

Luciano Pires: É. Eu tinha comentado com você exatamente...

Miguel Nagib: Ah, dessas pessoas?

Luciano Pires: Sim.

Miguel Nagib: Que objetavam isso?

Luciano Pires: Sim.

Miguel Nagib: Então a resposta da Camille Paglia foi precisa, foi perfeita. É preciso conhecer para saber por que aquilo chegou aonde chegou?

Luciano Pires: Vamos então aqui caminhando já para o nosso final. Dá a impressão que tem um fim. Um belo dia, o Escola sem Partido para. Ou para. Ou termina. Ou muda de mãos.

Miguel Nagib: Sim.

Luciano Pires: Você sai? Você desiste?

Miguel Nagib: Eu desisti do movimento. Eu...

Luciano Pires: Quando que você...

Miguel Nagib: Isso foi em agosto de 2020. O que aconteceu foi o seguinte: assim que o Bolsonaro foi eleito – eu acho que uma ou duas semanas depois de o Bolsonaro ter sido eleito – o Olavo de Carvalho, que vinha já desde meados de 2016, fazendo críticas sistemáticas ao Escola sem Partido, tanto aos objetivos, como à estratégia. E diversos aspectos da nossa proposta. Ele vinha desde meados de 2016, fazendo críticas. Parênteses: em maio de 2016, ele disse, ele postou nas redes sociais dele: que o Escola sem Partido era mais importante que o... era mil vezes mais importante do que qualquer impeachment. Na época era o impeachment da Dilma. O Escola sem Partido é a bandeira que nós temos que... que a direita tem que levantar. Isso em maio. Em setembro ele deu a virada e começou a criticar sistematicamente, obsessivamente o trabalho do Escola sem Partido.

Luciano Pires: O que aconteceu?

Miguel Nagib: Nós não vamos ter tempo de especular as motivações do Olavo aqui. Ele não está aqui também para...

Luciano Pires: Sim.

Miguel Nagib: Para dizer por que ele fez isso.

Luciano Pires: Mas não houve um fato? Não houve...

Miguel Nagib: Não.

Luciano Pires: Não um houve um atrito?

Miguel Nagib: Não houve nada.

Luciano Pires: Não houve uma mudança?

Miguel Nagib: Nada, nada, nada, nada. Ele simplesmente mudou a opinião.

Luciano Pires: Não chegou alguém...

Miguel Nagib: Ele simplesmente mudou de opinião a respeito do Escola sem Partido. Como muitas vezes, o Olavo mudava de opinião, sem nunca ter errado. É aquela coisa: o Olavo sempre tem razão, mesmo quando muda de opinião. Então, de uma hora para outra, ele passou a criticar o nosso movimento. E achar defeitos na proposta do Escola sem Partido. Isto foi minando a credibilidade.

Luciano Pires: Você não ligou para ele: Olavo, o que está havendo?

Miguel Nagib: Nós tivemos. Nós chegamos a ter algumas conversas. Mas foi inútil. Ele não mudou o posicionamento dele, de 2016 em diante.

Luciano Pires: Você não está querendo me dizer o que aconteceu.

Miguel Nagib: Na verdade assim, eu especulo sobre os motivos que ele teve para fazer isso. Mas eu não quero tratar disso agora. Eu prefiro não falar. Agora, logo depois que o Bolsonaro foi eleito – uma ou duas semanas depois – ele gravou um vídeo. Ele já tinha sido convidado para ser ministro da Educação. Ele, Olavo, tinha sido convidado. Ele tinha declinado o convite. E já tinha também indicado o nome que ele queria para o MEC, que era o nome de professor Ricardo Velez. Ele vinha defendendo o nome do Velez antes do 2º turno, pelas redes sociais. Então ele já tinha um candidato para o MEC. Ele foi convidado, disse: eu não posso. Estou aqui nos Estados Unidos. Mas eu indico o Ricardo Velez. E vinha defendendo o Ricardo Velez. Uma ou duas semanas depois do 2º turno, ele grava um vídeo no Youtube, acabando com o Escola sem Partido. Detonando o Escola sem Partido. Chegando a dizer até que o Escola sem Partido era uma iniciativa de gente burra. Ele chegou a dizer isso. Ele que havia em maio de 2016, havia dito que o Escola sem Partido era mais importante – mil vezes mais importante – do que qualquer impeachment. E sempre havia sido, desde 2003, um dos nossos maiores apoiadores. Aquele vídeo gravado no Youtube, duas semanas depois, antes um pouco da nomeação do Velez, da indicação do nome do Velez foi a pá de cal. E ali mudou. Ele tinha – na época – uma influência imensa dentro do governo. Eu sempre digo: o Olavo – naquele momento, em novembro de 2018 – tinha a mesma influência que o Centrão. Ele sozinho nomeou dois ministros, do primeiro ministério do Bolsonaro. Relações Exteriores e Educação. Logo depois desse vídeo, sai o nome do Ricardo Velez. O Bolsonaro nomeou o nome do Ricardo Velez.

Luciano Pires: Isso não foi para tirar você da corrida?

Miguel Nagib: Não. Eu não sei. O meu nome estava circulando. Eu sabia que o meu nome estava circulando. Eu nunca cheguei a ser convidado. Mas meu nome era um dos nomes que circulavam, tendo em vista, o compromisso do Bolsonaro de implantar o Escola sem Partido. Então o meu nome chegou a ser cogitado. Mas então houve este vídeo que foi gravado. E, curioso, se eu não me engano, esse vídeo foi publicado no dia 14. 13 ou 14 de novembro de 2018. No dia 15 ou 14 de novembro de 2018, o Zé Dirceu numa pizzaria de Belo Horizonte, onde ele estava lançando um livro, a biografia dele e tal. Ele fazendo um discurso para aliados políticos, o pessoal do PT que estava ali escutando, chega e diz o seguinte: a pior ameaça que nós vamos viver é o Escola sem Partido. Isso está gravado. Tinha um jornalista lá, que gravou essa fala dele. Então, ao mesmo tempo em que a direita renegava, pela boca do seu líder mais... pelo seu símbolo, que era o Olavo de Carvalho. Ao mesmo tempo em que a direita dizia que o Escola sem Partido era coisa de gente burra. No dia seguinte – ou um dia antes, não me lembro com detalhe – o Zé Dirceu dizia numa pizzaria de Belo Horizonte que: a pior ameaça que nós vamos viver é o Escola sem Partido. E...

Luciano Pires: Isso foi dois mil e?

Miguel Nagib: 18.

Luciano Pires: Só um...

Miguel Nagib: Duas semanas depois da eleição do Bolsonaro.

Luciano Pires: Onde estava o Reinaldo Azevedo nessa história?

Miguel Nagib: Ele já tinha bandeado...

Luciano Pires: Já tinha...

Miguel Nagib: Já tinha. O anti bolsonarismo dele prevaleceu sobre a razão.

Luciano Pires: Já foi depois do episódio da irmã do Aécio e tudo mais?

Miguel Nagib: É.

Luciano Pires: Quer dizer, ao mesmo tempo então, em que a direita começa a te renegar, a esquerda reconhece que você é o grande problema ali. E, de repente, você se viu apanhando dos dois lados?

Miguel Nagib: É.

Luciano Pires: Porque depois do vídeo do Olavo começou a vir uma reação também?

Miguel Nagib: Sem dúvida. Sem dúvida. Pelas costas. Eu comecei a ser atacado justamente pelas pessoas que antes me aplaudiam. Ou atacado ou ignorado. E o que ocorreu foi o seguinte: o Bolsonaro na verdade, ele entregou as chaves do MEC na mão de um inimigo declarado do Escola sem Partido.

Luciano Pires: O Velez?

Miguel Nagib: O Olavo de Carvalho.

Luciano Pires: Ah...

Miguel Nagib: O Velez era apenas o indicado do Olavo de Carvalho. Então, com isso, nós perdemos completamente a sustentação política e social que o Escola sem Partido tinha. Depois de eleito, o Bolsonaro nunca mais falou em Escola sem Partido. Porque ele agora achava que a solução estava na proposta do Olavo, que contrapunha ao Escola sem Partido, o que ele chamava de uma Escola com Todos os Partidos. Então a ideia... era um slogan. Não era uma proposta. Era um mero slogan.

Luciano Pires: É. Porque, talvez, a visão é a seguinte: eu não preciso mais de você. Eu agora já tenho o Ministério da Educação. E ali, eu vou mudar as coisas lá dentro.

Miguel Nagib: Exatamente. Eles achavam que podiam.

Luciano Pires: Então, para quem quiser complementar e ainda não o fez, por favor, escute o LíderCast que eu gravei com a Ilona Becskeházy. Ela explica como é que funciona toda essa estrutura. E quando você tenta mudar alguma coisa, como é que o organismo reage e expele a pessoa que está tentando implementar a mudança. Não deixe de ouvir, porque complementa o nosso papo aqui.

Miguel Nagib: Não. Mas é mais do que isso até. A questão é que o MEC não manda em praticamente nada na educação brasileira. Na educação básica, por exemplo, 90% da educação básica ou mais, está nos estados e municípios. O MEC não manda nos estados. O MEC não manda nos municípios. Então, além de estar aparelhado. Além de ser um organismo aparelhado pela esquerda, o MEC, ele não tem poder de mudar a realidade nos municípios. Ele não tem poder de demitir um professor da prefeitura de São Paulo. Quem manda na prefeitura de São Paulo é o prefeito de São Paulo. Na verdade, não manda nada. Quem manda são os partidos políticos e os sindicatos, que mandam nas Secretarias de Educação. Então era uma ilusão achar que o fato de o presidente ter sido eleito significava a possibilidade de fazer uma doutrinação de direita. Ou o que o Olavo chamava de: pregação anticomunista.

Luciano Pires: Isso te desestimula? Porque se você perdeu a sustentação política de um lado. Se isso não era o teu ganha pão. Se você não tinha uma estrutura gigantesca para tocar. Se você... você perdeu o tesão pelo negócio ali e resolveu cair fora? O que você fez?

Miguel Nagib: É. Eu percebi que sem a sustentação social e política, o Escola sem Partido não iria jamais alcançar o objetivo que ele tinha que alcançar: que era uma conscientização em massa. O Escola sem Partido só podia existir como um movimento de conscientização de massa. Existem mais de 40 milhões de alunos na educação básica. Então é um público muito grande. Eu não podia ter, por exemplo, 100 mil seguidores nas redes sociais. Eu precisava ter 10 milhões de seguidores nas redes sociais. E eu teria facilmente esses 10 milhões de seguidores se o Bolsonaro tivesse apoiado a iniciativa do Escola sem Partido. Ele não precisava ter mexido um dedo. Não precisava ter gastado um tostão. Bastava que ele compartilhasse duas ou três postagens nas nossas redes sociais, em uma semana. E todo o público de direita, todos os bolsonaristas, sobretudo, que são as principais vítimas da doutrinação. São os bolsonaristas. Todo esse público iria apoiar o Escola sem Partido. E ganhamos o jogo. Se essas pessoas, se 20 ou 30% dos usuários dos serviços prestados pelas escolas tivessem consciência dos seus direitos é game over. Nós acabamos com a doutrinação. Chegamos aonde o Zé Dirceu supunha que nós chegaríamos. Por isso que ele nos chamou – Escola sem Partido – de pior ameaça. Porque ele viu o que estava acontecendo. Ele viu como essa conscientização estava se expandindo e inibindo, pelo temor, a prática da doutrinação. A militância estava acuada, com medo da reação dos bolsonaristas dentro das salas de aula, dos filhos dos bolsonaristas. Por isso é que ele viu. Ele tinha informação. O Zé Dirceu sabe tudo que acontece no quintal do PT, que são os sindicatos. E os professores estavam apavorados. A militância esquerdista estava apavorada com o crescimento do Escola sem Partido. E o crescimento da conscientização que o Escola sem Partido estava produzindo. Então ele viu isso e ficou com medo. Só que do outro lado, o Bolsonaro já tinha chutado o Escola sem Partido. Já tinha abandonado esta causa, acreditando no diagnóstico do Olavo de Carvalho, de que na verdade era preciso em vez de lutar por uma escola apartidária e apolítica... porque a política envenena a escola. A política impede que os estudantes sejam colegas uns dos outros. Ela cria inimizade entre as pessoas.

Luciano Pires: É. Nós estamos vivendo uma coisa interessante. Até 2013 a gente discutia muito que o problema do Brasil é que o brasileiro não gostava de política. Não discutia. Largava a política na mão de meia dúzia. Essa meia dúzia pintava e bordava. Para mim está claro. Até 2013 era assim. Em 2013 tem um acontecimento gigantesco. No dia seguinte começa a se discutir política no Brasil. E hoje em dia está demais. Houve um sequestro. Hoje em dia, eu não posso falar bom dia, que alguém vem com o dedo na cara. Bom dia, quem manda... e ela realmente envenena. Eu estou até... recentemente, eu vi uma entrevista do Jay Leno. Você lembra?

Miguel Nagib: Sim.

Luciano Pires: Jay Leno, apresentador talk show nos Estados Unidos. É humorista. É ator. Comediante. E ele parou o programa dele. E ele continuou fazendo shows. Ele faz shows de humor pelos Estados Unidos. E ele dando uma entrevista e o cara perguntando. Eu estou viajando, fazendo uma... e como que está o teu show? Não. Tá legal. Você toca em política? Ele falou: abandonei. Tirei completamente a política do meu show. Mas por quê? Porque ela divide. Ela é divisiva. E no momento que eu punha a política, eu arrumava uma encrenca. Então eu não tenho mais. Eu não toco mais no assunto política para poder manter a integridade do meu show. Porque a hora que a política entra, ela...

Miguel Nagib: Envenena.

Luciano Pires: Envenena e implode.

Miguel Nagib: Agora, tudo bem se você envenena um Twitter. Porque as pessoas não são obrigadas a conviver no Twitter. Você pode envenenar as redes sociais. Não tem problema. Você sai das redes sociais. Mas da escola você não pode sair. Você é obrigado a conviver com as pessoas. E a conviver pessoalmente, fisicamente, com as pessoas que estão dentro de uma escola. Então eu já vi episódios, por exemplo, de alunos se pegarem fisicamente, no soco, por causa de discussão política. Então, isso é inaceitável dentro de uma escola. Não pode. Aquele é um ambiente para o conhecimento. É um ambiente para o desenvolvimento dessas relações de coleguismo.

Luciano Pires: Miguel houve um tempo em que criaram uma lei proibindo vender bebida alcoólica em dia de eleição. Que era porque os caras estavam se matando. Quem entra no jogo, automaticamente é... bom. Deixa eu caminhar para o finalmente aqui. Só me fala do dia em que deu o click. Você acordou de manhã e falou: chega.

Miguel Nagib: Foi um dos dias mais tristes da minha vida, quando eu me dei conta que aquilo tinha chegado ao fim. Porque o Escola sem Partido, daquele momento em diante iria definhar. Como efetivamente definhou, por falta de sustentação política e social. Era uma causa ganha. Era uma luta, que o nosso adversário tinha dito: vocês vão ganhar. Basta continuar. E não era assim, um politicozinho do PT lá da província. Não.

Luciano Pires: Era um estrategista.

Miguel Nagib: Era um estrategista. Vocês vão ganhar. E mesmo assim, nós não ganhamos. Nós perdemos. E hoje a esquerda nunca teve tanto domínio. Um domínio tão forte sobre o sistema educacional.

Luciano Pires: Então, quando você anuncia? Você fez um anúncio?

Miguel Nagib: Fiz.

Luciano Pires: Você botou nas tuas redes: estou deixando. Estou saindo. Não veio um movimento? Ô, fica. Continua.

Miguel Nagib: Não.

Luciano Pires: Você não teve uma pressão para...

Miguel Nagib: Nem isso houve. Claro. Algumas pessoas ficaram chateadas, assim. Mas não houve um clamor. Entendeu?

Luciano Pires: Sim.

Miguel Nagib: Já era carta fora do baralho.

Luciano Pires: É porque isso já não era mais importante.

Miguel Nagib: É. Não. E havia a ilusão de que com o Bolsonaro no poder...

Luciano Pires: Tudo mudaria.

Miguel Nagib: Nós não só não teríamos mais a doutrinação de esquerda, como teríamos o patriotismo, pa-pa-pa. Hino. Não sei o quê. Então... e foi um grande engano que aconteceu. Nada disso aconteceu. Repito: as escolas nunca foram tão propriedade da esquerda, do PT, do PSOL, do PC do B, como são hoje.

Luciano Pires: E a demanda por essa outra visão está aí. Você viu o Brasil Paralelo, o que aconteceu. A garotada vem com uma visão de: eu vou trazer o outro lado. Eu vou contar. E os caras estão explodindo de crescimento. Tem outro povo se mexendo aí, o pessoal do De Olho no Material Escolar. Inclusive o comentário aqui: quem estiver aqui nos ouvindo, escute o LíderCast que eu fiz com a Letícia Zamperlini e o Christian Lohbauer, comentando sobre este movimento. Que é muito parecido com a forma como o teu nasceu. Uma mãe, preocupada com os livros escolares. Eles são agronegócio. E a filha dela chega em casa com uma redação. Mostra a redação, detonando a própria família. Dizendo que o agronegócio está lá para matar índio. Ela falou: isso não é possível. Ela vai investigar e começa a descobrir um mundo gigantesco de livros. Uma doutrinação contra o agro. E eles resolvem se juntar para fazer com que isso não aconteça. Começa com o agro. Eu imagino que isso vai crescer e vai ampliar. Mas eles estão fazendo um trabalho muito bem dirigido, de visitar as editoras. De ir lá ao governo. De ver quem determina comprar livro. Quem determina... fala: eu não vim te provar nada. Você publica um negócio desses? Vem ver como é? Aí você tira a tua conclusão. Porque eu acho que em algum momento aqui, a gente tocou no assunto. Eu guardei para usar agora aqui. O grande agente disso tudo é a desinformação. Quando você ignora um assunto, você está pronto para ser levado para qualquer lado. E o agro é um... essa discussão toda do veneno. Do pum da vaca. Do desmatamento. Isso tem uma tremenda de uma ignorância. Que ali é terra fértil, para quem quiser plantar ali a ideia de que o agro é contra o Brasil. Na verdade, a coisa não funciona assim.

Miguel Nagib: Você viu o que aconteceu recentemente aqui numa escola em São Paulo?

Luciano Pires: Sim. Eu fiz um PodCast que explodiu. Um professor destruindo um aluno, porque ele se atreveu a levantar e dizer...

Miguel Nagib: Ele, o aluno era ligado ao agronegócio. Os pais eram ligados e tal. E tinha uma palestrante do PSOL dentro dessa escola, fazendo uma palestra para aqueles alunos. Uma das escolas mais caras do Brasil. E detonando o agronegócio. Aí o garoto levantou a mão: mas espera aí. Não é bem assim e tal. E o professor humilhou o aluno. Diante de todos os colegas. Foi realmente uma cena...

Luciano Pires: Eu tenho vários amigos que têm demonstrado essa preocupação. Eu tenho amigos que estão tirando os filhos de escolas. Escolas tradicionais. Porque não suporta a doutrinação. E o garoto chega lá. E o garoto não compra aquilo. Ele vira vítima do bullying dos colegas e do professor.

Miguel Nagib: Exatamente. E do professor.

Luciano Pires: E eles estão tirando de uma escola e levando para outra escola.

Miguel Nagib: É. Aí é trocar seis por meia dúzia. Porque o problema é sistêmico.

Luciano Pires: Pois é.

Miguel Nagib: O problema é sistêmico. E eu sempre digo: você troca seis por meia dúzia. E ainda fica sem saber quem são... porque quando você vai para uma nova escola, você tem que mapear de novo o terreno para saber quem é quem? Onde está o perigo? Às vezes, é melhor que o aluno continue naquela escola e desenvolva ali dentro, uma estratégia ou para sobreviver. Ou para reagir. Ou para sobreviver.

Luciano Pires: Eu já ouvi recomendações: escreva na prova o que o professor quer ouvir, senão você vai tirar uma nota ruim.

Miguel Nagib: É.

Luciano Pires: Meu caro, quando você resolve que você vai parar. Ficou um buraco aí dentro?

Miguel Nagib: Ficou um buraco enorme. Ficou um buraco enorme. Uma frustração gigantesca.

Luciano Pires: Isso está sendo trabalhado para se converter em alguma outra coisa? Você colocou um [inint 01:39:40] no lugar? O que você fez?

Miguel Nagib: Eu acho assim...

Luciano Pires: Eu vou cuidar da minha vida, da minha família?

Miguel Nagib: A questão que eu penso é a seguinte: o problema sistêmico da doutrinação se tornou insolúvel. A menos que o Bolsonaro entenda. Porque ele tem liderança para mudar isso. O Bolsonaro é o único brasileiro capaz de acabar com a doutrinação. Eu acredito piamente nisso. Ele pode fazer. Ele pode acabar com a doutrinação pelo Twitter, conscientizando os seus milhões de seguidores. Mas eu não acho que ele vai fazer isso. Enfim. Então, a menos que ele faça isso, eu considero que problema sistêmico da doutrinação se tornou insolúvel. Só ele pode resolver. Mas como ele não quer resolver. Ou, talvez, não saiba que possa resolver. Então nós temos um problema insolúvel. Isto não significa que os pais não possam se defender do problema. Então eu recentemente voltei ao Twitter, com o objetivo de compartilhar informações e conhecimento que eu tenho a respeito desse assunto, com os pais, com as vítimas. Sobretudo, com os pais dos estudantes. Mostrando onde é que está o perigo. O que pode ser feito para combater o problema? Que cuidados um pai deve tomar? Eu, recentemente, por exemplo, eu escrevi um tweet que dizia o seguinte: ensine seu filho a desconfiar dos professores, antes que eles o ensinem a desconfiar de você. Ensine seu filho a desconfiar dos professores, antes que eles o ensinem a desconfiar de você. Então é fundamental que os pais mantenham, preservem a confiança dos filhos neles. Quando uma criança perde a confiança nos pais, ela fica refém do primeiro adulto em quem ela confia.

Luciano Pires: Se eu sou professor, esse teu tweet me incomoda muito. Independente de eu ser doutrinador ou não. Eu fico muito incomodado com isso. Meu caro, onde você errou? Ou não errou?

Miguel Nagib: Eu acho que eu fiz tudo certo. Eu não podia ter, por exemplo, mudado a Constituição. Eu poderia ter sido mais competente na expressão do meu pensamento. Se eu fosse, talvez, uma pessoa mais talentosa. Se eu fosse um orador mais talentoso. Se eu fosse mais bonito. Sei lá. Mas eu não poderia mudar uma vírgula da proposta do Escola sem Partido. E a nossa estratégia era correta. A estratégia de tornar o movimento conhecido. De obter o apoio desses políticos, do vereador até o senador. Até o presidente da República. Luciano, o do Escola sem Partido pautou uma eleição presidencial.

Luciano Pires: Sim.

Miguel Nagib: E na época, era apenas eu, produzindo conteúdo, escrevendo parecer, dando entrevista, explicando o que era o Escola sem Partido. Fazendo a arte. Aquele trabalho tosco de arte das nossas redes sociais. Era eu que fazia. Então eu fazia tudo dentro do Escola sem Partido. E nós pautamos uma eleição presidencial. Eu acho que só existe uma explicação para isso: é a providência divina. Deus estava do lado do Escola sem Partido. Para que tudo acontecesse como aconteceu sabe? De forma tão bem-sucedida, com tão pouco. Com o trabalho de uma única pessoa, que ainda tinha um expediente, outro trabalho para desenvolver. Então eu acho que foi isso: a providência divina que...

Luciano Pires: Tem todo um timing aí. Tudo acontecendo num timing. Era...

Miguel Nagib: Tudo acontecendo...

Luciano Pires: Era a hora.

Miguel Nagib: É.

Luciano Pires: Se fosse hoje, talvez fosse outra coisa.

Miguel Nagib: É verdade.

Luciano Pires: É. Mas cara, que história... o que vem pela frente aí? O que você está fazendo? O que você pretende fazer? O que você vai...

Miguel Nagib: Não. Eu estou compartilhando conhecimentos, usando as redes sociais. Basicamente é isso.

Luciano Pires: Seu livro está pronto já ou ainda não?

Miguel Nagib: Não, não...

Luciano Pires: Você vai escrever um livro...

Miguel Nagib: Esse assunto...

Luciano Pires: Contando essa história?

Miguel Nagib: Eu até comecei a escrever. Mas eu vi assim que, de repente, o assunto morreu completamente. Escrever um livro a respeito disso é como falar sobre... sei lá. A quinta dinastia do Antigo Egito. Alguma coisa assim, que vai interessar só para meia dúzia de pessoas.

Luciano Pires: Sim.

Miguel Nagib: O Escola sem Partido só faz sentido como um movimento de massa.

Luciano Pires: Sim. Sem dúvida. Quem quiser trocar uma ideia contigo? Você está no Twitter?

Miguel Nagib: Estou no Twitter.

Luciano Pires: Está na rede social? Só no Twitter?

Miguel Nagib: Só estou no Twitter, por enquanto.

Luciano Pires: Como é o teu Twitter? @?

Miguel Nagib: É Escola sem Partido. Eu retomei a página.

Luciano Pires: Ah, você está com ele ainda? É @escolasempartido?

Miguel Nagib: É.

Luciano Pires: Continua lá?

Miguel Nagib: É.

Luciano Pires: Meu caro, que história cara. Quem estiver ouvindo a gente aí e quiser ouvir, ouça Ilona Becskeházy ouça a Letícia com o Christian. Isso dá um painel complexo, de como esse problema da educação no Brasil é gigante. Eu não sei se a gente vai conseguir resolver isso aqui nem no médio prazo. Não consigo ver. Se botaram um cara lá que chegou para quebrar tudo e mesmo assim a coisa não andou. O que tem que acontecer? Ou então entrega para os homens de vez e deixa... e reza.

Miguel Nagib: É que você tem dois problemas. Você tem o problema da educação. E eu não entendo nada de educação. Eu sou advogado. E você tem o problema da perversão da educação. Do uso ilícito que se faz das escolas, em prejuízo de direitos dos alunos e dos pais. Disso eu entendo. Eu sou advogado. Então a educação, mesmo que se resolva o problema da doutrinação, você vai ter também um problemão depois, para prestar um bom serviço educacional.

Luciano Pires: Sim. Meu caro, muito obrigado pelo seu tempo despendido. Estamos num sábado de manhã aqui. Eu sei que você tem compromissos aqui. Mas daria para a gente prolongar esse papo aqui adiante. Parabéns aí pelo trabalho que você fez. É uma demonstração clara que o indivíduo sozinho pode causar um incômodo gigantesco, desde que tenha alguns cuidados, como você teve aí. Você não tinha uma estrutura gigante. Tudo isso te deu flexibilidade de poder estar atuando aí, até independente das pressões. E eu espero que você transforme esse buracão que ficou aí em alguma coisa... traz o livro aí, cara. Escreva um livro aí, que vai ser legal. Ouvir essa história pode inspirar muita gente aí.

Miguel Nagib: Tá bom Luciano. Eu agradeço muito essa oportunidade. Foi bom.

Luciano Pires: Imagina.

Miguel Nagib: Eu gosto muito de falar desse assunto. E a nossa conversa foi um papo ótimo. Eu fiquei feliz.

Luciano Pires: Um grande abraço.

Miguel Nagib: Valeu. Obrigado.

Luciano Pires: Muito bem. Termina aqui mais um LíderCast. A transcrição deste programa você encontra no lidercast.com.br.

Locutor: Você ouviu LíderCast com Luciano Pires. Mais uma isca intelectual do Café Brasil. Acompanhe os programas pelo portalcafébrasil.com.br.

 

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