LíderCast 253 - Zetti

Data de publicação: 21/12/2022, 09:49

Bom dia, boa tarde, boa noite, bem-vindo, bem-vinda a mais um LíderCast, o podcast que trata de liderança e empreendedorismo com gente que faz acontecer. No episódio de hoje recebo Armelino DoniZetti Quagliato, o goleiro Zetti, campeão mundial de clubes, campeão da libertadores e que marcou época jogando principalmente no Palmeiras e São Paulo, Zetti foi campeão mundial pela seleção brasileira na copa do mundo de 1994, e neste episódio conta muitas histórias de uma carreira marcada por uma palavra, resiliência. Muito bem, mais um LíderCast, esse aqui está sendo ensaiado já faz um bom tempo, desde que eu sou surpreendido em uma palestra que eu fiz em 2017, acho que foi, uma coisa assim, termina a palestra, vem a turma me cumprimentar, de repente lá aparece essa figura que eu adorava ver quando estava no auge do futebol dele e tudo mais, eu falei, uma hora a gente vai manter contato, conversamos um pouco, ele foi gentil de participar de uma live em um dos cursos que eu fiz aqui, o pessoal adorou a participação dele, uma hora, se tudo der certo, então aproveitar esse final de ano, um ano maluco aqui e começo o programa com três perguntas que são as únicas que você tem que acertar, o resto pode chutar à vontade. A primeira, seu nome, sua idade e o que que você faz.

Zetti: Armelino DoniZetti Quagliato, vai ser difícil alguém acertar...

 Luciano Pires: Armelino DoniZetti Quagliato. Cara, isso é italiano até o...

Zetti: Armelino do meu avô, que meu avô veio da Itália, DoniZetti do padre DoniZetti, minha mãe era devota do padre DoniZetti lá de Tambaú, Quagliato sobrenome que é bastante comum na Itália. Na verdade, e Quagliato, eu falo Quagliato, mas é Quagliato. E o Zetti ficou apelido durante todo esse período da minha carreira, mas na infância, meus amigos na escola me chamavam de Zete.

 Luciano Pires: Lá era Zete, que era interior. Que idade você está?

Zetti: Estou com 57.

 Luciano Pires: E você faz o que hoje?

Zetti: Hoje eu sou coordenador de todas as categorias da base do São Paulo, de nove anos até 20 anos de idade, que foi uma responsabilidade que o presidente do São Paulo, quando entrou, o Júlio Casadi...

 Luciano Pires: Não é só goleiro?

Zetti: Não, só goleiros, hoje eu trabalho com por volta de 50 goleiros nessas categorias, tem a categoria de nove anos até treze, que não moram, não são hospedados lá Cotia, e eu coordeno também todos os treinadores de goleiro, então a minha missão hoje, ela é montar treino, escrever um livro, que já está pronto, que conseguimos montar toda a metodologia do goleiro do São Paulo, esse livro, ele é mais do que é um livro, ele é assim quase que...

 Luciano Pires: É um legado, cara.

Zetti: É um legado do São Paulo, então ficou muito legal, muito bacana. Eu fui treinador durante um período, mas eu não quis mais saber, aí eu falei, eu preciso ficar em São Paulo, próximo da família...

 Luciano Pires: Eu vou explorar você, tem umas histórias boas. Você nasceu onde mesmo, como é o nome?

Zetti: Eu nasci em Porto Feliz, sou registrado em Porto Feliz, mas eu nasci em um sítio, em 1965, até 72 eu morei nesse sítio, meu pai era agricultor, trabalhava com cana de açúcar, puxava cana de açúcar para a usina.

 Luciano Pires: Seu pai era brasileiro ou...

Zetti: Meu pai era brasileiro, meus avós vieram da Itália, comprou 17 alqueires lá de terra, então ali tocou a vida na lavoura, mas chegou um ponto que ficou insustentável assim a sobrevivência só da cana por muita coisa que aconteceu nesse período de 70. E aí não tinha energia...

 Luciano Pires: Família grande?

Zetti: Família grande, família é grande sim, a parte da minha mãe tinha uns sete irmãos, e meu pai são três irmãos, mas é uma família grande, é Quagliato.

 Luciano Pires: Você tem muitos filhos... irmãos, desculpe.

Zetti: Irmão, eu tenho três irmãos, cada irmão tem três filhos, eu tenho quatro, quer dizer, eu dos três aí eu tenho quatro filhos, e é uma família grande, mas a vida no sítio era muito difícil de... então eu...

 Luciano Pires: Cana, cana nos anos 70 era aquele paradigma da cana que a gente lembra, do fogo, da colheita da cana, era bem duro isso aí. E você cresceu, tua infância foi no sítio?

Zetti: Foi no sítio, até sete, oito anos, quando eu fui para a cidade, que eu comecei a entender futebol, eu vi a copa de 74, que a Alemanha foi campeã, mas me recordo muito pouco assim desse período, a copa de 70 também não cheguei nem a ver.

 Luciano Pires: Eu tinha 14 na copa de 70, e não tem jeito mais, é a maior copa da história do universo para um moleque de 14 anos, um brasileiro de 14 anos nunca mais vai ver uma copa que tenha o impacto que teve com 14 anos de idade, e depois eu pego as próximas copas, que o Brasil ganhou, foram legais, tudo, mas o impacto já como adulto não é igual ao de uma criança, cara.

Zetti: É, mas eu vejo hoje a dificuldade que a gente tinha nesse período de você conseguir informações, você valoriza muito mais, porque hoje a informação, ela está muito fácil, então a própria... dicionário, que você queria pesquisar alguma coisa, a Barsa, tinha que ler Barsa, voltar um pouco no tempo, mas acho que a pesquisa, o fato de você correr atrás de informação, e a televisão era uma informação, quer dizer, a copa do mundo era uma maneira de você buscar informação, porque não era fácil assim, não é? Eu sei porque depois dessa copa de 74, 78 já acompanhei, 82, eu já estava vivendo o esporte, e aí era mais fácil.

 Luciano Pires: Você acompanhava copa do mundo em cores, cara, em cores, minha primeira foi em preto e branco.

Zetti: Não, mas a televisão tinha aquela película na frente, a parte de baixo era azul...

 Luciano Pires: É isso aí, mas tem um negócio legal, aqueles jogadores daquela época, hoje eles sobrevivem na minha memória, na memória de um garoto que tinha 14 anos na época, então, cara, eu não sei se você via, mas o Pelé voava, Pelé voava, Pelé flutuava em campo, o Rivelino chutava a bola... então, aquilo ganha um negócio no imaginário que é impossível você comparar com hoje em dia, não dá mais.

Zetti: Eu tive a oportunidade de assistir várias vezes a copa do mundo de 70, até porque depois que eu virei técnico, queria entender um pouco mais como que era a movimentação, como jogava tecnicamente, então comecei a acompanhar, estudar um pouco mais futebol, claro que em 70 se corria menos do que corre hoje, hoje os caras estão correndo aí de 12 quilômetros a média para cima, 70 já chegava a seis, sete quilômetros.

 Luciano Pires: Quem corria era a bola.

Zetti: A bola, a bola, e tinha... era um outro esquema, não tinha cartão amarelo ainda, começou acho que em 70 o cartão amarelo, mudou bastante, acho que a tendência é querer sempre mudar para melhor as coisas, o VAR agora, essa grande novidade aí do VAR, mas eu admiro muito esse período de 70, eu valorizo muito e não vi o jogo, mas eu tive uma infância voltada um pouco para esses ídolos também.

 Luciano Pires: Meu pai trabalhou muito próximo do futebol, meu pai era jornalista lá em Bauru, então ele era radialista, ele começou a carreira dele como locutor do autofalante do estádio lá de Bauru, do Alfredo de Castilho lá em Bauru, e ele acompanhava o futebol direto, se sentar com ele aqui hoje e perguntar, ele te dá a escalação do Juventus de 1942 de trás para a frente, acompanhava muito aquilo lá, e ele contava sempre as histórias, falava para a gente valorizar o pessoal daquela época, e aqui é uma curiosidade até para quem está ouvindo a gente aqui, naquela época, nos anos 50, 60, era muito comum, ia jogar Corinthians e Palmeiras, e necessariamente antes do jogo principal tinha uma preliminar, que era o juniores, que era a garotada, aspirantes do Corinthians e do Palmeiras, que jogavam, era um jogo, terminado, começava o jogo principal. E os aspirantes é a jogavam com a chuteira nova, chuteira nova era no aspirante, ele amaciava a chuteira, que depois entregava para o principal usar.

Zetti: E era uma honra você usar uma chuteira, por exemplo, do Irandinho, do Edimar, estou falando da minha geração no Palmeiras, porque eu joguei no aspirante do Palmeiras, fui campeão até aspirante, depois que eu quebrei a perna, que a gente pode falar um pouco mais, mas eu imagino você falando isso, a sensação daquele garoto usando a chuteira de um ídolo.

 Luciano Pires: Ele ia entregar para o ídolo dele e falar, tá quentinha, acabei de amaciar. Aquele couro maluco. Tem um boteco aqui do lado de casa, outro dia eu fui almoçar lá, e eu olhei na parede e tinha uma bola de capotão, estava lá a bola, cara, eu bati uma foto dela e publiquei na minha rede falando o seguinte, isso aqui é uma bola de capotão, se você não sabe o que é isso, você não tem a menor ideia do que era o futebol, cara, uma bola de capotão molhada, o nego vem cabeceia aquele treco lá, hoje em dia essa molecada morre, quer dizer, era uma coisa bem diferente do que tem por aí hoje.

Zetti: Falando um pouquinho disso, o Belini quando faleceu, não faz muito tempo, tentaram estudar, quer dizer, estudaram...

 Luciano Pires: O Belini foi o capitão que ergueu a taça a primeira vez em 58.

Zetti: Ele teve Alzheimer um tempo, até na copa de 86, quando nós fomos na Alemanha, a Alemanha fez a abertura da copa com todos os campeões do mundo de todas as seleções, não só brasileiro, e o Belini estava lá com a gente, a senhora dele e tudo, a esposa, e a gente acompanhou o Belini, já estava com bastante dificuldade, mas a gente tinha a responsabilidade de estar junto com ele. Depois que ele veio a falecer, eles doaram a parte do cérebro, que eles fizeram, para pesquisa justamente por tanta bolada que ele teve, e de tanto cabecear a bola durante todo esse período, que não era uma bola era capotão.

 Luciano Pires: Capotão, cara, aquela bola de couro que encharcava, meu Deus do céu. E aí tem outra história deliciosa, quando teve a copa da África lá, lembra da Jabulani? Todo mundo reclamando que a bola era difícil, que ela quicava e não sei o que, aí foram fazer uma entrevista com o Rivelino, eu me lembro o xará perguntou, Rivelino e aí, essa bola aí está todo mundo reclamando, não sei o que. O Rivelino falou, olha, eu não sei, eu ponho ela onde eu quero.

Zetti: A bola era ruim para os goleiros, fazia muito... ela não tinha tanto atrito assim com o ar, então ela dava diferença na hora de... desviava muito, um efeito.

 Luciano Pires: Mas deixa eu voltar lá, cara, o Zete, o Zetezinho, o que que você queria ser quando crescesse, cara?

Zetti: Puxa, acho que eu queria ser músico, tocar guitarra, alguma coisa assim, porque eu gostava muito, eu ficava horas e horas, meu pai tinha uma Brasília nesse período, eu já estava com uns dez para onze anos, eu não era ainda atleta, eu gostava de jogar vôlei, basquete e tal, futebol, mas estava longe, o sonho de jogar futebol não era... não sei, eu comecei a estudar música, eu estudei um período, quase dois anos, fiz violão e tudo, nessa fase de 10 para 12 anos, e aí começou a surgir o esporte, o esporte eu tinha uma coordenação muito boa, eu gostava de trabalhar com as mãos assim, de jogar basquete, vôlei, eu fazia atletismo, que eu aprendi na escola, porque onde morava lá no sítio não tinha nada disso. Então, eu fiquei fascinado por trabalhar com as mãos, e foi nesse período que eu fui fazer teste no Guarani em Campinas, que eu com 14 anos, aí comecei a jogar em Capivari.

 Luciano Pires: Mas por que futebol, cara?

Zetti: Então, eu jogava bem futebol de salão, jogava na minha cidade, eu jogava bem, mas eu era...

 Luciano Pires: No gol?

Zetti: No gol. Mas eu era da seleção da cidade de vôlei, engraçado, eu era... todo mundo queria que eu jogasse vôlei, vai jogar contra a outra cidade, eu ia como infantil, mas jogava com os adultos.

 Luciano Pires: Os jogos abertos do interior.

Zetti: Jogos abertos do interior, tinha tudo isso, tinha rivalidade, a gente jogava em Piracicaba, Campinas, tudo, era mais competitivo. Eu já era alto, eu já tinha 1,85m com 12 para 13 anos, então isso me ajudou bastante, eu fiquei assim, eu amadureci muito rápido, minha maturação foi rápida assim, acho que por tudo, pela vivência, por um pouquinho de passar aí pelo sítio, tudo, me ajudou, me ajudou bastante, na hora que eu fui fazer um teste, uma avaliação em Campinas, o Zé Duarte que era o técnico na época do profissional, mas ele era o responsável para liberar os meninos do júnior, e eu passei, passei e fiquei, fiquei ali até os 18 anos, aí acabei sendo dispensado e começou a minha vida no profissional.

 Luciano Pires: Ia te perguntar, porque a transição no gol da bola pesada para a bola de campo é um perereco, porque a bola do futebol de salão é um tiro de canhão em linha reta, pesada, dura, não tem voltinha no ar, não tem nada disso, quando você pega aquele balãozão e vai para o campo, cara...

Zetti: Então, eu falo que hoje... eu trabalho com os goleiros lá no São Paulo, não que eu proíbo, mas eu... se eu puder falar para os pais, não deixe seu filho jogar futebol de salão no gol, a não ser que ele queira seguir a profissão de jogar no gol futebol de salão, porque é outro goleiro, é outro esporte, o tamanho, tudo, a maneira que faz o movimento para a bola. Eu tenho muita dificuldade hoje de pegar um garoto de 11, 12, até 13 anos que joga futebol de salão e passar para o campo, porque eu tenho que tirar muitos vícios dele assim que ele já vem, joga salão todo dia e lá ele acaba tendo essa dificuldade. Eu quando joguei futebol de salão era uma outra regra, eu jogava bem, eu pulava, só que era tudo cimento...

 Luciano Pires: Eu sei disso, eu joguei 20 anos como goleiro de futebol de salão, joguei para valer, cheguei quase a disputar aqui o campeonato em São Paulo aqui na primeira divisão, tudo, a gente quase chegou lá, o time quando chegou perto aí desmontou porque não tinha como sustentar o time, mas eu joguei durante mais ou menos 20 anos, me arrebentando em quadra.

Zetti: O salão, ele dá muita base para quem joga na linha, o atleta do... você pega Djalminha, Rivelino, pega uma geração aí desde Marcelinho Carioca, lembrando um pouco de... Ricardinho, Alex, são todos garotos que vem com o futebol de salão, depois vai para o campo, consegue assim, a dimensão do campo em relação ao futebol de salão, o raciocínio desses jogadores é de gênio, eles são diferentes, o Messi deve ter feito isso muito tempo, mas para goleiro não, goleiro é outro esporte.

 Luciano Pires: Mas aí você passa na peneira. Mas você encarou naquele momento que você passou na peneira que isso podia vir a ser a sua carreira, o seu futuro, você estava de olho, eu vou tirar também um diploma de advogado, alguma coisa assim? Como é que...

Zetti: Eu estudei em Campinas, estava estudando, a gente era obrigado a estudar, mas eu gostava até de estudar, até o segundo ano, na época era o segundo ano, tanto é que fui fazer o terceiro ano em São Paulo, mas eu morava em Campinas, embaixo da arquibancada, no Guarani, e estudava, tinha lá uns dez garotos assim que ia toda noite, da Ponte Petra, a gente ia junto, apesar da realidade do inint 19:09 mas fora de campo a gente tinha um relacionamento bom. E eu fiquei durante dois anos fazendo e isso, eu estava já com um sonho, eu falei, eu quero jogar no Guarani.

 Luciano Pires: Que ano era isso?

Zetti: 80, 82, dezembro...

 Luciano Pires: Cara, com aquela seleção, hein, ligando a televisão e vendo aquela seleção, hein, cara?

Zetti: Eu vi Flamengo, para mim o Flamengo eu já acompanhava, que foi o campeão do mundo com Zico, Adílio, nossa, era fantástico aquele time do Flamengo.

 Luciano Pires: Os caras perguntam para mim hoje aí, Luciano, para quem você torce? Eu falo, olha, quando eu curtia futebol, eu torcia para o Corinthians, eu era corintiano, mas assim, cara, eu tenho um defeito terrível que me impede de gostar de futebol hoje. Falam, o que que foi? Eu vi o Rivelino jogar, eu vi o Zico jogar, eu vi o Falcão jogar, e não dá, cara, eu não consigo ficar quieto, e eu fico louco da vida, e os caras tiram sarro, só fala de jogador da antiga. Eu falo, cara, você não sabe, você não faz ideia o que era aquilo, sabe? 15 minutos de um futebol daquela época hoje em dia qualquer um daqueles jogadores seria contratado pelo Bayern de Munique por caminhões de dinheiro.

Zetti: É uma outra... você vê, hoje qualquer jogador... o jogador a gente tem aí do Palmeiras, o Endrick, que foi vendido com 16 anos...

 Luciano Pires: 400 milhões, 440 milhões.

Zetti: Acho que 390 milhões, uma coisa assim. É por aí. Vai passar isso aí, vai passar. Acho que até ele ir embora com 18 anos, vai passar esse número, mas assim se pegar o Zico, o Zico só saiu daqui porque ele foi campeão brasileiro, jogou Libertadores, já tinha um nome consagrado na seleção, o Sócrates, você pega o Éder, nossa, uma lista muito grande dos jogadores que só saíam depois que conseguiam título, eles não se preocupavam com a idade do atleta. Hoje não, hoje eles não querem... eles que eu digo o europeu no geral, eles têm a grande facilidade, que ele vem aqui, compra o jogador barato e formado, formado tecnicamente, aí lá eles têm que formar o cara na parte tática, que é mais fácil, e a parte disciplinar, que é a educação que aprende, a educação europeia. Então, isso mudou muito, eles não têm o investimento, eles não querem investir em formar... Barcelona, se pegar o Barcelona eu nos últimos anos, acho que foram sete jogadores que foram revelados na base do Barcelona, que são espanhóis, e o restante dos jogadores que estão jogando são tudo estrangeiros, estrangeiros no geral, africano e tudo, é muito mais fácil, é mais barato, e é mais rápido, não tem o tempo, nós temos que investir no menino aqui de 9, 10, 11 até 13 anos, formar esse menino até 20 e esperar se vai ser um Antony, um Neymar da vida, que é difícil acontecer isso, para ir para vender. Então, nós estamos assim em um caminho de formar os jogadores com a qualidade para a Europa, isso é o que tem acontecido bastante.

 Luciano Pires: Mas volta lá, você encarou aquilo como... você chegou à uma carreira lá?

Zetti: Não, eu confesso que eu queria jogar futebol, eu queria jogar, eu jamais sonhei ah vou para uma seleção um dia, porque tinha muitos goleiros bons, o Carlos Leão, então a ideia era jogar futebol, eu gostava, não importava assim aonde eu ia jogar, até no Guarani assim, vi os goleiros do Guarani na época, eu tinha assim, um dia eu vou jogar no Guarani, que era a minha formação. Só que eu fui mandado embora do Guarani em 82, teve uma mudança de treinador, de diretoria, e que é normal, quase todo ano tem essa mudança em toda a parte política também, e aí mandaram o treinador nosso, que era o Cilinho, que era um treinador lá da base, esse cara foi dispensado, aí passou uma semana veio uma equipe nova, comissão, me mandaram embora também, fui mandado embora, mais uns sete jogadores da equipe, eu era titular absoluto, jogava no time Sub-20 com idade de Sub-17, aí saiu uma matéria até, essa matéria é uma coisa que às vezes eu conto em palestras também, a matéria saiu no Diário Popular de Campinas dizendo lá, o técnico fulano tomou uma sabia providência de mandar o goleiro Zetti, gordo e sem futuro. Acho que ele me viu hoje, não, lá na frente, no futuro o Zetti vai ser gordo. Mas eu fui mandado embora, e essa foi a desculpa dele em uma matéria que fizeram lá na época, eu tenho esse recorte até de jornal, guardei porque me marcou e eu acho que foi a grande motivação também para não parar.

 Luciano Pires: Aquilo ao invés de te jogar para baixo, aquilo te deu um...

Zetti: Eu fiquei sem norte, porque não tinha essa facilidade de hoje, você ligar para alguém e vou fazer isso. E aí passou final do ano de 82, começou 83, eu tinha completado 18 anos, que eu sou de janeiro, aí um amigo lá de Capivari, que trabalhava na distribuidora falou, vou levar você lá no Palmeiras para fazer um teste, você quer? Falei, beleza. Ele falou, não, então vamos, sei lá, terça-feira. Aí fui de carro com ele, ele me levou, morria de medo de São Paulo, não conhecia, garoto ainda. Quando chegou ali no Play Center, na Marginal, quem conhece São Paulo, tem a Marginal Tietê, a Marginal Pinheiros, vindo do interior da Bandeirantes, da rodovia, pegou a Marginal, quando chegou ali no antigo Play Center, ele entrou à direita. Tinha um ponto de ônibus ali, táxi, aí quando ele passou eu vi assim, eu falei, para o carro que eu conheço esse cara aí. Falei, seu Cidinho, Cidinho que trabalhava comigo lá no Palmeiras. Aí desci, dei um abraço nele, legal, ele falou, para onde você está indo? Eu falei, vou no Palmeiras fazer um teste. Ele falou, não, eu sou treinador do Palmeiras agora. Eu falei, opa. Ele falou, você está indo fazer teste lá? Eu falei, estou, vou fazer um teste lá, está marcado. Ele falou, não, então fica tranquilo, já te conheço...

 Luciano Pires: Ele era o treinador do time principal?

Zetti: Não, da base.

 Luciano Pires: Onde você ia fazer o teste?

Zetti: Onde eu ia fazer o teste, que aí eles não sabiam, não acompanhavam a avaliação, na verdade, era teste, hoje é avaliação, e aí quando eu fui, ele foi de carona comigo, nem pegou táxi, legal que eu falei, não, senta. Pus ele no banco da frente, vai no carona aí, e eu vou atrás, Corcel 2, aquele Corcel 2. Aí eu fui para o treino, ele falou, eu já te conheço, fica aí treinando, tem bastante goleiro, tem quase dez goleiros aí da sua idade, mas fica aí treinando que eu já te conheço e tal, aí passou uns dois meses, ele falou, Zetti, vou te emprestar para um time lá em Toledo, no Paraná, profissional, eu acho que você pode ir lá, vai ser reserva lá do goleiro que está lá, mas é legal para você, você vai pegar uma experiência. Eu falei... com 18 anos... e fui embora, fui para Toledo, levei 13 horas para chegar, saí numa sexta-feira uma hora da tarde, fui chegar lá meio dia do sábado, dentro do ônibus. Aí beleza, aí eu fiquei lá na reserva do goleiro, campeonato paranaense, aí quando...

 Luciano Pires: Zetti, como é que é isso, Zetti? Um garoto de 18 anos, se você disser para mim o seguinte, olha, você está com 18 anos, você vai para Toledo, vai ser estagiário em uma indústria de calçados, eu consigo entender isso, eu sei, eu vou lá para aprender, eu sou estagiário, quem sabe um dia ter uma vaga para mim etc. Você vai para ser reserva no lugar onde ninguém te conhece, você vai chegar lá, você não tem nenhum amigo, você não tem a família, você não tem nada com 18 anos de idade, para competir por um espaço, porque ali não é uma questão de... você não é estagiário cumprindo uma tarefa, você está competindo por um espaço, você quer estar no lugar do cara que está lá na frente. Então, é um ambiente extremamente competitivo ali e você só tem 18 anos, como é que é, cara, cadê a base para isso, como é que você fez para?

Zetti: Eu tinha base familiar, na verdade, um aprendizado...

 Luciano Pires: 13 horas em u. ônibus, a tua cabeça estava aonde bicho?

Zetti: Eu ficava imaginando aonde eu estava indo, porque eu não conhecia Toledo, não sabia nem onde ficava no mapa assim, quando eu comprei a passagem na rodoviária, o ônibus, a Viação Garcia, ela parou assim, eu conheci de ponta a ponta...

 Luciano Pires: Era o leiteiro, o famoso leiteiro.

Zetti: Ela parou acho que até em Bauru lá, Ourinhos, pegou aquelas estradas lá, e foi embora, foi parando, parando, mas era tudo gostoso, era uma aventura, 18 anos...

 Luciano Pires: Você estava sozinho no ônibus?

Zetti: Sozinho, sozinho, aí quando eu cheguei tinha o diretor lá que me pegou, fui para o campo, mas era a maneira que você tinha de enfrentar as dificuldades, enfrentar... era o desafio, desafio, de estar lá eu estava feliz, porque eu fui como um atleta do Palmeiras, emprestado, já tinha assinado aqueles contratos de gaveta, como fala lá. Mas aí me emprestaram, tá bom, cheguei lá, reserva, mas deu assim acho que oito jogos, o goleiro que era titular, o time era muito humilde, pobre, sem muito dinheiro o Toledo na época, e o goleiro brigou, acabou discutindo lá com o diretor feio lá, e mandaram embora o goleiro. Aí o cara, não, põe o garoto, põe o garoto aí, que era eu, põe o Zetti, só tem ele, não tinha outro. E era o campeonato paranaense profissional, eu fui, e nessa de eu fui, foi passando os jogos, cinco jogos sem tomar gol, o time foi melhorando...

 Luciano Pires: Me conta melhor isso aí, aqui é assim, aqui eu vou te parando, aliás tem cara que reclama, você tem que deixar o entrevistado falar. Isso aqui não é entrevista, isso aqui é um bate papo. Me fala desse primeiro jogo aí, então chamaram você, falaram, Zetti, domingo tu vai entrar titular.

Zetti: É, eu acho que foi contra o Londrina o primeiro jogo.

 Luciano Pires: E aí, e o estômago, cara?

Zetti: Ah, nem sei, acho que eu não dormi, cara, eu lembro das coisas da cidade assim, eu achava que eu ia virar sapo naquela cidade, porque chovia demais, a cidade chovia, chovia lá em Toledo, e frio, muito frio, quando eu cheguei no hotel tinha duas mantas, que é um edredom, dois dobrados na cama no hotel, eu falei, mas para que isso aqui? Ele falou, você vai ver a hora que você precisar. Eu falei, não é possível. Nossa, mas eu precisei, dois lá não dava conta, mas era pesado, era um negócio de pena de pato, sei lá o que que era, para esquentar aquilo lá. E o primeiro jogo acho que foi contra o Londrina, que eu estreei, e depois veio um clássico, nós empatamos zero a zero, aí veio um clássico da soja, que eles chamam, que é o clássico lá contra o Cascavel, que é o time próximo ali de Toledo, e esse clássico eu peguei pênalti, eu fiz chover no clássico assim, foi uma coisa que marcou muito, acabou acho que um a um esse jogo. E aí foi, a sequência, eu fui acreditando no meu trabalho assim, no meu potencial, era jovem ainda, tinha muita coisa para aprender.

 Luciano Pires: Eu te fiz aquela pergunta porque e acabamos de ver o Brasil ser desclassificado agora na copa, em uma disputa de pênaltis dramática, onde a gente vê o jogador caminhando para a bola e fala, cara, eu sei que esse cara para estar aí, ele tem habilidade suficiente de sobra para fazer esse gol, mas ele me parece que ele está destruído emocionalmente, e quem vai fazer ele acertar ou não vai ser a emoção dele. Então, você fala assim, cara, eu não dormi à noite, eu estava com nervoso, tudo, aí você entra em campo e tem que desenvolver a tua habilidade controlando esse emocional que deve estar em frangalhos.

Zetti: Então, mas o meu emocional naquele período, eu lembro muito disso aí, até depois para mim eu vou até contar um pouquinho o negócio do Palmeiras, mas era uma responsabilidade muito zero de se eu tomasse um gol naquele momento que eu estava entrando, porque eu fui de surpresa, amanhã você vai jogar, eu estava preparado? Estava, eu treinava muito, estava muito bem, mas eu me sentia assim, eu não tenho nada a perder

 Luciano Pires: Não havia expectativa nenhuma do povo para com você?

Zetti: Não, de ninguém, eu tinha assim, eu acreditava, eu vou fazer o melhor, eu sei que é difícil, tudo, mas eu não tinha aquela coisa assim, nossa, se eu errar os caras vão me mandar embora, se eu errar... e aí o negócio foi fluindo, eu acho que essa é a lição que eu aprendi assim na minha carreira, eu nunca tive medo de errar, de jogar grandes jogos, tanto é que os grandes jogos da minha carreira foram os melhores assim de jogar, sei lá, tanto pelo São Paulo, Palmeiras, seleção até, porque eu não tinha... eu sempre fui muito frio assim no aspecto de jogar futebol e enfrentar grandes desafios. E às vezes eu acho que um dos grandes erros que eu tenho foi em jogos sem expressão, porque você acaba subindo um pouco e menosprezando o adversário. Mas eu ali em Toledo eu estava... eu falei, bom, eu vou voltar para o Palmeiras mesmo, estou aqui. Só que resumindo, eu joguei acho que 14 a 15 jogos o turno todo, que aí classificação quatro para fazer a final, nós terminamos em quarto lugar da competição, só que como o Atlético Paranaense tinha vencido o primeiro turno, venceu o segundo turno e foi campeão direto, mas na colocação geral nós ficamos em quarto. Eu fui eleito o melhor goleiro do estado do Paraná, o goleiro mais jovem do estado do Paraná naquele ano que atuou naquele período, e para mim foi um alicerce maravilhoso, e na sequência eu fui convocado para a Seleção Paranaense de júnior, que existia, é como hoje a Taça São Paulo, que são os garotos que jogam. E na Seleção Paranaense deu continuidade nesse ano de 83, eu fui em 83 no início do ano, e final de 83 para 84, era o campeonato de juniors, então fiquei quase um ano lá nesse período no Paraná. E aí nós fomos campeões brasileiros, ganhando de São Paulo, que foi a semifinal, que São Paulo tinha a melhor seleção, que era comandada pelo Brandão naquele período, e eu lembro até o Pelé estava assistindo esse jogo, porque foi lá no Guarujá, desceu de helicóptero, nossa, e a gente brinca até hoje no grupo que quem tirou foto com o Pelé naquele jogo, e isso aí foi nesse período de 84. E aí eu fui campeão pela Seleção Paranaense, ganhamos do Rio na final, de 1 a 0 e 2 a 1 dentro de casa, que eram dois jogos. Quando acabou o campeonato, a manchete nos jornais, que era no começo do ano que estava fazendo a preparação para o Campeonato Paulista, a manchete era assim Zetti disputa a posição com o Leão, essa era a manchete. Eu falei, nossa, eu falei, eu saí, eu nem passei pelo júnior do Palmeiras.

 Luciano Pires: Você não tinha voltado para o Palmeiras ainda?

Zetti: Não, eu estava no Paraná. Só que já se comentava que eu ia disputar a posição com o Leão, e o Leão estava em 84... voltou em 84 no Palmeiras, depois ele foi para a seleção de 86, então, isso começou, eu falei, nossa, o negócio ficou muito grande, porque eu passei na frente de todos os meninos que estavam lá e já estavam me cogitando para ser o reserva do Leão. E realmente, o Nelson Duque, que era o presidente, não sabia quem eu era, ninguém sabia, o único que sabia era o Cidinho, que era o cara que me mandou para lá. Quando eu voltei e me apresentei no Palmeiras, eu já me apresentei no profissional, então eu já era reserva do Leão. Aí imagina o impacto, você ter o Leão como um ídolo, vendo ele jogar nas copas, o Carlos da mesma forma nesse período, Paulo Sérgio, Paulo Vitor, e de repente eu era reserva, treinava com Leão, eu olhava, nossa, eu estou treinando com o melhor, esse cara é o melhor para mim, é meu ídolo, não importa se eu vou ser reserva dele, não quero saber, eu quero aprender tudo o que ele tem. E isso eu fui aprendendo mesmo assim, ele dava treino, não tinha treinador de goleiro, então ele treinava os outros quatro goleiros que estavam lá.

 Luciano Pires: O próprio Leão?

Zetti: O próprio Leão. E ele falava...

 Luciano Pires: Que já estava maduro, ele já era maduro?

Zetti: O Leão saiu em 86 e encerrou a carreira em 87, já estava no final da carreira. Mas ele falava assim, ele falava, Zetti, tudo o que eu tiver de bom, pega, observa, pega, tenta fazer. Ele falou, mas eu tenho muita coisa ruim, não vai pegar as coisas ruins. E essa convivência com ele foi... aí abriu, ele falou, você vai ser goleiro da seleção um dia, ele falou para mim. Eu fiquei, caramba, será que eu consigo? Porque tem muitos goleiros bons no Brasil. E foi, daí na sequência quando ele saiu em 87, foi 87, eu entrei no gol do Palmeiras e fiquei invicto 13 jogos, sem tomar gol. Então, foi um negócio bacana, a história é legal, a história é... e aí nessa de ficar invicto, apareceu muitas oportunidades de seleção, mas eu nunca fui para a seleção por causa da idade, a seleção de inint 38:12 seleção de Sub-23 e eu acabei não indo para a seleção por causa da idade, e foi o Taffarel, que a gente já estava... eu e o Taffarel já estávamos ali, Taffarel no Inter e eu no Palmeiras. E passou 88, 17 de novembro de 88, na Copa União, eu era o titular do Palmeiras, jogando, veio... quebrei a perna, aí tive um acidente no Maracanã lá de ter uma dividida com o Bebeto, um jogo que o Zico estava jogando, então imagine, um Flamengo maravilhoso, eu com 22 anos, eu saí na dividida com o Bebeto e acabei quebrando a perna e foi assim, meu último jogo no Palmeiras, isso foi dia 17 de novembro de 88. Aí eu fui jogar só em 90 no São Paulo.

 Luciano Pires: Você teve a dimensão do que era quebrar uma perna?

Zetti: Não.

 Luciano Pires: Com 22 anos de idade, quebra, conserta, volta, naquela época você teve uma dimensão do que era, do que tinha acontecido ali?

Zetti: Não, não tinha, eu fiquei muito preocupado, porque assim, eu estava sem contrato no Palmeiras, eu morava, pagava aluguel...

 Luciano Pires: Você estava jogando sem contrato?

Zetti: Não, tinha acabado o contrato quando eu estava recuperando... porque foi final do ano, a gente fazia contrato de ano, então como foi em novembro, quando eu estava me recuperando, fiquei sem contrato, aí eles foram me deixando, não, não precisa renovar agora, deixa, deixa, aí foi passando. E chegou um ponto que eu fui pintar, eu fui estudar História da Arte, cara, para não ficar louco, eu estava... eu estava em uma depressão muito grande, porque...

 Luciano Pires: Você estava recebendo normal, você tinha um salário?

Zetti: Não recebia, não tinha contrato, o clube não tinha direito a pagar, o passe era do clube.

 Luciano Pires: O passe era do clube, você estava no estaleiro se recuperando e...

Zetti: Não tinha direito a receber nada.

 Luciano Pires: Porra, meu.

Zetti: Isso chamava Lei do Passe, lei do passe naquele período era assim, o clube é dono do seu passe, mas para você sair do clube você tinha que vender teu passe com outro clube, você só era vendido se o Palmeiras, na época, o Palmeiras me liberasse para ir para qualquer time, senão não saía, aí você falou, mas você não ganha por isso? Não, eu não estava ganhando, eu podia ficar quase dez anos sem receber e o passe ficava preso ao clube, era uma coisa de louco.

 Luciano Pires: E naquela época você não tinha o recurso que você tem de uma recuperação de uma perna quebrada para você voltar...

Zetti: Quatro meses, eu fiquei um ano e dois meses para voltar, então foi bastante tempo, de 88 eu fui voltar em 90, aí quando eu voltei, eu estava já pintando, fazendo outras coisas, vendendo quadro, vendendo cartão de natal, eu fazia um monte de coisa que tinha para sobreviver, mas dentro da arte, e treinando, tentando voltar, fazendo a recuperação. Isso em 90, eu acabei conhecendo um amigo assim, o cara nunca gostou de futebol, mas ele viu a minha situação e falou assim, eu compro seu passe, esse cara, o Donato, ele falou assim... é um italiano, ele falou assim, vê quanto custa lá, quanto eles querem, eu compro o teu passe e depois a gente vê o que faz. Aí eu fui no Palmeiras na época, que era o inint 41:46 que era o responsável junto com o Carlos Fachin, que era essa diretoria da época, e aí fui, falei, olha, eu queria saber quanto que vale o meu passe. Ele falou, ah vale 99 mil BTNs, era BTN.

 Luciano Pires: BTN na época.

Zetti: É estranho falar isso.

 Luciano Pires: Pois é, quase moeda.

Zetti: Vai achar que a gente está falando marroquino, polonês aqui.

 Luciano Pires: Para quem não sabe o que é BTN, essa mudança de plano, plano cruzado, plano isso, plano aquilo, então os caras criaram quase moedas, eram fatores...

Zetti: OTN e o BTN.

 Luciano Pires: Tinha ORTN, depois OTN, BTN, era um fator de conversão.

Zetti: Era uma moeda que... pôs no papel, escreveu lá, assinou, eu libero o Zetti...

 Luciano Pires: Obrigações reajustáveis do tesouro nacional, ORTN, isso aí, obrigações reajustáveis do tesouro nacional.

Zetti: Que loucura isso. E aí quando peguei essa carta no valor, eu levei para esse meu amigo, esse italiano, ele falou, converte em dólar, põe em dólar, dava 21 mil dólares, que dólar era alto na época. Ele falou, não, pode ir lá comprar, faz o cheque, compra que eu deposito para você. Foi assim, assim que foi a negociação.

 Luciano Pires: Deixa eu perguntar uma coisa a você, hoje em dia um jogador no nível que você devia estar na época lá, que você estava titular do time, quer dizer, isso é um ativo do clube, e o clube tem a maior preocupação de recuperar esse ativo o mais rapidamente possível, hoje em dia é assim, o cara sai, entra em um processo de... vou no exagero, Neymar se machuca no primeiro jogo da copa, meu, o mundo se mobiliza para botar ele para jogar de volta, porque aquele é um ativo que você não pode abrir mão. Não tinha essa visão naquela época?

Zetti: Não, não tinha, a visão era assim, quanto mais apagado o atleta fica próximo do contrato, era melhor para o clube, porque aí fazia a renovação baixa.

 Luciano Pires: Mais barato.

Zetti: É, era um negócio assim, era louco.

 Luciano Pires: A Lei Pelé veio para mudar isso tudo.

Zetti: A Lei Pelé, a Lei Zico, a Lei Pelé, ela veio em 93, olha só, eu estou falando de 89, 90, em 93 acabou a Lei do Passe, entra a Lei Pelé, acho que em 93... não, perdão, 97, 93 mudou a regra, 97 aí confirma a Lei Pelé, que daí vira direitos federativos, você é contratado para trabalhar três anos, você cumpre três anos, ah eu quero sair, você paga a diferença de três anos, mas aí acabou a Lei do Passe, não existia mais um clube dono do seu passe. E ali foi a minha grande... não eu, como muita gente teve dificuldade com isso, para sair do clube.

 Luciano Pires: Esse teu amigo comprou teu passe, ele fez investimento em você?

Zetti: Fez.

 Luciano Pires: Tipo assim, um dia você me recupera isso ou não, se vender eu fico com o lucro...

Zetti: Esse cara, ele tinha um escritório na Suíça, essa história pouca gente sabe, esse cara tinha um escritório na Suíça, ele vendia Ananás, abacaxi, fazia importação, tinha um escritório de importação, o irmão dele morava lá, italiano também, aí ele falou, vou te levar para Suíça e vou te vender no Cerveti, lá em Genebra, eu falei, beleza. Aí comprou, foi lá, consegui sair do Palmeiras, assinei uma carta, tinha uma carta lá você pode ir para qualquer clube no Brasil, menos o Palmeiras, menos o São Paulo, perdão, porque eles achavam que o São Paulo estava comprando, e não era, não tinha nada a ver, e durante três meses você não pode ir para o São Paulo. Não, beleza, onde assina aqui que não tem nada... eu queria jogar, eu queria jogar futebol, eu queria voltar a jogar, porque eu falei, eu sou um bom goleiro, porque não ia ficar dois anos no Palmeiras sendo titular, e aí acabei saindo e aí eu fui para a Suíça. Aí fiquei em Genebra acho que uns 22 dias, foi bem na época do carnaval, foi quando eu saí, eu fiquei lá em Genebra, eu conheci tudo, eu andei naquela cidade com 13 graus abaixo de zero, eu estava assim, eu parecia um pinguinho andando na rua, o que eu tomei de café naquelas...

 Luciano Pires: Lembrou do edredom de Toledo.

Zetti: Lembrei, o de Toledo não era nada perto do que eu estava passando lá. Mas foi muito... uma experiência maravilhosa, e eu fiquei na casa desse irmão dele também, ele estava lá comigo, ele falava várias línguas, idiomas lá, tivemos várias reuniões, no Cerveti acabou não dando certo, hoje você tem... hoje você abre o celular, você tem tudo, aqui a minha vida, eu currículo, minha palestra, minhas fotos, o que eu faço, os lances das minhas defesas estão. Mas naquele período eram pastas, eu tinha recorte de jornal, pasta, levei, o cara falou, leva tudo o que você tem de recorte. Tá bom. Fita cassete, e eu mostrei lá para o presidente, para tudo, o pessoal conversando, mas não houve interesse, e acabei não treinando, perdi a forma física.

 Luciano Pires: Eles nem te viram jogar, nada?

Zetti: Nada, no Cerveti não.

 Luciano Pires: Peneira?

Zetti: Não teve nada assim, nem deixaram, eu só fiquei lá... saí de lá, vim para o Brasil, passei carnaval, depois de uma semana do carnaval, ele manda uma passagem para mim, falou assim, você vai voltar agora para Barcelona, Barcelona joga contra o Atlético Madrid, lá no New Camp, em Barcelona, nós vamos assistir o jogo e vamos conversar com o presidente do Atlético, e vou colocar você lá porque tem vários jogadores brasileiros, que era o Baltazar, estava lá no Atlético, Donato, enfim, tinham vários jogadores e eu tinha marcado com o Baltazar no Palmeiras. E aí, não, vamos para lá, beleza, vamos. Fui, aí fiquei mais uns 12 dias, aí eu fui e treinei, daí eu fui para Barcelona, Barcelona, Madrid, fiquei lá na Plaza Central, Plaza Del Toro, lá na central, conheci tudo também, que eu andava, não tinha que fazer, ficava andando, treinando, correndo. E aí eu treinei lá com o Atlético, dois treinos, mas acabou não dando certo, quando terminou, peguei a passagem e falei, estou indo embora para o Brasil e vou acertar alguma coisa no Brasil, eu preciso jogar. Isso já tinha passado quase dois meses, e na volta minha para o Brasil, aí o Valdir Joaquim de Moraes, estava trabalhando com o Mineli, por sinal o Mineli está fazendo 94 anos agora...

 Luciano Pires: Rubens Mineli.

Zetti: ...nesse mês aqui, e ele... falaram, olha, espera que o São Paulo vai te contratar, ele falou bem assim quando eu falei com o Valdir, o Valdir já conhecia o Valdir do Palmeiras, e aí foi uma angústia, uma agonia muito grande, porque eu fiquei quase dez dias esperando o telefone tocar, o telefone de casa tocar para... não podia nem sair, porque ele tinha que estar em casa esperando essa notícia. E aí veio assim a notícia lá, o Fernando Gazel Del Rei na época, junto com outro diretor, os caras ligaram, nós queremos te contratar, sei que você está fora de forma, mas a gente vai dar oportunidade. E foi assim, isso já estava em 90, em abril de 90, quando eu acertei com o São Paulo, e aí começou a minha história no São Paulo, São Paulo foi... e quando eu acertei com o São Paulo, só para ser uma ideia dessa... por que que o Donato, o que que entra o Donato nessa história, que era o italiano, o italiano que me comprou, quando ele me comprou, teve investimento, todas as despesas, tudo, e aí eu fechei com o São Paulo, falei que no Brasil eu negociava, não tinha empresário, nada, aí negociei com o São Paulo, o São Paulo me comprou em dezembro, no final do ano, depois do campeonato que eu fiz brasileiro, paulista, o São Paulo me comprou, aí nessa compra, paguei a despesa dele, todo o investimento que ele teve comigo, e ficou metade para cada um, 50% para cada um, quer dizer, ele em três meses, ele conseguiu recuperar quase 300% do que ele investiu, então foi um belo investimento.

 Luciano Pires: Cara, mas olha que história interessante você está contando, quer dizer, essa tua história no futebol, quer dizer, você começa sendo mandado embora do primeiro time, porque é o gordo que não sei o que.

Zetti: Gordo sem futuro.

 Luciano Pires: Vai, encontra por acaso o teu treinador de goleiro no... é uma sequência de... algumas coisas bastavam para ter tirado você fora, quebra a perna, fica fora do ar, então tem uma resiliência aí do, cara, estou de volta, vou continuar, estou de volta.

Zetti: Minha persistência.

 Luciano Pires: Isso é coisa de sítio? De onde vem isso?

Zetti: Então, eu acho que tem muito a ver com negócio de sítio, porque o sítio você começa muito cedo a aprender a resolver problemas, eu acho que assim, a se virar com um monte de coisa, você improvisa, minha infância foi em um sítio mesmo, foi brincar com cavalo, pescar, eram coisas... você tinha que achar o que fazer no sítio. E claro, sempre os pais no sacrifício de querer criar os filhos, eu acho que isso me deu uma educação muito boa, que meus pais acho que foram fantásticos com isso, da maneira de... apanhei às vezes que precisava, hoje não pode fazer isso, mas eu acho que essa educação, essa coisa que eu vivi na infância ou de sempre superar, sempre ir atrás, ir buscar e a trabalhar cedo, comecei a trabalhar cedo também, eu acho que isso aí me deu um equilíbrio para tomar as decisões certas, eu sempre tomei as decisões muito corretas assim, eu acho que eu errei muito pouco.

 Luciano Pires: Que idade você estava no São Paulo quando te contrataram?

Zetti: São Paulo estava com 23.

 Luciano Pires: Era moleque ainda, era muito moleque ainda. Você chega no São Paulo para começar do zero? Porque você chega fora de forma...

Zetti: O Gilmar era o titular.

 Luciano Pires: Gilmar era o titular.

Zetti: Goleiro da seleção brasileira de 94, campeão brasileiro, campeão paulista, e aí houve uma disputa com o Gilmar da titularidade. O meu contrato, quando eu fiz o contrato com a diretoria foi assim, os caras falaram, Zetti, nós temos condições de pagar isso aqui. Eu falei, eu não tinha nada, eu não tinha... eu tinha 0,000, e o cara me oferece sei lá quanto lá.

 Luciano Pires: 10.

Zetti: É, eu falei, beleza. Eu falei, só que é o seguinte, se eu for titular em um período até o final da competição, se eu for titular, vocês vão me dobrar isso aqui e me dar uma luva. Foi assim, eu investi em mim. Os caras, não, tudo bem, beleza, está certo. Pôs no contrato lá, após três meses, acho que era, após três meses, se for titular vai ter a dobra de salário. Beleza. E foi isso, em três meses eu treinei tanto para superar o Gilmar assim, porque o Gilmar treinava muito, um baita goleiro, mas eu queria, eu ficava entendendo, eu falei, quero ver porque que ele treina tanto, eu vou treinar mais, chegava mais cedo, o Furlan era o treinador, o Furlan marcava o treino nove horas, eu chegava oito, aí teve um dia que eu cheguei oito, o Gilmar estava treinando. Falei, ah... no dia seguinte, sete horas eu estava no campo já treinando. E aconteceu, isso foi legal.

 Luciano Pires: Me fala uma coisa desse negócio do treino aí, porque outro dia eu escrevi um texto que eu estava falando do próprio Neymar, dizendo o seguinte, falar cara, o Neymar não é 90 minutos o domingo pintando e bordando, cara, o Neymar é uma vida de sacrifício, cara, é uma loucura, treinamento o dia inteiro no campo, cara, chutando a bola, fazendo o mesmo movimento, e coisa física, cara, é um inferno aquilo para culminar com aqueles 90 minutos do domingo. Então, a carga de treino e muito grande para você poder no domingo desempenhar bem. E eu me lembro do Oscar do basquete, o mão santa, ele falou, cara, os caras dizem que eu tenho mão santa, ninguém foi olhar o que eu fazia no final do treino. Que ele conta a história, ele falou, eu queria fazer... não me lembro se era 20 cestas seguidas, se eu errasse uma, eu começava de novo, então ele ficava horas lançando até um ponto que, pô, eu fiquei bom. É o treino, treino, treino que te coloca em uma situação de excelência ali. E me lembrei também de uma outra história do MMA, o pessoal da luta do MMA, que eles falam o seguinte, a gente treina muito mais para desenvolver o reflexo do movimento, do que pelo movimento em si, então a gente treina para que na hora que eu estou na luta, do meu lado, eu tenho um cara vindo na minha direção, ele vai me bater, dependendo do movimento dele, eu já respondo aquilo com um reflexo, e esse reflexo já é o contra ataque e tudo mais, eu só consigo fazer isso porque eu treino, me põe em condições disso aí. Qual é que a importância dessa coisa do treino, quando você fala, eu vou treinar mais, mais, mais, não chega uma hora que te esgota isso, cara, você chega no domingo e não aguenta?

Zetti: Não, esgota, esgota, eu fiquei um bom tempo assim... eu só pensava nisso, eu preciso ser titular, eu preciso ser titular, mas sempre respeitando o cara que estava jogando, isso era muito importante, como aconteceu em 94 na reserva do Taffarel. Eu ficava assim, eu treinava, porque assim a repetição de movimento que a gente chama, a repetição de movimento, o Tele falava isso, te deixa próximo da perfeição, você não vai ser perfeito, mas deixa próximo, se você não fizer, você vai ser um comum, e o Oscar, eu ouvi um podcast do Oscar, ele falando que ele não nasceu com talento, todo mundo, você tem talento, nasceu com isso. Ele falou, não, tem muito cara que tem talento, mas é preguiçoso, aí não vai para frente. Ah, mas é talentoso. Então, o talento, ele só existe se você exercitar esse talento.

 Luciano Pires: Disciplina.

Zetti: Disciplina, muito, você tem que abrir mão de muita coisa para... justamente, para treinar, fazer com que esse movimento seu seja automático, o goleiro tem um movimento automático, quando a bola sai, você não sabe onde ela vai, você tem que fazer o movimento, se você pensar, eu brinco muito nisso, se você pensa, goleiro que pensa toma o gol, ah vou pensar, e agora o que que eu faço, eu vou com a mão direita, mão esquerda? Bola passou. Então, eu falo que goleiro não pensa, reage aos estímulos que você faz no treino. Então, às vezes é muito assim, eu na minha idade, eu parei em 2001, eu treino os goleiros hoje lá, os meninos que vão lá, os meninos de 17 anos, o que eles fazem hoje no São Paulo, eu já fazia em 1980 a mesma coisa, qual que é a diferença? A luva deles hoje são bonitas, as chuteiras, a calça de treino, as estacas que tem para pular são coloridas, na minha época era de bambu, mudou todo o equipamento, mas o treino...

 Luciano Pires: A essência do...

Zetti: A essência do treino é a mesma, a mente, você trabalha muito esse poder de reação, de fazer, de executar, que a gente chama um pouco do reflexo, mas é o poder que você dá a sua mente de fazer esse movimento às vezes inesperado, o goleiro é um pouquinho disso, um pouquinho do MMA também, você vê, o basquete talvez por ser individual, depende só de você e do seu movimento, não depende do movimento do outro. Então, mas eu vi essa palestra do... algumas palestras também do Oscar, mas o podcast dele, ele fala isso, desse negócio do talento, ele falou, não, eu nunca fui talentoso, eu nunca tive, eu fui treinar e buscar isso, quer dizer, alimentar, senão eu seria um cara com um talento preguiçoso, que não ia dar em nada, e é um pouquinho disso a posição não de goleiro, a posição do jogador de futebol, porque ele precisa repetir o movimento de domínio, eu acho que o Neymar na história assim do nosso futebol brasileiro, talvez até mais do que o Pelé, acho que talvez seja até questionado com isso, não é dizer... o Pelé foi o maior, esquece, não dá nem para comparar com nada, mas a mudança de direção em movimento quando... porque hoje o futebol está mais rápido, então o Neymar quando está em velocidade e ele muda de direção rápido, é uma coisa fora do normal, o Ronaldo foi fazer isso, estourou o joelho, porque é muito peso, ele tem essa facilidade, isso já vem de berço quase, já vem desde pequenininho que ele faz esse movimento de mudar de direção, que é a mente dele que direciona.

 Luciano Pires: É, o gol contra a Croácia foi uma doideira o que ele fez ali, a forma como ele entrou ali, aquilo é impressionante. Quer dizer, tem um talento ali, e eu me lembro, você falou o negócio do Zico, cara, eu me lembro, eu sou velho, bicho, eu sou bem velho, eu me lembro de ter visto uma revista...

Zetti: Nós não somos velhos, nós somos com mais informação, a gente tem um pouco mais de informação.

 Luciano Pires: Mais experiência.

[...]

 Luciano Pires: Você está ouvindo o LíderCast, que faz parte do ecossistema Café Brasil, que você conhece acessando mundocafebrasil.com, são conteúdos originais distribuídos sob forma de podcasts, vídeos, palestras, e-books e com direito a grupos de discussão no Telegram. Torne-se um assinante do Café Brasil Premium, através do site ou pelos aplicativos para IOS e Android, você prática uma espécie de MLA, master life administration, recebendo conteúdo pertinente de aplicação prática e imediata, que agrega valor ao seu tempo de vida, repetindo, mundocafebrasil.com.

 Luciano Pires: Eu me lembro de ter visto na época, era o Galinho de Quintino, o Zico estava começando a despontar, e eu me lembro perfeitamente de ver uma revista, eu não me lembro se era Manchete, daquela época, e a revista trazia uma reportagem mostrando em fotos em preto e branco a evolução física do Zico dentro do laboratório do Flamengo, eu estou falando dos anos, sei lá, cara, 70, aparece ele magrinho, ele pequenininho, magrinho, depois ele um pouquinho... ele vai ficando forte e ele mais fortão, que é uma construção, quer dizer, o cara pegou um garoto franzino, o Zico sempre foi franzino, que tem um baita talento, e falou, eu vou botar massa nesse garoto e vou fazer com que ele tenha massa sem perder essa coisa toda, tem uma ciência toda aplicada aí, não é?

Zetti: Tem. Então, hoje... eu fiquei muito maluco aí com toda a parte de sistema da... que eles fazem análise de sistema da copa do mundo, agora, nessa copa foi maluco, um negócio assim, ninguém escondeu nada, então todo mundo sabia como o Brasil jogava, como a Alemanha, como... todos que estavam ali, Marrocos, e o Marrocos sabia como o Brasil jogava, a Croácia, por quê? A Fifa, ela criou um sistema de análise de desempenho, que é o que os clubes usam, mas o clube, ele vai, ele filma, ele faz o tagueamento do jogo, ele transforma aquele tagueamento em números e passa para o auxiliar do treinador, o auxiliar, ele enxuga o que precisa ser passado para o técnico, porque você não vai passar duas mil informações para o técnico em cinco minutos para mudar o jogo. Então isso na copa estava sendo feito em tempo real, é um absurdo, tinha 16 câmeras, se eu não me engano, acho que eram 16 câmeras da FIFA, independente do que estava transmitindo, era só... e com 32 funcionários acho que por partida com esse sistema para jogar todas essas informações para o cara da análise de sistema da seleção, porque se não o cara da seleção, ele tinha que colocar a câmera, filmar, então isso já foi feito para... foi uma inovação, porque tem o GPS, então todos os jogadores estão com o GPS, GPS manda essas mensagens para o analista de tudo, de quanto ele correu, aonde ele correu mais no campo, quantos chutes, quantas defesas, domínio, cabeceio, vai tudo, isso aí sai em tempo real. Isso é uma coisa... essa copa foi a copa...

 Luciano Pires: Quer dizer, quando o bêbado está no bar e diz que o Tite é burro, ele está fazendo uma análise de inint 01:03:11... sem ter a menor ideia do volume de coisa que está correndo ali naquele... e isso tudo tem que ser decisões na hora tomadas ali, não é?

Zetti: Assim, as decisões das análises que estão acontecendo no jogo é muito difícil porque o futebol é complexo, se vai fazer gol se depende às vezes de uma jogada individual, número não se dá nada, se você vai fazer o gol ou se não vai, ou se vai evitar que o cara faça um gol, mas ele dá um parecer do que está acontecendo, perigo, esse cara conduz a bola, esse cara joga mais para o lado direito, a mesma coisa falar para o Mbappé, Mbappé é veloz, joga pelo lado do campo, espera uma oportunidade em velocidade, tem que transmitir isso aí em números para o técnico e o técnico tem que fazer alguma coisa, ou se coloca um cara que corre mais do que ele para marcar e esperar o que vai acontecer. Então essa copa acho que foi muito direcionada para isso. Eu estou falando porque o Zico lá em 70, em 80, nessa década, eu lembro dessa matéria, era assim, era o que tinha para a época, depois...

 Luciano Pires: E já era um negócio sofisticado.

Zetti: Nossa, isso aí era uma matéria que dava um monte de resultado aí para fazer aula, e depois veio o São Paulo também em 92, na década de 90, a fisiologia, porque nós fomos jogar em altitude, mas como que é respirar em altitude? Então, começou a desenvolver você correr na esteira com tubo de oxigênio, com a máscara na boca, abaixa o nível de oxigênio no que você está respirando, você sente mais cansaço e dificuldade, e vê até onde você aguenta correr. Isso começou, a gente começou a fazer esses testes para jogar na altitude, que nós fomos para La Paz, para Oruro, San Jose, então veio, já começou lá naquela época, e está hoje assim aperfeiçoando. Hoje, o GPS, ele te dá assim, se você colocar esse atleta para correr mais 20 minutos, ele vai ter uma lesão muscular. É isso. Aí eu até brinquei com os treinadores, porque essa informação chega para o treinador, o fisiologista chega e fala assim, Tite, se o Neymar correr mais 20 minutos, ele vai machucar. E aí, e agora, eu deixo ele correr 20 minutos, tiro? Aí fica essa situação, só que na hora de mandar embora, manda embora o treinador, não são cobrados.

 Luciano Pires: Quem foi o maior treinador que você viu? Não necessariamente que você tenha jogado, que você viu...

Zetti: Que eu vi? Ah bom, que eu joguei o Tele Santana, Iene Andrade, assim são os tops para mim.

 Luciano Pires: Que não tinham nem de perto, o máximo que eles tinham de sistema de jogo era um assistente sentado lá em cima com uma planilha na mão, descendo correndo para dar o papelzinho para ele.

Zetti: O Tele não tinha auxiliar, auxiliar ele não tinha porque ele não confiava em ninguém, ele confiava no treinador de goleiro que era o Joaquim Valdir de Moraes, que eram super amigos, saíam para noite, a noite assim jantar, eram os dois e tudo o que precisava de scalte do adversário era o Valdir, era o treinador de goleiro que passava para o... depois que veio o Murici, o Murici passou a trabalhar com o Tele, o Tele começou a preparar o Murici e o Murici muito parecido com o Tele Santana em maneira de pensar, de comandar um grupo, aquele jeito dele é muito do Tele. Mas assim, o Tele era diferenciado, o Vanderlei Luxemburgo era estrategista, um cara que eu trabalhei também, e eu não sei assim, te falar quem é o melhor, que o Murici foi um cara que ganhou muito brasileiro, o Vanderlei também, eu acho que é muito... eu falo assim, de você nascer na época certa, estar no momento certo, com as pessoas certas, sabe? Porque você monta um super time, a tendência e você já é um cara estrategista e tem qualidade, a chance de você vencer é muito grande.

 Luciano Pires: Técnico ganha jogo? Não estou me referindo a preparar bem o time, isso é obrigação, eu estou me referindo ao jogo está rolando, ele enxerga o negócio, ele muda e ganha o jogo. Ganha jogo?

Zetti: Não, ganha jogo, ganha, o técnico que tem a visão assim, vive o jogo, vive a situação, mas eu... você tem que ter banco, banco assim, você fala, esse cara é rápido, se eu colocar ele... sabe, a tua mente funciona muito rápido para isso e tem que tomar a decisão, você não pode tomar decisão por alguém falar para você que faça isso que vai dar certo, aí arrebenta com o treinador. Mas eu acho que técnico ganha jogo sim.

 Luciano Pires: Estou te perguntando... vamos voltar para os anos 70, para a copa de 70, eu me lembro naquela época que tinha momentos, cara, em que o Gerson trocava uma ideia com o Pelé e virava, mudava o time dentro de campo e dane-se o Zagallo, eu nem sei se ele sabe o que está acontecendo lá, mas no campo os caras sentiam a pressão, ajeita aqui, ajeita ali, entre eles, eles se acertavam lá. E me parece, estou olhando de fora, quando eu vejo agora a seleção aqui agora, nós estamos em um momento lá complicado e acontece essa bobagem da molecada ir para a frente, dar um contra-ataque para a Croácia e sair da copa, falta isso, falta essa coisa da... esse organismo como um todo tomar decisões próprias, porque parece um monte de indivíduo, cada um tomando a sua decisão lá, não é um organismo como era na copa de 70, não é, cara? Que era um animal aquilo.

Zetti: É que assim, se a gente for comparar um pouco da copa de 70, até 94, sendo mais... a gente vai ser um pouco saudosista no sentido de que mudaram assim a maneira de você disputar uma copa do mundo, de 70 você reunia os jogadores 40 dias antes, treinava na Granja Comari.

 Luciano Pires: 120 dias.

Zetti: Eu fiquei 45 dias antes de ir para a copa do mundo, em Los Gatos, na Califórnia, em São Francisco, para a gente ir para lá nós ficamos treinando 45 dias. Aí você fica com o grupo, você começa a viver um pouco... eu acho que o grande problema nosso assim no Brasil, dos técnicos também, nós somos técnicos de clube, nós temos muito técnicos de clube, hoje vamos falar, o Dorival, o Flamengo, foi campeão, o Rogério Ceni no São Paulo, você pega o Cuca, o próprio Abel, o Palmeiras, aí você vai para a seleção, a seleção não tem treino, a seleção se apresenta na segunda, joga na quarta, vai embora, aí você faz dois treinos ali durante a semana, e aí você pega o treinador, que ele é motivação o tempo todo, ele é o cara que vibra, que fala, que gosta de ver detalhe, aí ele chega na seleção, ele traz... o Tite é assim, para clube, ele foi campeão no Corinthians, tudo, fala bem, aquele jeito todo, mas na seleção, ele não tem o campo mais, ele perde esse dia a dia do jogador. Aí vem o Neymar, da França, aí vem o Fred, vem o Richarlyson, cada um vem de um lugar, se encontram ali, trocam figurinha, aí fica contando história como que joga lá, eu estou falando assim, resumindo um pouco do que aconteceu talvez, que vai acontecer ainda, até saindo um pouco, falando do treinador hoje, eu sou contra treinador estrangeiro, eu acho que não é necessidade para o futebol brasileiro, que vai fazer o futebol brasileiro ser campeão, futebol seleção, Abel no Palmeiras maravilhoso, o Jesus lá no Flamengo fantástico, o do Corinthians que veio, o João... esqueci o nome dele lá, enfim, esses caras, eles conseguem fazer trabalho em clubes, que é o dia a dia, que é você perceber coisas erradas, você trabalhar com desde o porteiro que está lá, o cozinheiro e tal, você junta todo mundo e fala, você corrige, o cara bateu o lateral errado, vamos corrigir. Na seleção você tem os melhores, você chega lá, o cara tem que fazer o que ele sabe, o treinador não vai chegar para você, vem cá você vai bater o lateral assim, você está batendo errado, você vai cruzar a bola de rosca, de chapa, porque não é assim que cruza. Não dá tempo de fazer isso, então o cara tem que ter...

 Luciano Pires: Tem uma tese que diz que hoje em dia ou no futuro próximo, se você quiser ver futebol para valer, você vai ter que assistir Barcelona contra Real Madrid, que é lá que está o futebol maravilhoso, por causa disso que você está falando, não dá para querer ver o futebol de primeira com Espanha contra França, porque exatamente, é uma catação de gente boa que joga em todo lugar do mundo, que chega e já entra em campo, como é que você vai motivar o cara que ganha 100 milhões de euros por temporada, que já ganhou tudo quanto é título, você vai fazer o que... se esforça aí, meu, vai lá.

Zetti: Falando desse assunto, eu fico saudosista, porque... ah 70, é que 70 a gente tinha ainda o futebol raiz, quer dizer, eu acho que o Brasil precisa voltar um pouco desse futebol, dessa situação de cobrar mais o jogador, talvez o jogador... quem disse que o jogador que sai do Brasil, vai jogar no Bayern, sei lá, no Manchester, é o melhor daquela posição? Ele é o que ganha mais, talvez, naquela posição, porque está fora, mas às vezes não é sempre... ah porque ele foi para lá, o cara que está jogando aqui no Flamengo todo dia futebol brasileiro, enfrentando pressão, o do Corinthians, o do São Paulo, do Atlético, será que aqui a seleção, não que toda a seleção tenha que ser brasileira, brasileira até dos que estão jogando aqui ainda no nosso futebol, mas a partir do momento que você pega esses atletas europeus e coloca, e junta, ele fica um futebol, talvez aí sim trazer um treinador europeu para... porque os jogadores não são mais brasileiros, a técnica deles, eles saem com 18 anos, ele vai para o clube com 13, 13, 14, 15, 16, 17, 18, cinco anos no futebol brasileiro, na base. Aí quando ele vai para a Europa, ele já está há dez anos jogando lá, então já são...

 Luciano Pires: Já virou um jogador europeu.

Zetti: Com a técnica deles, com a educação, com a disciplina, que é o que eu falei, eles não têm paciência de montar um atleta lá, então ele pega o nosso que tem... que é o Neymar, que tem toda a técnica, educa na parte tática, dá disciplina e vai jogar com os melhores do mundo que estão ali, por causa do dinheiro. Então, eu acho que talvez essa comparação de 70 para o futebol de agora fica um pouco nessa... nós tínhamos muitos jogadores brasileiros, saíam, os caras jogavam...

 Luciano Pires: Alguém comentou, eu botei, eu comentei sobre isso na rede, o cara falou, além de tudo o que você falou, é o seguinte, cara, se o cara não ganhasse, ele não comprava comida para alimentar a família dele. Que tem uma motivação fundamental, que o cara, ou eu jogo bem e ganho o título, porque é daí que vem meu dinheiro, não é... vim, perdi, e agora o que eu faço? Agora eu volto para Barcelona e meus três milhões de euros do mês já está na conta.

Zetti: O jatinho...

 Luciano Pires: Está me esperando, eu voltei para lá e... tem uma diferença aí, não é?

Zetti: É.

 Luciano Pires: Me fala uma coisa, meu caro, quanto tempo você ficou no São Paulo?

Zetti: Sete anos, de 90 até dezembro de 96, seis anos.

 Luciano Pires: Você foi o algoz, cara, você atrapalhou meu time muitas vezes, mas eu sempre te admirei, cara. Eu tenho uma tese que é a seguinte, Zetti, e eu também escrevi um texto a respeito, o Corinthians ia construir lá o Itaquerão, e eu escrevi dizendo o seguinte, se eu fosse presidente do Corinthians, eu faria um museu ali no Itaquerão com a história toda do Corinthians e com uma ala só para os grandes jogadores de grandes times com os quais os Corinthians jogou, então eu até comentei, eu ia entrar, cara, ia ter uma ala do Zetti, ia ter uma ala... que foram os algozes do meu time, porque é o seguinte, cara, quem seria o Batman se não fosse o Pinguim, então ou você tem um puta adversário que valoriza a tua vitória, ou você não tem nada, eu falei, cara, tinha que ter ali os grandes jogos, o jogo que o Corinthians perdeu porque tinha os jogadores bons, e aí... isso é o futebol, isso é o que te dá o tesão de estar jogando contra e você falou um negócio aí agora pouco, o dia que a gente fez a live, eu me lembrei que eu comentei ali, você está contando a tua lesão, quando você quebrou a perna, você falou, eu quebrei a perna dividindo uma bola com o Bebeto em um lançamento do Zico, cara, os nomes, olha os nomes que o Zetti está falando, ele não está falando que ele quebrou a perna dividindo a bola com o Zé, lançamento do Jorge, não, Zico, cara, era Bebeto...

Zetti: Aldair, Zinho, era um...

 Luciano Pires: Que eram grandes caras e tinha ali uma outra coisa romântica, que era realmente um outro futebol. Quando você pega essa garotada que cai na tua mão hoje, que vem os moleques de 10, 12, 13, que vem com cabelinho de Neymar, pintadinho de Neymar, não sei o que, você olha no olho dessa molecada aí, é a fome que você tinha, cara, quando você era moleque? O que que tem ali? Fome, sabe, de conquistar, de fazer, de ir atrás?

Zetti: Muito pouco, não vou dizer que não tenha em todos, mas é muito diferente o tratamento hoje com esses meninos em relação... porque eles já chegam com empresário.

 Luciano Pires: Com empresário?

Zetti: 12 anos, 13 anos, aí o cara... se você perguntar para o menino ali o que que você quer ser? Quer ser jogador? Quero. Você quer jogar aonde? Eu não quero jogar no São Paulo...

 Luciano Pires: Eu quero Barcelona.

Zetti: Barcelona, ele quer um Ajax, Milan, Milan nem tanto que está em baixa, mas ele quer Europa, não quer jogar no São Paulo, é raro o cara falar que quer jogar no São Paulo. Porque hoje é a vida, a vida deles de vídeo game, você pega o vídeo game...

 Luciano Pires: Então, o futebol foi o segundo lugar, o futebol passa a ser a ferramenta para ele atingir aquele glamour todo que ele vê do Neymar.

Zetti: Não vamos pôr o Neymar nessa.

 Luciano Pires: Mas ele quer ver aquilo, que o Neymar... então, eu vou usar o futebol para atingir aquilo, houve uma inversão, eu não serei aquilo por causa do futebol, portanto o meu primeiro foco é o futebol, eu quero saber da minha inint 01:18:37.

Zetti: Mas isso já é influenciado, por exemplo, tem muito pai que leva o menino lá, o cara aluga, por exemplo, um apartamento ali perto, para de trabalhar, para de fazer tudo para viver em função do menino, fala, esse menino vai ser... não vou dizer que o São Paulo está assim, ou o Palmeiras, o Corinthians, mas existe, existe o cara que fica vendo, não, o meu filho vai ser jogador, meu filho... quer dizer, o pai às vezes quer que o menino seja um atleta, que jogue em um clube, e às vezes o menino nem quer, o menino está ali por causa do pai, porque o pai obrigou, ou porque quer fazer a vontade ali, então muda um pouco esse perfil de vontade, desse brilho no olhar, de você falar assim, você quer ser jogador? Então, vai ter que abrir mão disso e ser assim. Isso é um pouco do que a gente está assim nessa fase agora da Taça São Paulo, que é um trabalho que a gente está fazendo, o Belletti hoje é o treinador lá do São Paulo, da base, está começando, quer seguir carreira como técnico profissional, mas eu acho que é importante ele passar por esse período, e aprender como que nasce o jogador brasileiro hoje, como que se forma, como que educa esses meninos, como que trabalha mais próximo. E a Taça São Paulo começa em janeiro, dia 3 de janeiro, e vai até dia 25, aniversário de São Paulo, ali reúne mais de 100 equipes, o Brasil todo, e faz aquela disputa de cidades, e ali você começa a observar se o garoto...

 Luciano Pires: Ali é um celeiro.

Zetti: ...Se ele está próximo de ser um profissional ou não, profissional de alto rendimento, porque o menino chegar com 20 anos no São Paulo, ele já é um atleta, ele já é atleta de alto rendimento, agora precisa saber se ele é um atleta que vai substituir um número 10 do São Paulo, lá do time de cima, se o técnico vai chamar esse menino ou se ele vai ser um jogador que vai se perder no interior, assim, vai começar a descer de patamar e começar a jogar em outros clubes no interior, vai jogar, vai ser bom, mas não tem aquela pretensão de chegar à uma seleção brasileira ou um clube de ponta.

 Luciano Pires: Então, Zetti, quanto disso é habilidade com a bola? Porque a gente sabe, tem um monte de caso e jogador que você fala, o cara joga que é uma loucura e não acontece nada com o cara, o cara não decola, o cara não vira, o cara não... a gente tem várias histórias de jogadores assim, quanto que... essa composição, se você pudesse fazer uma receita do jogador que vai chegar na seleção e vai arrebentar, o próprio Neymar, quanto é habilidade com a bola, quanto é sabe, botar a cabeça no lugar, quanto é a disciplina, quanto é...

Zetti: Assim, nesse livro que nós escrevemos lá no São Paulo, da metodologia do São Paulo, eu escrevi a parte do goleiro, mas tem... cada área está escrevendo a sua parte, de como funciona e como essas áreas se interligam, desde a psicologia, humanas, parte médica, física da... fisiologia, em tudo, desde a segurança, então tudo isso ela está ligada à parte de goleiro, treinamento de goleiro, e a gente dividiu em quatro pilares isso, que é a parte técnica, a parte física, parte mental, que é o comportamento e a parte de jogabilidade, que é o que ele vai executar, como que ele vai jogar futebol nos 90 minutos com todos esses contextos que é feito fora de campo, como que ele vai aplicar isso na hora do jogo, será que ele vai conseguir executar tudo isso, a parte mental dele vai estar boa, a parte física ótima, equilíbrio emocional, tudo dele, e para ele juntar tudo isso e opa, agora eu vou pôr em prática, a jogabilidade que a gente chama. E aí que sai o Neymar, o Neymar, ele tem esse equilíbrio desses pilares, então isso que a gente começa a observar, tem cara que não tem o emocional bom, aí quando chega na hora de executar, ele não está completo. E é muito difícil esse exercício de você juntar, pegar esse atleta e falar, vem cá, nós vamos ter que ter esses quatro pilares equilibrados.

 Luciano Pires: Que não se trata de chutar bem a bola, tem uma outra história aqui, bota a cabeça no lugar.

Zetti: Goleiro é muito louco, esse negócio de goleiro, de goleiro é muito louco, porque a gente criou isso aí, criou uma metodologia que é uma árvore de etapas, então o que eu quero de um menino de 10 anos, o que que eu quero dele? Eu quero que ele seja um Neymar já com... o Neymar... o Zetti, o Rogério Ceni com 10 anos? Não. Ah, mas ele vai fazer ponte, mão trocada que a gente chama, não, para quê? Ele não precisa, ele vai usar isso aí lá com 20 anos, com 17, ele pode até fazer, mas não quero que ele faça, eu quero que ele tenha fundamentos, que ele tenha... precisa nem preparo físico, também não conto ainda, então está em uma caixinha lá a parte essas coisas, mas a coordenação é fundamental, equilíbrio, parte emocional já começa. E aí vai por etapas, aí 11 anos, opa, 11 anos já preencheu essa caixinha do que ele passou com 10, mas vamos acrescentar já um equilíbrio emocional, então tem... esse trabalho, nós ficamos dois anos estudando isso no dia a dia ali, na prática, então ficou muito legal essa situação de você entender o atleta, por que que o atleta... um desenvolve mais e o outro menos, e como resgatar isso, que a gente chama de PDI, que é o plano individual do atleta, ele preencheu todas as caixinhas, mas ficou devendo uma caixinha, está lá, que nem passar de ano, ele não passou em uma matéria, vamos trabalhar isso aí, então ele não sabe sair do gol, mas não sabe sair do gol por quê? Vamos trabalhar. Mas ele tem... jogabilidade dele ótima. Eu estou falando goleiro, mas esse mesmo trabalho está sendo feito com o pessoal da linha, e aí é outra turma que desenvolve isso. Então, é um trabalho demorado, exige muita paciência com tudo e por isso que é a base, e a ideia é você entregar para o profissional toda essa qualidade, desde lá debaixo e tal, está aqui, esse é o atleta, sei lá, o Antony, como saiu agora e outros, o Marquinhos saiu, acho que o Marquinhos ainda saiu por uma necessidade, acabou sendo vendido, e o contrato também era um contrato errado, enfim. Mas é um pouquinho disso, é difícil você falar, não, 70% desse atleta é habilidade e os outros é físico. Eu falo dos pilares, então você tem que ter...

 Luciano Pires: Não, eu imagino como é complexo o trabalho de um técnico, tem que ter um psicólogo olhando, tem todo um tipo de gente ali que se você não equilibrar o cara, você pode ter um...

Zetti: É que o alto rendimento você tem que ter esse cara preparado.

 Luciano Pires: Sim, sim, a milhão. Por que que tinha dia, sem considerar se eu jogava bem ou não, por que que tinha dia, cara, que eu fechava o gol, e não entrava a bola, cara, era o demônio, não entrava bola, aí no jogo seguinte, cara, tomava gol de tudo quanto é jeito lá. O que que é essa composição que faz você... deve ter acontecido com você algumas vezes...

Zetti: Sim.

 Luciano Pires: Tem dia que você está o demônio, a bola não entra de jeito nenhum.

Zetti: Eu acho que o emocional conta, o emocional da semana, ou do que aconteceu em algum momento, isso conta também para o atleta, por isso que o equilíbrio, esse equilíbrio emocional, ele é difícil você controlar ele, mas dá para ser trabalhado.

 Luciano Pires: Que é você não deixar o extracampo... o extracampo...

Zetti: Às vezes complica assim o jogador naquele momento, o extracampo. E às vezes você está com o saldo positivo de coisas boas que aconteceram naquela semana, melhorou seu contrato, sei lá, comprou um carro novo, qualquer coisa que te dá moral e te joga lá para cima, que é o momento que você talvez faça a direção no jogo, tem isso, não que seja uma regra, mas é um pouco de trabalhado isso.

 Luciano Pires: Bom, vamos lá, você está... teve um momento ruim na tua carreira que já você chegando para o final da carreira, teve aquele... vamos falar daquele lance lá, porque é mais uma pancada que você toma, você quebra, quase acaba a tua carreira, mas você volta, e você é reconhecido como um... você era um cara diferenciado, cara, você era um cara que tinha uma puta de uma postura reta, era um cara que... e não era um cara que você desgosta, eu que era do time contrário, adoro o Zetti, o Zetti, que legal, a gente gostava de ver você, porque você tinha uma postura muito séria, o Zetti é o cara. E aí acontece um lance, conta essa história para nós.

Zetti: Foi em 93, você vê o que acontece, eu nunca sonhei em ir para a seleção, como eu estava falando lá, o Leão acho que foi uma das pessoas boas que me alertaram, que conviviam, que o Valdir Joaquim de Moraes, Tele Santana, e aí em 93, final de 92, eu fui para a seleção brasileira, comecei a ir para a seleção, sendo convocado, porque já estava com o título mundial, título... já era bicampeão paulista, bicampeão da Libertadores, campeão mundial em 92, enfim, tinha um monte de título, estava bem, estava no auge, e aí eu fui convocado.

 Luciano Pires: Que idade?

Zetti: Eu estava com... 92, 27, 27. Aí eu fui convocado para a seleção brasileira para disputar eliminatórias em 93, que é exatamente a gente ficava 45 dias lá na Granja Comari treinando, e aí jogava uma semana com Bolívia, outra semana com Paraguai, então era um jogo... era um torneio assim de 60 dias para ver a classificação da seleção para a copa. E aí nós fomos jogar na Bolívia, na verdade, a história começa em 93, na final de 93 da Libertadores contra o Universidade Católica, naquele jogo nós ganhamos de 5 a 1, no Morumbi, primeiro jogo contra a Universidade Católica, ganhamos o jogo, fui para o doping, acabou doping, caí no doping naquele jogo, fiz o doping, aí na outra semana, eu fui jogar o segundo jogo, perdemos lá de dois a zero, caí no doping, foi lá no Chile, em uma semana. Aí eu fui convocado, seleção brasileira, já tinha sido convocado, na quarta-feira jogamos contra a Bolívia a eliminatória, em La Paz, Taffarel goleiro, eu reserva, acaba o jogo, sorteio, doping, caí terceira vez assim em 15 dias três vezes o doping, eu falei que a minha bolinha estava gelada, a pessoa enfiava a mão, a bolinha gelada, opa, número 12. E aí eu fui para o doping, o Mauro Silva, e aí...

 Luciano Pires: O doping é entrar em uma sala e fazer xixi em um potinho.

Zetti: É, você entra com os médicos, tudo, o pessoal fica olhando, se não você pode pegar água da torneira, alguma coisa, então te dá um potinho, você faz lá na frente dos médicos, aí guarda, lacra, põe no isopor e manda para a Espanha, Madrid que era feito nessa época, era da FIFA. E aí está bom, fiz e tal, beleza, fomos jogar contra a Venezuela na semana seguinte, aí chegamos na Venezuela, ganhamos o jogo, classificamos, estávamos bem classificados, ganhamos acho que de cinco lá da Venezuela, ficamos em São Domingos, dia seguinte volta, vamos pegar o voo dez horas da manhã, saímos do hotel cedinho, vamos para o aeroporto, não tinha teto para voar, não tinha nem aeronave nessa cidadezinha, aí o pessoal fez a logística, vamos voltar para a cidade, vamos almoçar no restaurante, fizeram lá, aí a gente fica esperando abrir o teto aqui para ir embora. Isso lá na Venezuela. Voltamos para o restaurante, estou lá almoçando, meio dia, aí o Cosme Rimoli, que é o repórter, hoje está na Bandeirantes, mas acho que na época era do Estadão, ele chegou para mim assim e falou, Zetti, eu preciso falar um negócio com você, cara, uma notícia aí, mas... eu já, nossa, fiquei assim, no almoço, falei, o que que foi, cara, me conta. Você tomou o chá de folha de coca lá na Bolívia? Falei, tomei, tomei, tinha no quarto, tinha um cestinho no quarto, o Taffarel era o meu parceiro no quarto tomando um chimarrão, gaúcho, eu não gosto de chimarrão, tomei o chá ali, tomei no café da manhã e tal. Ele falou, então Zetti, você foi pego no doping, com vestígios de cocaína. Eu falei, nossa, caiu a casa, falei, mas como? Ele falou, então, você e o Rimba, um lateral direito também da Bolívia. E aí naquele negócio, ele falou, puts, eu tenho que dar essa notícia para você, porque essa notícia veio da Espanha, de Madrid, naquela época ainda era telegrama, sei lá o que que era. Aí eu fui para o presidente, fui lá na mesa, estava toda a comissão técnica, o presidente, médico, tudo, nós estávamos almoçando, eu fui no presidente, falei, presidente, o cara acabou de dar uma notícia aí para mim. Aí ele falou, não, não, fica tranquilo, vem aqui. Aí fui na cozinha lá, ele falou assim, não, fica tranquilo, eu vou mandar o meu avião, meu jatinho lá para Manaus, você desce em Campinas. Eu falei, não, eu falei, por que? Não tenho nada com isso. Mas aí a cabeça já começou, eu falei, esses caras já sabiam e eu não sabia, e estava assim, o jeito que eu recebi a resposta, que eles já estavam sabendo o que estava acontecendo, só que com a coincidência de não pegar o voo, porque se eu pego o voo, ninguém ia ficar sabendo, ia ficar sabendo na hora que eu desço aqui em São Paulo, desço em São Paulo, aí ia cair a cada. Aí nessa, o médico da CBF, o doutor Ricardo Teixeira, Ricardo... doutor Ricardo Teixeira, que é tio do Marcelo Teixeira, acho que é isso, aí ele falou, Zetti, como que é, como que foi sua relação aí com o doping esses dias? Eu falei, fiz o doping do São Paulo, assim e assim, foi nas duas finais e fiz esse, em 15 dias fiz esses três dopings. Ele falou, não, beleza, aí ele pegou, fez um relatório, pediu esse relatório para a CONMEBOL, dos exames que tinham dado negativo, e mandou para a Fifa, fez todo o documento, então não precisou abrir a contraprova, porque se abre a contraprova ia dar, era a mesma urina. E aí ele fez a defesa em cima dos exames e do Zetti, da minha inocência, eu nunca precisei usar droga, nada, nunca tive esse problema de envolver com droga, tudo, e claro que ficou um período assim manchado com a torcida, aonde eu ia jogar.

 Luciano Pires: Porque explodiu no Brasil, a notícia aqui foi uma loucura, aqui explodiu.

Zetti: Mas aí passou, isso foi na segunda, na sexta-feira aí veio a notícia do Ricardo Teixeira, que foi... aí ele me ligou, ele falou assim, você pode se apresentar, se apresenta aqui no Rio, do Rio você vai pegar um voo, vai para Fortaleza. Que foi o último jogo nosso, em Fortaleza, e você está na seleção, você retornou à seleção novamente, porque eu estava afastado, até aquele momento eu estava afastado. Aí voltei para a seleção, encontrei a turma lá em Recife, e seguiu a vida. Só que aí eu tinha muito medo de tomar até água assim, qualquer coisa...

 Luciano Pires: Imagino, cara.

Zetti: É, eu fiquei assim com receio de tudo, de tudo que poderia acontecer, suco, eu não tomava mais nada que não fosse assim... Coca-Cola, até fazer uma propaganda aqui da Coca-Cola...

 Luciano Pires: Tem que estar lacrada.

Zetti: Tinha que vir fechada.

 Luciano Pires: Se pintasse mais uma bomba dessa. Isso aí prejudicou a sua carreira?

Zetti: Ah, ela prejudicou em um período, não a carreira, ela ficou um pouco manchada, eu tinha que recuperar minha imagem novamente, mas eu nunca fui de, sabe, de levar uma imagem errada.

 Luciano Pires: Não, não era, por que que chamou atenção? Porque era o Zetti, se fosse um mané aí que está... que a gente sabia que era da pá virada ainda vai.

Zetti: Mas teve uma defesa muito grande assim do povo brasileiro no geral, o povo que eu digo a imprensa, o Tele Santana, os jogadores, saiu em defesa dizendo, os caras, não, eu ponho a mão no fogo pelo Zetti. Eu falei, opa, cuidado. Mas foi um momento... acho que teve coisas boas nisso, nessa passagem.

 Luciano Pires: Quando é que chegou na tua cabeça a ideia de que está na hora de parar? Teve um insight?

Zetti: Teve, teve.

 Luciano Pires: Vou te contar um insight meu, quando é que eu descobri que estava ficando velho? Um dia eu fui entrar aqui na empresa, ou em casa mesmo, e caiu a chave do carro da minha mão, caiu, caiu sem nenhuma explicação possível a chave caiu da minha mão, eu olhei para aquela chave no chão, eu falei, mas como é que essa chave caiu da minha mão? E aí eu fui entender, eu falei, cara, caiu porque o reflexo está mudando tudo, e ali eu saquei, falei, ih cara, vai começar, daí para frente foi o desmonte. Mas como é que é isso, sabe? Você está em campo e está doendo tudo, você não tem mais a resposta, o reflexo acabou, como é que é isso, você acorda de manhã e fala, cara, chega, como é que é?

Zetti: Para mim foi assim, eu não estava percebendo, não estava percebendo como que estava sendo o meu dia a dia, eu estava em 2001, eu estava com 36 anos, eu já tinha saído do Santos, já tinha ido para o Fluminense, o Fluminense 10 meses, aí veio a Copa João Havelange, aí o Fluminense não estava pagando,  sem receber durante 10 meses, falei, quer saber, vou fazer outra coisa e tal, e aí veio o Sporting Recife, o Sporting Recife montou um time muito bom com Levi Couper, eu, tinha dois jogadores... Valdo, o antigo Valdo estava lá, Eduardo Marx, tinha um time muito bom, eles queriam ganhar a Copa Nordeste, aí disputei o Campeonato Pernambucano, foi o Campeonato Pernambucano assim, para jogar a Copa Nordeste, que é a ideia. Só que no Pernambucano existe o Santa Cruz, o Náutico e o Sport, são os três, você não pode perder um jogo para os três, porque aí você não recupera mais, então você não pode, se perder o jogo para o Náutico, o Náutico passa na sua frente e você vai recuperar só contra o Santa Cruz, é assim que funciona na época. E no final nós perdemos o jogo lá para o Santa Cruz, de um a zero, eu tomei um gol que normalmente eu não tomava, eu fiz uma defesa maravilhosa assim, em um cruzamento, teve um cruzamento, o cara jogou a bola para dentro da área assim do... você imagina a bola do lado direito, passou minha área toda, a marca do pênalti, foi lá no bico da área, esse cara entrou ali cabeceando, mas não cabeceou para o gol, ele cabeceou para dentro da área de novo, e eu saí correndo assim, eu vi o atacante, eu falei, esse cara vai jogar no outro canto, eu vim correndo e saltei, falei, ele vai jogar lá, saltei, e ele jogou lá no canto, bem no ângulo assim, e eu fui e peguei a bola, nossa, aquela baita defesa assim, só que quando eu fui cair, eu não conseguia soltar a bola, eu caí dentro do gol com a bola, então foi um lance assim que, porque se eu jogo a bola, o cara estava na minha frente, o atacante ia fazer o gol, e eu me empolguei tanto de fazer a defesa firme, porque eu podia dar um... talvez um tapa para escanteio, sei lá, mas não, eu segurei, quando eu segurei eu fui caindo e meu corpo foi para dentro do gol, eu caí dentro do gol com a bola, caí na lateral assim, perdemos o jogo de um a zero. Aí a semana foi uma semana crítica, começaram a me cobrar bastante, saí do time, olha só, 36 anos, saí do time, entrou um outro goleiro que estava lá na época, o Nei, aí o time perdeu de três a zero na sequência, eu falei para o treinador, eu falei, olha, eu acho que não sou eu, acho que o time está baixo, porque tomando três a zero. Mas eu ia no campo lá treinar, eu achava a bola dura, o campo estava cheio de buraco, a minha luva já não segurava mais, eu já não jogava de chuteira, eu jogava de tênis, porque a chuteira me incomodava a sola do pé porque o campo era duro, e eu estava muito crítico, eu comecei a reclamar de tudo que a água já estava fria, sabe, aquele negócio que você... e chegou um ponto que eu falei, acho que sou eu.

 Luciano Pires: Acabou o prazer, acabou o prazer, você estava sem prazer.

Zetti: Eu não tinha mais vontade, porque a família estava aqui em São Paulo, eu estava indo lá, na verdade, para ganhar dinheiro, que era... não era mais a motivação para ser campeão, para montar um time para ser campeão. Então, o meu mental já não estava legal, já estava bem distante assim do que eu queria, eu já estava me preparando para parar, mas eu não assumia que eu estava preparando para parar. Então, as coisas começaram a ficar ruins, e eu admitia, eu falava, esse treinador não sabe nada, esse treinador que está dando treino para mim. Por quê? Porque eu já estava vivendo um outro momento assim na minha cabeça. Então, foi o momento que eu voltei para São Paulo e virei técnico, aí eu parei mesmo de vez.

 Luciano Pires: Passou para... saio do campo, mas continuo no futebol.

Zetti: Eu continuei no futebol.

 Luciano Pires: A hora que você se tornou técnico, você viu a fria que você tinha se metido?

Zetti: Nossa, com certeza.

 Luciano Pires: Aí você passou a dar valor dobrado...

Zetti: Nossa, o treinador eu vou falar, o que eu elogio o treinador e brigo pela classe, que eu acho que é uma classe que ela não é unida, infelizmente o treinador no Brasil não é unido, não tem sindicato, essas coisas que briga pelo treinador, o treinador é cada um por si, se vai, se é mandado embora, todo mundo, ah mandou embora o treinador. Mas ninguém fez greve, ninguém... os caras só, nossa, mas não pode, e assim, ninguém fala, o clube só pode mandar uma vez o treinador embora, enquanto não pagar aquele treinador, você não pode contratar outro, observa isso, manda, manda cinco embora, fica lá, não paga, e contrata outro, aí vem. Então, um pouquinho... essa classe no Brasil do treinador, ela é distante um do outro assim, não tem essa união.

 Luciano Pires: E também é interessante porque a gente consegue forma jogador direto, mas não forma treinadores. Você falou Rubens Mineli, cara, não apareceu, acho que o último que apareceu que você olha e fala, cara, esse surgiu, não sei se foi o Luxemburgo ou foi o Tite, quem sabe que apareceu com estrela, que você fala, cara, entra para o panteão dos grandes técnicos?

Zetti: Poxa, é difícil, se pegar a geração Murici, os campeões que foram assim direto, mas aí vem o Cuca ganhou um campeonato, o Dorival, o próprio Rogério. Mas eu vi uma entrevista do Dorival Júnior agora, até depois da copa, que eu achei muito bacana, interessante quando foi perguntado esse negócio de treinador estrangeiro, ele falou, bom, se for trazer um estrangeiro, traz o melhor, porque o Brasil não é o melhor futebol do mundo? Traz o melhor, se não, não adianta trazer qualquer um aí desconhecido, ele tem que ser o melhor para treinar o melhor time do mundo, que é Brasil. Então, nesse ponto eu concordo. E perguntado por que que os treinadores brasileiros não são melhores do mundo, ele falou, porque até hoje a CBF, que agora começou a CBF Academy, que eles chamam, que é uma faculdade que se faz, você é obrigado a tirar a carteira de treinador para poder trabalhar no Brasil, só que ela não é reconhecida pela FIFA, então você trabalha... você estuda, que eles exigem que todos os treinadores tenham essa carteira, eu até esqueci o... é carteira profissional, exige, para você trabalhar em qualquer clube brasileiro, você tem que ter. Mas se você for para Portugal, não vale, não reconhece, você tem que levar um credenciado que seja um intérprete, um cara que é credenciado com a carteira, que não é treinador, só para assinar a responsabilidade de técnico.

 Luciano Pires: Meu Deus, que coisa amadora.

Zetti: É recente aqui no Brasil esse curso que o treinador tem que fazer, é obrigado a fazer, é muito recente, mas não é aprovado, não é que nem a AFA, na Argentina você faz o curso, você pode trabalhar em qualquer lugar da Europa, no Brasil não, no Brasil você faz o curso, você tira essa credencial, mas não pode sair do Brasil. Louco. Aí nós temos esse problema de treinador, aí você vai falar, ah mas Campeonato Brasileiro vai começar... o Paulista, se eu não me engano, aí eu vi, nesse Campeonato Paulista vai ter 11 treinadores estrangeiros, 11 treinadores de fora.

 Luciano Pires: Agora, é? Caramba.

Zetti: Muito louco.

 Luciano Pires: Você acompanha outros esportes? Você acompanhou o vôlei? Você jogou vôlei.

Zetti: Eu acompanho às vezes.

 Luciano Pires: Você acompanhou os treinadores de vôlei do Brasil?

Zetti: Sim.

 Luciano Pires: De basquete... bem, Bernadinho.

Zetti: Bernadinho, Zé Roberto.

 Luciano Pires: Você acha que um... se você pegar o Bernadinho e botar ele para treinar a seleção brasileira de futebol, o que acontece?

Zetti: Ah, ele precisa ter um auxiliar que manje de futebol, eu acho que é um casamento bacana, eu acho que é interessante, porque eu adoro o Bernardinho, eu sou suspeito para falar dele, desse lado motivação, de improviso, ele é improviso, ele faz cada coisa com o time, com a seleção, porque é muito... você tem que ter um raciocínio muito rápido ali na hora de resolver o problema que você tem pela frente. E às vezes não é escrito isso, não é um protocolo, você fala, puts, se o jogador for no fundo, eu tenho que fazer isso, não tem um protocolo escrito para a realidade do que é certo no futebol. Eu acho que o Bernardinho, ele consegue improvisar no vôlei coisas que... palavras, frase, atitudes que eu acho que faz a diferença. Eu não sei se ele teria saco para fazer isso.

 Luciano Pires: Na idade que ele está agora acho que já era, que já passou, se tivesse uns 10, 20 anos atrás, acho que ele teria para fazer lá. Cara, o que que você vê do futuro aí, o que que acha que o Brasil vai... futebol está mudando barbaramente, a gente vê uma copa como essa aqui, já vê cara, é pau a pau, já não dá para entrar em campo e falar, esse é o... o Brasil essa pau a pau com os caras lá, não dá mais para brincar em jogo nenhum. Então, aquela história do melhor futebol do mundo, aquela coisa que enchia os olhos da gente, onde a gente chegava e ficava todo mundo espantado, o que que esses caras fazem com a bola é uma loucura, hoje em dia parece que nivelou tudo, e cara, nós vamos para 24 anos sem ganhar um título, Alemanha encostada na gente, já com quatro, ou seja, o que que você vê pela frente aí? E eu vejo uma história de que tem que reformular o futebol, quando nós tomamos o 7 a 1, parecia que o Brasil ia virar de ponta... não aconteceu nada, a gente continuou na mesma batida, o que que você pela frente, e você que está dentro de um ambiente profissionalizado, que se preocupa em botar um cara do teu nível para cuidar da categoria de base, então o que que você vê, cara?

Zetti: Luciano, eu não tenho uma opinião formada assim do que eu vejo, porque eu fiquei surpreso assim com o que aconteceu com a seleção esse ano, da maneira que saiu, não por ser Croácia, por não ter uma atitude de ganhar o jogo como a Argentina ganhou, Argentina foi lá, pegou a Croácia e ganhou de três. Os caras, ah 1 a 0, daqui a pouco 2 a 0, Croácia está em cima, 3 a 0. Então, futebol é esse resultado, o Brasil não teve essa postura de falar assim, fizemos 1 a 0, mas falta cinco minutos, não vamos tomar o gol, ou ganhar no tempo normal.

 Luciano Pires: Cai no chão, quebra o outro cara, seja expulso.

Zetti: Você não pode terminar um jogo contra a Croácia, no país do futebol, que nós temos essa... zero a zero, para ir para a prorrogação. Tem que ganhar o jogo no tempo normal, ah mas pegou a França e perdeu... aí é outra coisa, França, mas a Croácia ainda eu acho que o Brasil tem futebol para isso.

 Luciano Pires: Se tivesse acabado aquele jogo 3 a 0 para o Brasil, seria um resultado normal, do jeito que o jogo foi, do jeito que o jogo andou, se tivesse terminado 3 a 0 estaria tranquilo, poderia ter sido 3 a 0.

Zetti: Você não pode perder para Camarões do jeito que... então, mas o jogador tem que sentir isso, tem que sentir essa dor da derrota, que fala, puts... quando teve a derrota, acho que foi Camarões, eu falei, o Brasil vai ser campeão, porque aprendeu, já sabe como que está sendo difícil, não pode entrar com time reserva, não pode, tem que pôr o pé, tem que fazer alguma coisa diferente. Mas não aconteceu isso, então ainda nós somos ainda o país meio de curtir o momento ali, fez o gol, o Brasil acho que deixou a seriedade de lado, acho que não foi um time que entrou com muita seriedade mesmo, talvez motivado, os caras motivados, tem a copa do mundo, que nem o Zagallo falava, coração no bico da chuteira, vai ter que me engolir, mas tinha além da seriedade, se tinha disciplina, o comportamento.

 Luciano Pires: Você acha que faltou maturidade ali?

Zetti: Faltou.

 Luciano Pires: Faltou um Dunga?

Zetti: Nossa, com certeza. Faltou um Dunga, um Romário, um cara para botar ordem...

 Luciano Pires: Para botar ordem na casa.

Zetti: Faltou talvez a genialidade do próprio Ronaldo na copa de 2002, de alguns jogadores que eram mesmo responsáveis dentro de campo e chamar mesmo, e falar, espera aí, vamos sério o negócio aqui. E a tática do Brasil, taticamente, nós estamos jogando igual o futebol europeu, muito parecido, e não é essa a nossa raiz, acho que isso... e se você traz um treinador estrangeiro vai... aí sim que nós vamos perder mais ainda, porque os caras estão fazendo isso há cem anos, futebol tem mais de cem anos que veio da Inglaterra, que os caras jogam, e nós temos também quantos cem anos aqui de jogo, futebol raiz, Brasil, aí nos últimos, eu acho que depois de 2002, acho que depois de 2002 nós mudamos a nossa característica de jogar porque os jogadores nossos estão lá. Não sei, é uma visão minha, Zetti que está falando.

 Luciano Pires: Não, mas isso tem tudo a ver, perder essa personalidade nossa.

Zetti: Não tenho uma opinião formada do que vai ser, vamos lá, vamos estudar, vamos entender e...

 Luciano Pires: E o livro do Zetti vai sair?

Zetti: Então, esse livro...

 Luciano Pires: Não o que você está fazendo lá, eu quero a história do Zetti, cara, como é que é?

Zetti: Eu acho que vai sair, acho que vai sim, vai, eu tenho... meu filho Pedro, ele trabalha comigo lá, ele gosta, ele me explora o tempo todo, a gente está junto todos os dias, e ele... e eu falo que ele sabe mais da minha vida do que eu, às vezes eu pergunto para ele, como que é isso aqui? Ele fala...

 Luciano Pires: Você tem uma rede social animada, que o pessoal pode entrar lá e...

Zetti: Eu tenho o Zettioficial, que é o Instagram, eu tenho no YouTube eu tenho alguns vídeos bacanas que eu fiz contando histórias, história da calça, porque que eu comecei a jogar com a calça, que tem uma visualização bacana.

 Luciano Pires: Por que que você começou a jogar com a calça?

Zetti: Eu machuquei a perna no jogo em 91 para 92, foi no interior, acho que foi em Bauru, noroeste, sei lá, que nós fomos jogar, e uma lesão grave, uma lesão que parecia que eu caí de moto assim, sabe? E jogava com aquele short curtinho que parecia a polpa assim, todo mundo jogava assim, não era esse shortão, essa bermudona, era feio assim. E eu machuquei e eu tive febre, sabe, eu passei mal durante um mês, eu não conseguia voltar a treinar, que ficou aquela cicatriz feia assim, deu íngua.

 Luciano Pires: Você ralou a perna?

Zetti: É, deu uma infecção grande, porque na quarta-feira, nós fomos jogar no sábado, na quarta-feira teve um rodeio no estádio, porque era normal isso aí, rodeio, cavalgada e tal. E quando eu caí e ralei, com certeza infeccionou, infeccionou e é muito quente, ficava aqueles caroços de barro assim com grama, tudo misturado, e aí eu comecei... quando eu voltei, eu comecei a jogar com calça, treinar, treinava com calça, com uma proteção assim de espuma, e não aparecia a espuma, eu ficava com a calça para segurar. E aí eu comecei a jogar assim, foi, na Libertadores foi dando certo, aí a empresa na época do material esportivo desenvolveu um tecido que não encharcava, falou, não, põe esse tecido que não encharca, e realmente foi a acostumando e virou a calça comprida. Eu conto essa história, e tem outras, tem histórias de títulos, histórias do brasileiro, quando eu fiquei invicto 1232 minutos, então tem umas histórias, Toledo, eu conto a história de Toledo lá, copa do mundo tem alguma coisa. É bacana.

 Luciano Pires: Vamos terminar aqui, qual foi o jogo da tua vida, cara?

Zetti: O jogo da minha vida foi no Pacaembu, um jogo em 94 contra o Palmeiras, Libertadores, nós saímos zero a zero o primeiro jogo, esse jogo foi assim. Fantástico mesmo que o Palmeiras tinha um super time, Palmeiras tinha o time com Zinho, Mazinho, Cleber, era Antônio Carlos, Rincón, Edilson, Evair, nossa, Edmundo, era um super time, e nós tínhamos um time que vinha do título de 93, e ali eu fiz chover naquele jogo, foram quase dez defesas assim difíceis, defesa muito segura, técnica, mas difícil. Então, eu falo assim, esse aí foi o jogo mais difícil, aí tem o jogo assim, a defesa mais... eu falo assim, a defesa mais importante que nós tivemos, que foi uma defesa de pênalti em 92 contra... nossa, foi contra... ah fugiu o nome lá, que é o Gamboa que bateu, New Old Boys, essa defesa foi de pênalti e ali deu o título para o São Paulo, primeiro título da Libertadores e foi o caminho para depois conseguir em 93. E a defesa mais difícil que eu fiz, era individual, foi contra o Palmeiras também, em um 4 a 2, no jogo... no 2 a 1, que foi o jogo de volta do Campeonato Paulista, em 92. Então são as histórias.

 Luciano Pires: Boas histórias.

Zetti: Tem bastante.

 Luciano Pires: Grande Zetti, grande papo aqui, cara, muito legal. Então, a ideia desse programa aqui é falar de empreendedorismo, de liderança e tudo mais, e cara e os paralelos com o esporte são fantásticos, e eu tenho uma tese de que você explica o Brasil através do futebol, o futebol explica tudo, tudo o que você imaginar do Brasil, você tem um paralelo no futebol, que é aquela coisa da... a capacidade que o brasileiro tem de fazer chover quando ele está em um grupo e não está preso, sabe, você tem um grupo, bota o grupo, deixa o pessoal agitar e a gente faz chover, a gente pinta e borda. Quando você começa a prender o grupo, não pode isso, não pode aquilo, regrinha, a gente desanda, fica igual o resto do mundo e acaba desandando, tanto que explica, quando você olha quando é que o Brasil é campeão mundial de vôlei, cara? Meu, quando tem um grupo de avião, tem um técnico que explora os caras e vai, moçada, inventa. Quando você começa a tentar implementar... cortar a asa da turma, não dribla tanto, cara, não vai, espera, fica mais, segura aqui, não avança, aí começa a perder aquilo que você falou logo atrás ali, o jeito brasileiro de...

Zetti: A essência.

 Luciano Pires: A essência do jogo. Quer dizer, não dá para ignorar que o futebol é outra coisa hoje em dia, mas não dá para abrir mão do Neymar fazendo aquelas piruetas, bicho, não tem como.

Zetti: Então, mas nós temos assim, vamos falar de seleção argentina que tem o Messi, hoje você tem 10, 9, goleiro põe de fora, mas tem 9 jogadores que sabem o que é o Messi e que tem que jogar para o Messi, aí você dá a bola para o Messi, aí o Messi fala assim, eu tenho que jogar para esses 10 caras que estão fazendo de tudo por mim, isso é o que acontece, hoje a Argentina... e a Argentina está com um futebol, vamos dizer, raiz, ela tem ainda esse futebol guerreiro, tem o Messi, mas os caras são muito fechados...

 Luciano Pires: Marrentos.

Zetti: Marrento, é, você vê que a seleção, ela está muito compacta, o Brasil, resumindo isso, mas o Brasil tem o Neymar, o Neymar é um dos melhores jogadores do mundo, está ali entre o Messi, só que assim, todo mundo quer jogar para o Neymar, mas quer jogar para ele também, porque a gente tem jogadores com qualidade, e quando você joga para o Neymar, o Neymar demora para pensar e racionar dentro de campo que opa, eu preciso fazer alguma para eles. Então, demora um pouco esse retorno da entrega dentro de campo, eu acho que não sincronizou.

 Luciano Pires: Que era o que os Ronaldos tinham, os Ronaldos tinham, o Rivaldo... aquilo era um reloginho, aquilo era um reloginho.

Zetti: Tínhamos ali o Marcelo, lateral esquerdo, Cafu, tinha os caras que faziam a diferença, mas sabiam que mesmo fazendo a diferença, o mais importante era o Rivaldo, era o Romário na época, então vocês tinham as referências. A gente falava muito no grupo do Tele Santana, a gente falava assim, gente, o Tele vai ser sempre o mestre, nós vamos ganhar o jogo e o mestre que fez tudo isso, mas vamos juntos, vamos se não... nós temos que ganhar juntos, e ganhando vai aparecer o mestre, mas nós vamos estar juntos. Então, eu acho que é um pouquinho disso, o Messi aparece, mas todo mundo está ali junto com ele com certeza na Argentina.

 Luciano Pires: Agora é o último, para terminar, da tua carreira inteira, quem é o jogador que você viu o jogar e fala, inacreditável, esse é de outro planeta, que era assim, cara, que não entendi o que esse cara faz, eu não consigo entender o que esse cara faz de tão...

Zetti: Ah, eu vi vários assim, mas por exemplo, jogando comigo, jogando assim quase quatro anos, o Muller.

 Luciano Pires: O Muller?

Zetti: O Muller era um cara extraordinário dentro de campo assim com perna direita, perna esquerda, rápido, veloz, arranque, finalizava muito bem, então era um cara que fazia diferença. Agora, eu joguei com Romário e joguei com Ronaldo, e fica difícil escolher um assim e falar quem é melhor, são características diferentes, mas o Ronaldo fenômeno eu acho que era o cara mais completo em tudo assim, arranque, finalização, velocidade, no auge dele, depois que machucou, ele começou perder um pouco a referência, mas ele era diferenciado assim, diferenciado, hoje ele seria... nossa. E tinha muitos jogadores bons nesse período.

 Luciano Pires: Tem um documentário na Netflix da copa de 2002, a copa que nós ganhamos, na Netflix, e tem uma cena que eu fotografei a cena para publicar, que a câmera está ali, eles estão entrando em campo, saindo do túnel para entrar em campo, a câmera vem atrás, e tem três caras andando, o Ronaldo, acho que o Rivaldo e o...

Zetti: Ronaldinho Gaúcho?

 Luciano Pires: Gaúcho, eles estão os três caminhando, você vê os três de costas, eles vão entrar em campo, você vê aquilo e fala, cara, você imagina o adversário vendo esse trio entrando em campo, o que que não é aquilo lá.

Zetti: Esse time era fantástico.

 Luciano Pires: Sorte que a gente viveu isso e sorte minha ter sido contemporâneo desses caras, teu contemporâneo, poder ver você sacanear meu time lá, mas valeu.

Zetti: Grandes jogos.

 Luciano Pires: Grande Zetti, cara, que baita papo, muito bom, obrigado a você por ter dado um pouco da tua vida para vir aqui trocar uma ideia com a gente.

Zetti: Não, eu feliz em poder participar aqui com você, que eu vou para Cotia todo dia durante 50, 50, 60 minutos, que eu pego a estrada, estou lá te escutando com o café lá, tomando um cafezinho.

 Luciano Pires: Legal, cara, muito bom, obrigado, estamos aí sempre, um abraço.

Zetti: Feliz, valeu.

 Luciano Pires: Muito bem, termina aqui mais um LíderCast, a transcrição deste programa você encontra no LíderCast.com.br.

Voz masculina: Você ouviu LíderCast com  Luciano Pires, mais uma isca intelectual do Café Brasil, acompanhe os programas pelo portalcafebrasil.com.br.