LíderCast 263 - Marcelo Suano

Data de publicação: 02/03/2023, 18:15


Luciano Pires: Bom dia, boa tarde, boa noite, bem-vindo, bem-vinda a mais um LíderCast, o podcast que trata de liderança e empreendedorismo com gente que faz acontecer. No programa de hoje temos Marcelo Suano, que se formou em filosofia, mas mergulhou no estudo das relações internacionais para se transformar em um cientista político. Um dos temas de sua preferência é o estudo do pensamento militar brasileiro, que está profundamente entranhado no DNA dos brasileiros, embora muita gente não acredite nisso. Um papo muito interessante sobre o funcionamento do exército, com direito a uma aula sobre o conflito Rússia e Ucrânia.

Muito bem, mais um LíderCast, para não perder o embalo, eu começo sempre contando como é que o meu convidado chegou até aqui. Estava eu, vamos ver quem pega a referência, hein? Estava eu abatendo uma lebre, quem tiver a minha idade vai lembrar, era assim que o Carlos Imperial começava as colunas que ele escrevia, acho que era no Pasquim, em algum lugar, estava eu abatendo uma lebre, estava tranquilo assistindo televisão, de repente olhei na Jovem Pan, estava tendo uns comentários lá, aí vi um comentarista novo que apareceu ali, falei, que legal, o cara está em uma linha interessante, não é histriônico, não está puxando o barco para nenhum lado esquisito, falei, uma hora que eu puder vou entrar em contato com ele. E acabei tendo a chance de achar o contato, mandei uma mensagem para ele, ele respondeu na hora, cara, quando você quiser vamos conversar, então vocês acabam de ouvir tudo o que eu sei dele, esse é o máximo, então vai ser um LíderCast daqueles que eu gosto de fazer, que nós vamos explorar aqui e trocar uma ideia bem produtiva aqui, vai ser nutritivo para todos nós. O programa começa com três perguntas, você não pode errar nenhuma delas, depois pode chutar à vontade, mas as três você presta atenção, hein? Seu nome, sua idade e o que que você faz.

Marcelo Suano: Já estou pensando para ver se eu não erro. Meu nome é Marcelo Suano, na verdade é Marcelo José Ferraz Suano, mas o nome que eu me apresento é Marcelo Suano, minha idade 55, eu sou cientista político, na verdade, eu sou formado em filosofia, aí que eu comecei, eu sou formado em filosofia, passei a me dedicar a ciência política, estudando na ciência política o pensamento político e militar brasileiro, é nisso que eu sou especializado. Até fazendo uma leitura diferente, porque normalmente as pessoas quando querem falar dos militares, elas olham para os militares e dizem assim, é representante da burguesia, ou é representante da classe média, e fica tentando colocar dentro da lógica da narrativa da história marxista, que tenta botar como luta de classe, eu fiz diferente, eu fui aluno e fui alguns dizem que eu sou um dos únicos discípulos que ele teve de verdade, o nome dele é Oliveiros Ferreira, ele foi editor chefe do Jornal Estado de São Paulo durante décadas, e ele foi professor da Universidade de São Paulo, eu fui um dos alunos dele que acompanhou ele durante 12 anos, e fazendo o meu mestrado e o meu doutorado sobre o pensamento militar brasileiro. E qual era a lógica dele? Ele tinha uma interpretação de que a história da república era a história da autoconstrução do exército, eu peguei essa ideia e a partir daí eu passei a aplicar a metodologia da filosofia para reconstruir os discursos militares e o pensamento militar, mostrando como a república e a história do Brasil se dá pela construção, a autoconstrução e a construção da identidade dos militares.

Luciano Pires: Talvez se explique porque você não consegue aqui dar um bom dia para alguém sem tocar em assuntos que tenham a ver com militares, nós vamos falar bastante sobre isso ainda. Deixa eu dar uma investigada em você, você nasceu aonde?

Marcelo Suano: Nasci em Manaus.

Luciano Pires: Manaus, cara?

Marcelo Suano: Manaus, sou amazonense. Mas meus irmãos brincam dizendo que eu sou cabocuxo, porque caboclo é do Amazonas, mas eu morei muito tempo no Rio Grande do Sul e parte da minha família é do Rio Grande do Sul e mora no Rio Grande do Sul, então sempre fiquei fazendo ponte Manaus, Rio Grande do Sul, saí de Manaus muito novo, fui morar em Campinas, na Escola Preparatória de Cadetes do Exército, que eu fiz colégio militar e fiz Especex.

Luciano Pires: Cara, se isso aqui fosse Europa, você teria nascido em Portugal, tinha morado no fim da Rússia lá, do outro lado da Rússia.

Marcelo Suano: Saí de um ponto para o outro, morei 15 anos em Porto Alegre, fiquei parte lá e lá foi que eu tive o meu primeiro contato com a mídia de verdade, lá eu ficava três dias por semana na TV, ficava quase cinco dias por semana na rádio, por quê? Porque lá abre-se muito espaço, você começa... aí quando você solidifica, beleza.

Luciano Pires: É, eles têm uma visão bem regional, a comunidade lá tem muito essa coisa da regionalidade. A TV tem programação regional, é tudo muito claro ali, tem coisa que é coisa de gaúcho para gaúcho.

Marcelo Suano: Posso fazer uma brincadeira que eu faço? Eu digo assim, o Rio Grande do Sul é a Las Vegas do Brasil, aí todo mundo pergunta, por quê? Por que tem festa, jogo? Não, é porque o que acontece lá, fica lá, tudo regional, não sai de lá, e fica lá, mas também estoura por lá, fica...

Luciano Pires: A empresa que eu trabalhei 26 anos é gaúcha, então eu tive contato com eles direto e fui muito para lá. Você tem irmãos?

Marcelo Suano: Tenho, tenho dois irmãos homens... não, na realidade, tenho dois irmãos homens e duas irmãs mulheres, uma delas é uma irmã de criação, mas que foi praticamente ficava, a Eunice, a mais velha, o Murilo, o Mário e a Isabel, são os meus quatro irmãos.

Luciano Pires: Seu pai e sua mãe faziam o que?

Marcelo Suano: O meu pai é bem interessante, o meu pai, ele é um cara que se fez sozinho, ele é filho de italiano, em Manaus ele se tornou empresário, se tornou... primeiro ele foi fiscal da fazenda, depois ele...

Luciano Pires: Como é que ele foi parar lá, cara?

Marcelo Suano: Aí é que está o detalhe, essa história eu vou contar como eu sei, e não pergunto muito, porque determinadas perguntas você não deve fazer. Conta-se a lenda que o meu avô, ele saiu da Itália por problemas políticos com 14 anos de idade, eu te pergunto, quantas pessoas saem com 14 anos de idade por problema político de um país?

Luciano Pires: Acho que só Reinaldo Azevedo, que veio dizer que ele era trotskista com 15 anos de idade.

Marcelo Suano: Pois é. Então, meu avô saiu e ele foi para o interior do Amazonas na época da borracha, e lá ele conheceu, acabou casando com a filha do cacique de uma tribo do interior, ou seja, eu sou descendente, metade do meu sangue é português, porque a minha mãe, ela é filha de portugueses de nomes tradicionais, é Ferraz e Freire, que são nomes tradicionais de Portugal, e o meu pai italiano, meu pai filho de italiano com índio, por isso que muitas vezes eu em especial nos comentários que estão acontecendo hoje, quando eu vejo essa brincadeira que estão fazendo, tentando jogar tudo culpa no governo que passou, porque a questão não é dizer que ninguém é santo, mas tentar trazer os fatos, entendeu? Fica jogando culpa, fica dizendo que o que está acontecendo lá... gente que põe uma pena na... põe uma pena no pescoço, põe uma pena na orelha e diz, não, sou índio, porque se formou em amazonisse na USP e acha que entende tudo do Amazonas e não conhece nada.

Luciano Pires: Bota Roberval Kaiowá no nome dele nas redes sociais e sai cantando...

Marcelo Suano: E lá eu cheguei a falar uma vez isso, inclusive, eu poderia, por exemplo, requerer o fato de eu ser 25% do meu sangue indígena, eu poderia dizer que eu sou índio, e poderia mesmo, mais do que muita gente está se apresentando, colocou o nome Tupi Guarani ou qualquer coisa, e diz que é índio, não é, não tem nada, mas tenta de alguma forma reivindicar direitos ou reivindicar privilégios por causa disso. Então, eu tenho essa ascendência indígena, italiana e portuguesa...

Luciano Pires: Por que que você falou que a lenda diz? É real isso, ele casou mesmo com a filha do cacique?

Marcelo Suano: Não, ele casou com a filha do cacique, a lenda diz da saída dele por razões políticas, a gente não sabe, então a gente pega e diz que ele deve ter saído realmente...

Luciano Pires: Você conheceu a sua avó?

Marcelo Suano: Eu conheci a minha avó sim, índia, a que é índia, mas é muito curioso porque ela era da fronteira do Brasil com o Peru, mais uma brincadeira que a gente sempre fazia, uma vez foram me chamar de tucano em um programa lá no Rio Grande do Sul, porque era a época da polarização entre dois partidos e tinha um partido com o símbolo de tucano, aí eu disse, olha, muito obrigado, mas eu sou realmente tucano, mas desceram malha, e agora eu vou explicar, porque a tribo de onde minha avó vinha era a tribo dos tucanos, é por isso que eu sou tucano. Mas ela não tem traços indígenas, ela não tinha traços indígenas, os traços dela, muito pelo contrário, eram traços mais caucasianos.

Luciano Pires: Mas mesmo na cor, no cabelo e tudo mais você conseguia...

Marcelo Suano: O cabelo, mas o cabelo tradicional...

Luciano Pires: E a cor da pele também?

Marcelo Suano: A cor da pele mais para... era um moreno muito claro, quase caucasiano.

Luciano Pires: Quer dizer, o pai dela também deve ter feito uma... ou a mãe dela...

Marcelo Suano: A gente não tem a menor noção, sabe-se que é uma etnia, um povo indígena daquela região, e o meu avô quando foi para lá, ele acabou, conta a lenda também que ela era uma mulher muito bonita, e foi lá, aí ele acabou se amancebando dela e a partir dali...

Luciano Pires: Cara, eu vou te contar uma história aqui que é irresistível, cara, que aconteceu comigo. Eu lancei um livro, eu fiz junto com a Maurren Bisiliar, que era uma fotógrafa muito conhecida aqui no Brasil, e o Orlando Villas Boas, e eu conduzi o processo do livro e tudo mais, então convivi com o Orlando muito, a gente viajou bastante, conversou muito, tive muito na casa dele, e quando a gente foi lançar o livro dele em Curitiba, tinha um senhorzinho ali, ele me levou para conhecer esse senhorzinho, um médico, bem velhinho, parece até o doutor fulano de tal, ele é o pai do parto de cócoras no Brasil, parto de cócoras. Aí eu fui conversar com ele, como é que é isso aí? Ele me contou uma história que é inacreditável, ele falou, eu sou médico, uma especialidade que eu não lembro qual é, e estava estudando alguma coisas nas tribos indígenas, que tinha uma coisa que chamava muito a atenção da gente, tem uma doença que dá nos... não sei se só nos indígenas, mas nas mulheres, e que elas acabam afrouxando os músculos da virilha e tudo mais, e que um belo dia o útero pode até sair por aquilo e tem um nome dessa doença, e ele uma situação estranha, que ele falou, tinha uma tribo de índio que ficava em uma margem do rio e a outra na outra margem do rio, a da margem de cá, essa doença incidia e na margem de lá, nenhuma delas tinha a doença. E nós fomos pesquisando aquilo para entender porque que só um rio separando, qual é a diferença? E tribo não é aquela história de porque está perto uma da outra, elas são iguais, elas são tribos que têm até cultura diferente...

Marcelo Suano: Essa é uma outra lenda que ficam falando por aí para tentar justificar as suas políticas.

Luciano Pires: E ele falou, depois de mil exames, e depois de meses e meses, eu descobri o que que foi, uma delas os índios usavam bancos e cadeiras, na outra eles só trabalhavam agachados. Elas passavam o dia inteiro agachados, que nem faz o caipira antigo no interior, toda hora o cara está agachado, ele falou, eu fui estudar isso aí, e descobri que o agachar talvez seja o exercício mais saudável que o ser humano pode fazer, e ele começou a me explicar a mecânica do agachar, e falou, sabe o que acontece? Elas passavam o dia inteiro levanta e agacha, levanta e agacha, e muito tempo agachadas, isso faz com que a musculatura pélvica delas ganha uma resistência, ganha uma força que nenhuma mulher tem, então ele apontou para uma das meninas que estavam tomando conta ali, ele falou, está vendo aquela garota lá? Uma menina de seus 19 anos de idade, bonita a garota, tudo bem, cara, a índia tem uma musculatura vaginal por causa de ficar agachada, que nenhuma mulher com 19 anos de idade se equipara à uma índia de 50, ele falou, então o que acontece? Um garimpeiro acostumado com mulheres brancas, quando ele pega e transa com uma índia, ele fica louco, ele fica enlouquecido porque ele pega algo que ele nunca experimentou, por isso é que os caras ficam doidos com as índias. Cara, e era um médico me dando essa explicação, eu nunca podia imaginar uma coisa dessa, então acho que o teu avô pegou uma índia que agachava...

Marcelo Suano: Muito provavelmente. E olha, com esse negócio de agachar, olha que coisa curiosa, eu estava um tempo desse lendo e explicaram que o fato de você... até a evacuação é errado porque é sentado, o correto seria o agachado, por exemplo, tanto que já estão desenvolvendo em alguns países com tecnologia, já colocam que o assento fique em uma posição que você fique agachado, porque a posição do agachado é para a musculatura para toda... é totalmente mais, eu diria, mais positivo...

Luciano Pires: Não, é natural.

Marcelo Suano: É mais natural, é isso mesmo, é isso aí.

Luciano Pires: Mas vamos lá, qual era o seu apelido quando você era criança?

Marcelo Suano: Tinha vários.

Luciano Pires: Qual é o que pegou mais?

Marcelo Suano: Nenhum pegou, porque eu nunca levei apelido a sério, eu sempre levava na gozação.

Luciano Pires: Se tivesse levado a sério tinha pegado.

Marcelo Suano: Ah, pegava, então como eu nunca levei, levava numa boa, e na minha época, não sei se é da tua época, apelido não tinha esse negócio de bullying não, você tinha todo mundo um apelido, todo mundo tinha um apelido, não existia isso. E por exemplo, na escola militar, a gente tinha apelido lá na escola militar, o pessoal para me... tanto que não pegou, mas para fazer gozação comigo, eles diziam assim, como eu sou estatura baixa e eu era muito forte, eles diziam, isso é um quadrado, como ele é índio, quadrado sentado, era assim que o pessoal fazia gozação comigo, mas nunca pegou esse apelido. Mas por exemplo, na escola militar todo mundo tinha apelido.

Luciano Pires: Mas pequenininho lá, mais novinho, moleque de tudo?

Marcelo Suano: Bah, não... fuinha, meu irmão me chamava de fuinha, mas também nunca pegou.

Luciano Pires: Eu preciso de um fuinha para conectar a próxima pergunta até, o que que o fuinha queria ser quando crescesse?

Marcelo Suano: Puxa, eu vou te falar, como todo moleque brasileiro que nasceu na década de 60, em Manaus, o que que a gente queria ser? Jogador de futebol, só que aí vem um detalhe, eu nasci em Manaus, qual é a vantagem? Zona franca se Manaus, eu me lembro que o pessoal falava aqui, uma vez nós viajamos para o Rio, fomos para a praia, nossa, vai ter um passeio de moto, aí a gente olhou, porra, era 125, 75, a gente falou, mas isso é velocípede na nossa terra, porque lá chegava as Hondas 1000, Kawasaki Ninja, eram essas motos que a gente tinha, por que eu estou dizendo isso? Quando lançava música, chegava tudo lá nos LPs, por exemplo, meu irmão era fanático por rock, então eu fui educado ouvindo os rocks ingleses e americanos quando eles eram lançados, porque quando chegava no Brasil, lá em Manaus já chegava, chegava muito antes, então a gente ouvia, então meu irmão tinha uma coleção de LPs de rock fantástico, por exemplo, [Nasa] Bloster Cult, o Rush quando o Rush era bom mesmo de verdade, então praticamente a minha educação musical foi de rock, foi toda ela com rock. Aí por que eu estou contando essa história, porque eu era apaixonado pelo rock, então eu sonhava ou em ser dançarino ou guitarrista de rock, porque aquilo chegava para mim com uma natureza... uma naturalidade fantástica, a gente via aquilo com, eu olhava assim, mas por que que esse pessoal está ouvindo essa música aí no Brasil? A gente brincava até assim, porque para nós chegava o que tinha de Europa e chegava dos Estados Unidos, a custo imposto zero.

Luciano Pires: Manaus e o Amazonas tem uma relação interessante com o Brasil, um negócio que  foi muito pouco estudado, cara, eu queria ter visto... eu quero ver um dia alguém fazer um estudo muito interessante disso, porque teve uma fase que o Brasil parece que começava por lá, aquilo era riquíssimo, entrava por lá, se você for em Manaus e entrar naquele teatro, o Teatro Amazonas é um negócio inacreditável, havia toda uma cultura, tinha muita coisa, os caras mandavam os filhos estudar na Europa, voltava, era ali em Manaus que acontecia, que é completamente dissociado do restante do Brasil. E quando veio... em seguida veio a zona franca de Manaus, que fez com que Manaus de novo se transformasse em um polo totalmente diferente de tudo que havia no Brasil.

Marcelo Suano: Mas veja que coisa curiosa, você falou Manaus aquilo de época da borracha, que foi a época que o meu avô foi, aquilo ali para ter uma noção a gente estudava lá e eu creio que é fato, que o esgoto, o sistema de esgoto lá antes era uma reprodução do de Paris, tanto que tinha aquelas galerias, tinha aquelas galerias gigantescas, claro, foi sorteado, foi coberto, é o esgoto como é hoje, mas Manaus era, como ainda é, uma pérola jogada no meio do mato. É diferente porque você tinha uma influência europeia gigantesca, tanto que você olhava para o amazonense, o manauara, porque é o nome que se dá para quem nasce em Manaus é manauara, o manauara... porque manauara é a tribo dos Manaus, por isso que o nome é manauara, mas como virou a cidade, você olhava para o manauara, você percebia a diferença até pelas características físicas, porque ele é muito mais europeu, mesmo com as misturas indígenas, meu caso. Aí você olhava, realmente, por exemplo, você olha o meu cabelo, você vê que o meu cabelo não é um cabelo indígena, é um cabelo mais para europeu.

Luciano Pires: Ah, eu apostaria qualquer coisa, menos índio em você, quando você chegou aqui e começou a falar, eu falei, esse cara acho que veio do Rio Grande do Sul ou do Rio de Janeiro, de algum ponto... nunca imaginaria... mas você não foi perseguir o sonho de ser um músico, você não foi atrás, até que idade você viveu em Manaus?

Marcelo Suano: Ah, fiquei até os meus 14 anos, por qual razão? Porque era o terceiro, eram três coisas, jogador de futebol, músico, mas eu era apaixonado pelas forças armadas também, aos 10 anos, nove anos e pouco para dez anos, eu entrei no colégio militar de Manaus, que é uma outra pérola que tem lá, colégio militar de Manaus é algo espetacular, e como todos os colégios militares são. Aí eu fiquei dos meus 10 anos aos meus 14 anos no colégio militar. Ali você... é difícil de as pessoas entenderem por quê? Porque uma escola militar, ela dá uma formação em que você entrar às sete horas da manhã, sai seis horas da tarde, e você tem tudo, quando eu falo tudo é tudo mesmo, você tem esgrima, você tem aula de teatro, você tem aula de rádio amador, na época era rádio amador, você tinha clube de rádio, você tinha as disciplinas mais variadas possíveis, a matemática para os militares é muito importante, matemática física, você tinha um ensino de matemática e física que eram superiores. Aos 14 anos de idade eu entrei na concorrência e passei em primeiro lugar para a Escola Preparatória de Cadetes do Exército, que é em Campinas, foi quando eu saí, de lá eu não voltei mais. Para ver como o estudo... eu conto isso sempre, até para mostrar como a gente poderia investir, fazer um investimento sério na educação do Brasil, eu tinha 14 anos foi para a Especex, quando eu estava com 14 para 15 anos, os meus dois irmãos fizeram engenharia civil em Itajubá, sul de Minas Gerais, saíram de lá, foram para Itajubá. Um dia eu cheguei lá em um final de semana, meu irmão ia fazer uma prova de geometria descritiva, porque engenharia civil tem que saber geometria descritiva, aí eu estava passando, aí eu olhei, aí eu estava passando, estava no quarto ele e um amigo, aí eu disse, não, isso aí está errado. Moleque de 15 anos, ele é sete anos mais velho que eu, um é sete, o outro é oito anos mais velho que eu, aí ele falou, o que que esse moleque está falando? Eu falei, isso aqui está errado, o traço é esse. Aí eu comecei a fazer. Aí ele falou, você está brincando, como é que você aprendeu isso? Isso aí é matéria desde o primeiro ano do segundo grau lá na Especex, geometria descritiva. Ou seja, aquilo que era ministrado para primeiro, segundo e terceiro ano do curso de engenharia civil, a gente tinha no primeiro, segundo e terceiro ano da Escola Preparatória de Cadetes do Exército, que é o primeiro, segundo e terceiro ano do segundo grau, 15, 16, 17 anos.

Luciano Pires: E você seguiu carreira no exército?

Marcelo Suano: Eu não segui carreira, eu saí antes... eu fui até... porque é o seguinte, hoje para você ir para a academia militar você tem a AMAM, que é a academia militar amazonense, são quatro anos, antes o que acontecia? Você, o segundo grau você fazia na Especex para ir para a AMAM, e era primeiro, segunda e terceira série do segundo grau, lá é que você construía a identidade militar, na AMAM só te dava o aparelhamento técnico para formar o oficial, combatente, todas essas coisas, mas lá na Especex você tinha tudo, inclusive treino com arma com 15 anos de idade eu tirava serviço com fuzil e com pistola, com 15 anos de idade eu tinha que saber montar e desmontar pistola e fuzil, e nunca teve nenhum problema isso daí, porque era muito simples, você fez uma bobagem, acabou, 14 anos de idade eu tinha talão de cheque, porque eles davam, pagavam o soldo e tinha uma coisa muito simples, passou um cheque sem fundo, um mês na cadeia, depois é expulso como reservista de terceira categoria, tua vida está acabada profissionalmente, porque sai lá que você é um marginal. Então, todo mundo era na linha, mas qual foi a jogada? Eu sempre fui 01 entre o 01 e o 06 na minha vida, o que significa 01? Desde o meu pré maternal, os primeiros colocados, entre 1 e sexto colocado da turma, somando todo mundo. Na Especex no meu primeiro ano do segundo grau, eu reprovei por 0,4 em uma disciplina, e lá era muito simples, você podia ter dez em todas as disciplinas, reprovou em uma você repete o ano inteiro...

Luciano Pires: Todas as disciplinas?

Marcelo Suano: Tudo, e tem o pior, você entra em uma turma e tem uma coisa nas forças armadas, como é que se dá a hierarquia? A hierarquia se dá pelo posto, perfeito. Mas dentro do posto existe uma coisa que se chama antiguidade, que não é idade, é antiguidade, quem foi promovido primeiro. Como eu reprovei, caí na turma que vai entrar, e a outra turma... e eu achei que eu tinha perdido a minha honra, olha que coisa curiosa, depois de anos e anos eu entendi... não vou dizer qual é o nome do general, que é um grande amigo meu, ele foi chefe do estado maior das forças armadas, e a gente estava conversando, tomando um café, assim só para passar o tempo, aí ele falou, general, eu vou lhe falar, eu depois de muitos anos, eu descobri que eu saí porque o meu espírito era militar, e eu achei que eu tinha perdido a minha honra porque eu reprovei e não era digno de alguém der perdido a honra. E aí eu vi a minha turma indo a frente, eu disse, não é possível, eu sempre fui 01 na minha vida, eu queria ser tríplice coroado, tríplice coroado significa o que? Que você é primeiro colocado na AMAM, primeiro colocado na Escola de Capitão, que é a ESAO, e primeiro colocado na ESCM, na escola que forma os generais, o meu sonho era ser tríplice coroado, como é que eu tomo uma pancada dessa? E eu um garoto muito rígido, eu não tive um acompanhamento psicológico, eu critiquei isso, um acompanhante psicológico tinha que ser dado para essa molecada, além disso não tem o menor sentido você reprovar e jogar para o final da fila um cara por 0,4.

Luciano Pires: Em que disciplina era?

Marcelo Suano: Redação, depois eu me dediquei tanto que eu me tornei um escritor, porque eu não consegui aceitar isso, mas isso é muito curioso.

Luciano Pires: Mas você quando desiste, você fala, estou fora da carreira militar, é isso? Desiste do exército.

Marcelo Suano: Isso, desisti, só se voltar para outra academia, fizesse concurso.

Luciano Pires: Que idade você tinha?

Marcelo Suano: Eu tinha 17 anos e saí com o meu certificado de reservista, recebi meu certificado de reservista com 16 anos.

Luciano Pires: Mas como é que é, cara? Você já tinha investido aí quatro, cinco anos nesse teu sonho, queria chegar lá na frente e aos 17 você fala estou fora...

Marcelo Suano: Perdi a minha honra, não posso ser militar, olha que coisa curiosa, foi isso que eu disse, depois de décadas, quer dizer que eu saí de lá não é porque eu não queria ser militar, é porque aquilo tinha entrado, o conceito de honra tinha entrado tão grande para mim que eu achei que tinha perdido a minha honra porque eu reprovei.

Luciano Pires: Sorte sua não ter nascido no Japão, cara, você faria o haikiri.

Marcelo Suano: Isso mesmo, é isso mesmo, é um conceito de... isso chega a ser até mesmo doentio, isso chega a ser até meio doentio.

Luciano Pires: É, é tão horroroso você perder que o cara se mata.

Marcelo Suano: Exatamente, porque o conceito de honra era muito sagrado para mim, mas aí não teve problema, às vezes eu até acredito mesmo que Deus escreve certo por linhas tortas, olha que coisa...

Luciano Pires: Não dá para dizer... o e se é complicado, trabalhar no e se...

Marcelo Suano: Olha que coisa curiosa, eu fui fazer filosofia...

Luciano Pires: Então, mas isso foi uma escolha? Quando você terminou, falou muito bem, não estou no exército mais, vou fazer o que? Vou dar aula?

Marcelo Suano: Não, aí eu fui para Manaus, terminei o último que restava do segundo grau, uma coisinha de nada que restava do segundo grau, porque eu saí no meio e detalhe, eu repeti um ano só para provar que eu tinha honra e aquilo tinha sido um acidente, fui adiante, e disse, mas eu perdi minha honra, porque eu não consigo olhar para a minha turma a frente, olhar para a bicharada que chegou, porque é assim, bicho, calouro é veterano, bicho é quem entra, calouro é o segundo ano, veterano é o terceiro ano. Eu olhava para aquele pessoal, não é calouro, a bicharada, que a gente falava, assim é o termo para se referir a quem entra, e eu dizia, não é possível...

Luciano Pires: Essa não é minha turma.

Marcelo Suano: Não é, aí eu saí, saí de lá, terminei o segundo grau, que eu saí no meio do ano, aí eu terminei o segundo grau, aí eu fui para Itajubá junto com os meus irmãos. Lá, essa história é bem engraçada, eu peguei o dinheiro que eu tinha e falei para o meu irmão, meu irmão segundo, disse, faz o seguinte, me inscreve, eu quero fazer vestibular para essas faculdades, ITA, IME, POLI da USP e fazer para... era uma outra faculdade top que tinha, era uma outra que tinha acho que por Minas Gerais, era por Minas Gerais, mas eu não lembro agora. Beleza, mandei para ele, cheguei lá, e aí, cadê a minha inscrição? Ele tinha transformado em uma farra o dinheiro da minha inscrição, numa festa. E eu disse, e aí cara, você não me inscreveu para nenhuma? Ele disse, não, faz o seguinte, faz para a EFEI, a EFEI é a antiga Escola Federal de Engenharia de Itajubá, onde formou os engenheiros que construíram Itaipu. Eles lá, os engenheiros elétricos que foram para Itaipu saíram da EFEI, e da POLI da USP, faz EFEI. Eu disse, ah cara, não vou fazer EFEI, porque eu não quero... eu queria engenharia aeronáutica, eu queria o IME, que é o exército, a engenharia industrial, faz uma série de outros, aí ele falou para mim, faz a EFEI que a EFEI é melhor que essas duas. Não, não é, mas tudo bem, vou fazer. Passei sem querer passar. Aí eu passei para EFEI, aí quando eu passei para a EFEI, passei para mais duas faculdades, mas fica aqui porque a outra é paga, a EFEI é pública, você não vai pagar nada, é a melhor escola que tem no Brasil. Aí eu disse, não, eu não vou ficar. Aí o que eles fizeram? Ele e a turma dele me encontraram, rasparam a minha cabeça. Aí eu disse, puts, como vai ter vestibular só daqui a um ano, vou ficar na EFEI, aí fiquei fazendo engenharia mecânica na EFEI durante um ano, mas esse ano fiquei me preparando para fazer vestibular naquilo que eu queria. Quando foi no final deste ano, eu fiz vestibular para seis faculdades, passei nas seis e o meu sonho ali já tinha se tornado fazer filosofia, por qual razão? Porque eu queria estudar filosofia da ciência e ontologia, era o que me apaixonava.

Luciano Pires: Cara, de engenharia para filosofia?

Marcelo Suano: Para filosofia, aí caí na filosofia, mas voltado para a ciência. Comecei a fazer o curso de filosofia e passei a me dedicar à filosofia da ciência, ao me dedicar à filosofia da ciência, lá nós tínhamos... aqui na USP, se trabalhava da seguinte forma, era uma época séria, então se trabalhava da seguinte forma, além de você estudar filosofia da ciência... estudava teoria do conhecimento e epistemologia e filosofia da ciência, são três coisas distintas, mas você ao estudar filosofia da ciência você tinha que escolher três conjuntos de conhecimentos  um configurado como científico, outro querendo ser ciência, e um outro que é uma falsa ciência, é uma balela, aí muitos estudavam tarô, estudavam ocultismo, misticismo, eu até estudei um pouco disso, porque era aquilo que era visto como não ciência, algo que quer se constituir como ciência, eu me dediquei à psicanálise estudei seis anos de psicanálise, me tornei psicanalista, nunca exerci a profissão, mas por causa disso, eu disse, eu não quero ser psicanalista, eu vou me dedicar ao estudo de relações internacionais, estudei quase 25 teorias das relações internacionais para mostrar porque as relações internacionais poderiam se constituir como ciência. E como ciência já constituída, eu me dediquei à ciência política, ou seja, eu caí nessas áreas a partir do estudo da filosofia da ciência, porque o que eu queria era entender a estrutura científica disso.

Luciano Pires: Qual foi a disciplina da não ciência que você...

Marcelo Suano: Ah, eu estudei o ocultismo medieval.

Luciano Pires: Cara, que loucura.

Marcelo Suano: Para verificar em que momento...

Luciano Pires: Que ano era isso?

Marcelo Suano: Isso foi... eu entrei em 87, não foi 87 que eu entrei, 87, 88, 89, 90, 91 e 92, foi aí que começou, foi de 88 até 92, que comecei a me dedicar a filosofia...

Luciano Pires: Estou tentando me lembrar quando foi o ET de Varginha, que estava lá daqueles lados, estava perto de você, estava o exército envolvido até o pescoço, podia ter aparecido lá.

Marcelo Suano: E olha que coisa curiosa, as pessoas detonam a ufologia, mas a ufologia não é a minha pauta, eu não me dedico à ufologia, se existe, não existe, não é problema meu, porque não é pauta para mim, mas é interessante que parte dos caras que se dedicam à ufologia, eles se dedicam adotando metodologias científicas, por quê? Porque eles querem verificar até que ponto aquilo que está acontecendo pode ser demonstrado cientificamente, então os caras são sérios, muitas vezes eles extrapolam e fazem umas viagens muito loucas, mas pelo menos o procedimento quando você olha, você diz, espera aí, ele está...

Luciano Pires: Eu vou provar que isso não existe, eu vou provar que isso não tem, que o método é esse, eu vou provar que é possível desfazer isso que está mostrando para mim, esse é o método.

Marcelo Suano: Exatamente, para mostrar qual é, afinal de contas, a viagem que lá está acontecendo, para mostrar que aquilo não é científico, mas aí há os momentos em que têm as grandes interrogações que não são resolvidas.

Luciano Pires: Você se formou em que no final das contas?

Marcelo Suano: Eu formei em filosofia.

Luciano Pires: Você tirou um diploma de...

Marcelo Suano: Diploma de filósofo, eu me formei em filosofia, me formei em pedagogia voltada para a filosofia, foi o segundo diploma, e entrei no mestrado em ciência política, a partir daí eu me tornei cientista político, fiz o mestrado, doutorado e fiz toda a formação de cientista político sem precisar receber a graduação, porque a partir daí no mestrado e no doutorado, você já é o profissional. E foi quando eu me dediquei. Por que essa história? Porque quando você me falou sobre o pensamento militar brasileiro, o que foi que eu fiz? Eu estava me dedicando à epistemologia das relações internacionais, pela filosofia da ciência, estudando muito, e eu conheci o Oliveiros Ferreira, e ele disse, vem comigo para a gente reconstruir o pensamento militar brasileiro pelos discursos dos militares. Aí eu disse, então tem metodologia da historiografia das ideias da filosofia da ciência que eu posso aplicar. Aí eu passei, com ele, a me dedicar à ciência política na reconstrução de pensamento dos militares, e apliquei as metodologias da filosofia, em especial da filosofia da ciência, e eu me tornei cientista político trabalhando na reconstrução de doutrinas políticas e do pensamento militar brasileiro. E aí ao fazer isso, aí depois eu fui estudando todas as outras coisas que a ciência política exige, trabalhar com questões de movimentos sociais, metodologia de pesquisa...

Luciano Pires: Você foi ganhar a vida como?

Marcelo Suano: Sai dali, o que que faz um filósofo? Nada, porque o Brasil não incorpora, o Brasil... muito recentemente, eu falo isso há uns 15 anos, que começam os coaches a surgir, porque os coaches na verdade são quem? São meio psicólogos, meio psicanalistas, meio filósofos, e mais filósofos, já tem 150% aí, mas há mais filósofos, que ao invés de ficar buscando as causas dos problemas, dos entraves psicológicos, eles pegam você daqui para construir caminhos para o futuro, e aí muita gente da filosofia foi para aí, eu não fui, eu fui dar aula, mas em função de eu ter entrado para a ciência política, e em função de eu ter me dedicado às relações internacionais, eu criei a primeira empresa de relações internacionais, exclusivamente relações internacionais do Brasil, que é o centro de estratégia inteligência e relações internacionais.

Luciano Pires: O que que faz isso?

Marcelo Suano: Ah, aqui que é interessante, o Ceire, quando nós criamos, criamos em 2004, começou aí, foi institucionalizado em 2007, quando nós criamos o Ceire, todo mundo dizia assim, vamos criar uma ONG, aí o nome que começou, eu disse, não, não, não, eu quero pagar imposto, eu não quero viver nas costas do estado, isso tem que ser uma empresa, como uma empresa, a gente tem que fazer planejamento estratégico, tem que fazer plano de negócio para cada produto que faz isso, plano estratégico para cada produto, desculpa, plano de negócio para cada produto que nós vamos lançar. Mas o que que a gente vai fazer? Várias coisas, uma, vamos trabalhar com assessoria e com consultoria, qual é a diferença de um para o outro? Ser alto executivo, ser o empreendedor, quando você paga... qual é a diferença entre ter uma consultoria e uma assessoria? O consultor, ele é alguém que vende uma informação precisa, correta...

Luciano Pires: Ele te empresta o seu relógio para dizer a você que horas são.

Marcelo Suano: É mais ou menos isso, mas olha que coisa legal, o que que na realidade, o consultor ele vende para alguém? Ele vende não é informação, ele vende credibilidade, que aquilo que ele vai falar sobre algo é credível, aí quando você para, ele diz assim, mas informação... e qual é a diferença para o assessor? Aí eu sempre botei isso muito claro, como consultor é como se eu tivesse colocando um livro à disposição em uma prateleira de uma livraria, tem 60 exemplares, quem quiser vai lá e compra, porque é uma informação que está lá estabelecida, como consultor é isso, você me faz uma pergunta porque acredita em mim, e eu tenho que mostrar que eu tenho credibilidade, se eu tenho credibilidade a minha informação tem que ser útil para você e produzir resultado. Show. E o que faz o assessor? O assessor é diferente, porque o assessor, ele entra no teu planejamento estratégico, ele tem que saber o teu pensamento, se ele entra, ele tem que te dar exclusividade, porque se um cara me contrata para ser assessor, ele conta a vida dele, eu atravesso a rua, eu posso vender para quem eu quiser, o contrato é diferente, a forma é diferente, eu já entro no planejamento estratégico do cara com o cara, se ele for muito bom, ele contrata assessores que vão dizer para ele aquilo que ele precisa ouvir, não aquilo que ele quer ouvir. E aí o cara tem que ser muito rigoroso e o cara tem que ser muito sério. Aí nós começamos a trabalhar com assessoria e consultoria para consulados, embaixadas, para políticos, para partidos políticos, para empresas que chegavam para nós e tentavam entender um problema que está acontecendo no mundo, hoje o mundo está mais fácil de entender a internacionalização, há 20 anos atrás não. Mas há 20 anos atrás o cara não conseguia, as pessoas não conseguiam perceber que uma decisão tomada no Japão, não era a China, agora era China, mas no Japão poderia interferir em uma decisão estratégica de alguém que estava fazendo o planejamento agora, seja para botar o seu produto, seja para entrar em um embate político. E aí o que a gente fazia? Desde reconstruir o sistema político dos caras para explicar como funcionava, até dizer, o teu planejamento tem que seguir assim, assim, que você pode construir, se você quiser você pode inclusive contratar lobistas, você faz lobby? Eu dizia, não, eu não faço lobby, por quê? Porque eu sou contra lobby? Não, por uma razão simples, porque se eu fizer o lobby, eu vou ser identificado como um cara daquela empresa, daquele lugar, não é como um corrupto, não é isso, como um cara que está vinculado já a um grupo.

Luciano Pires: Você tem um interesse já...

Marcelo Suano: É, lógico, eu sempre vou estar identificado como alguém que está defendendo determinado interesse, então a gente não faz, mas a gente pode mostrar onde encontrar lobistas sérios, e não caras que são picaretas.

Luciano Pires: Cara, nós temos mil caminhos para seguir aqui no nosso papo, deixa eu pegar essa coisa preciosa que você tem, que é esse mergulho que você deu na história do pensamento militar brasileiro aqui, vê se você consegue responder para mim uma dúvida, uma questão sobre essa relação de amor e ódio que o brasileiro tem para com o exército, ele até pouco tempo atrás, eu tinha certeza absoluta que era uma relação muito mais de amor do que qualquer outra coisa, por mais que durante 60 anos os caras tenham batido... bom, até 64 era de um jeito, de 64 adiante começou a mudar, nos anos 80 viraram demônios, a partir dos anos 80 qualquer coisa relacionada a militares era o fim do mundo, aquilo era o capeta lá embaixo e o militar aqui em cima. Isso construiu uma espécie de pensamento nacional que de um lado criou um imaginário tal de que, cara, quem é o exército? O exército é a última ala de proteção, são aqueles caras sérios, são os caras que querem ter respeito, a escola militar, quem se forma lá... então, tem todo um lance, quem se aproxima dos militares entende o que que é aquela formação, eu tive lá na Escola das Agulhas Negras, eu fui dar palestra lá, conversei com os caras lá e vi o trabalho que eles fazem, é maravilhoso aquilo. Por outro lado, existia todo um pensamento, uma inteligência nacional contra tudo aquilo porque foram teoricamente as vítimas dos militares, aquele... que criaram todo um conceito na academia, nas artes, na cultura, que tudo que puder, que vier de militar é ruim e, cara, então criou-se aquela história da botina, da farda e tudo mais, que chegou no momento em que agora se revela recentemente, chega nesse momento em que as pessoas acampam na frente de um exército pedindo socorro, socorro, socorro, o socorro não vem, pelo contrário, 1200 caras são presos, dizem que foram entregues pelo próprio exército e aquela imagem toda parece que dá uma tremida no Brasil, e se você perguntar para mim hoje se a relação é mais de amor ou ódio, eu não sei mais, eu acho que está meio bagunçada, porque o que a mídia construiu e o que a gente viu acontecer, eu fico curioso. O que que é isso, cara? Se eu entendi o que você falou, a história do Brasil não existe sem o militar absolutamente entranhado, é o DNA brasileiro, que não é um DNA militar, se você for olhar... militar é a China, militar é a Rússia, o Brasil não é militar...

Marcelo Suano: Matou muita gente, é isso mesmo.

Luciano Pires: O Brasil é um esculacho, cara, militar é aquilo... mas é, está no DNA nosso essa conexão com o militar, fala um pouquinho disso aí.

Marcelo Suano: Luciano, que espetacular, eu vou dar a primeira resposta de hoje, o sentimento que eu tenho. Hoje o que se tem é decepção, sem correr o risco de ser preso, eu vou dizer porque decepção, porque algumas pessoas identificaram nos militares que eles poderiam reestabelecer uma determinada ordem diante de uma confusão institucional que nós estamos vivendo, tanto que ficam interpretações mais variadas sobre o artigo 142, fica um monte de problema que fica sendo jogado, então por isso as pessoas se decepcionaram. Que pessoas? Um determinado segmento que via nas forças armadas o último repositório da restauração da honra, da moral e da dignidade, que seja na política, seja na sociedade ou o que quer que seja.

Luciano Pires: Vamos deixar isso bem claro aqui, porque tem carinha ouvindo a gente aqui que já caiu o disjuntor, já tem cara desmaiado aqui, já tem neguinho que vem na área de comentário falar um monte de bobagem aqui. Cara, nós não estamos falando de golpe, não nós estamos falando em derrubar alguém para botar um militar no lugar, nunca, nós estamos falando o seguinte, vamos ver se você bate comigo aqui, cara, eu estou vendo um processo democrático com todas as aspas possíveis, que desemboca em um processo eleitoral repleto de dúvidas, que me leva a acreditar que talvez essa eleição tenha sido de alguma forma manipulada. E eu quero fazer algumas perguntas para saber se foi manipulado ou não, vem cá, deixa eu ver, deixa eu pensar, não, não pode, não pode, não pode, e aquilo é levado de uma forma tão obscura, que quando termina o processo, eu fico em uma dúvida e falo, cara, alguém tem que me ajudar.

Marcelo Suano: Você está sendo brilhante na tua explicação, ou seja, eu vou te dizer porque, e ninguém está pedindo golpe, eu vou até fazer uma contribuição a mais para mostrar qual é o meu posicionamento em relação a isso, para mostrar como a última coisa que passa na minha cabeça é botar militar na política. Quando o Bolsonaro foi eleito, eu fiz uma reunião com alguns generais que me chamaram para ouvir a minha opinião, estava alguns generais lá, eles falaram, agora a gente botar um técnico no Ministério da Defesa, e um técnico ali, um técnico aqui. Eu disse, general, infelizmente ele está falecido, mas outros generais estavam presentes, estão vivos, e eu disse, general, eu discordo, militar não tem que ocupar Ministério da Defesa, nenhum militar, nenhum general. Aí ele, por quê? Por uma razão muito simples, um ministro por raras ocasiões, ele é um cara que tem o conhecimento técnico do tema, normalmente ele tem que ter o conhecimento técnico da tramitação política, da negociação política, se ele tem mais conhecimento técnico sobre o tema é ótimo, mas ele não tem que ser o cara que executa aquela técnica, ele não precisa disso, porque o papel do ministro é ser uma diva que fica desfilando para lá e para cá para mostrar que as coisas estão organizadas e estão muito boas, no momento em que colocar um militar para ser um ministro, todas as coisas que ele fizer não vão atingir a ele, ainda mais se ele for um militar da ativa, vão atingir toda a corporação, por isso eu sou contra que qualquer militar ocupe um posto de primeiro escalão de ministério, o local dele é outro, por exemplo, pode se pegar oficiais que estão na reserva, inclusive alguns generais e colocar ao invés do ministério, coloca na secretaria executiva, o senhor acha que quem o senhor acha que manda no ministério? O senhor acha que é o ministro? Quem manda no ministério é o secretário executivo ou o secretário geral, como alguns falam, é ele que manda, porque ele tem o orçamento, ele tem o planejamento, ele chega para o ministro e diz, ministro, o senhor vai ter que fazer... agora o senhor vai ter que dançar naquele baile lá, e faça de contas que o senhor entende isso. Esse é o cara. Aí ele poderia, porque ele não está exercendo o cargo político e tem que lidar com uma coisa que o militar não lida, que é a desfaçatez de fazer de conta que está entendendo ou acredita naquilo que está falando, por quê? Porque precisa ter um equilíbrio no relacionamento, um cara como ministro, ele não pode chegar e olhar para alguém e dizer não, ele tem que dizer talvez e vou pensar.

Luciano Pires: Nós tivemos uma aula brilhante de como isso funciona com o Paulo Guedes, cara, o que aconteceu com o Paulo Guedes em quatro anos, a forma como ele entra e vai se modificando no meio do caminho quando ele percebe, eu como um grande técnico aqui não vou conseguir fazer coisa nenhuma se eu não jogar o jogo da política.

Marcelo Suano: Exato, e é outro jogo da política, tanto que um político, ele não pode dizer não, se ele diz não, ele fecha uma porta, ele só pode dizer não quando é algo muito claro que ou tem corrupção ou vai dar errado, ou é contra todo o planejamento, aí ele diz não, mas o que ele diz? Quando ele fala sim, ele também não pode dizer, então ele pode dizer assim, talvez, quando ele diz talvez, é não, quando ele vai falar sim, ele diz, é provável mediante isso, porque ele já cria um condicional, é assim que o político tem que fazer, imagina um cara que é treinado para dizer sim e não, porque a sua decisão coloca em risco a vida de 50 mil, 60 mil, 10 mil ou quatro pessoas que estão no pelotão com ele, na patrulha com ele, ele não pode transitar nesse universo. Imagina esse cara aprendendo a fazer isso, como é que ele vai comandar uma tropa depois? Porque ele foi entranhado com esse tipo de postura e comportamento, e essa era a razão pela qual eu disse, não podemos em hipótese alguma admitir isso, porque isso vai atingir a força, qualquer bobagem que ele fizer, aí ele vai ver como ele não pode falar qualquer palavra errada, se ele falar qualquer palavra errada, essa palavra vira uma dissertação de mestrado de 150 mil páginas, que todo mundo escreveu no lugar dele e vai bater nele dia e noite. Quer ver um exemplo? Eu acho, eu posso estar enganado, eu acho, eu acho que é melhor eu nem falar isso, mas eu acho que o apelido Eduardo Bananinha, quem fez acho que foi o General Mourão, quando chegaram para o General Mourão e perguntaram assim, general, o que que o senhor acha daquilo que o Eduardo Bolsonaro falou? Ele disse, poxa, vocês estão dando muita ênfase nisso, aquilo não significa nada, porque ele é o Eduardo Bolsonaro, se ele tivesse outro nome, sei lá, Eduardo Bananinha... o que que os caras fizeram? Sacanearam o Mourão, criaram uma inimizade entre o general e a família do presidente, que não existia, o general não quis sacanear com ninguém, ele apenas fez uma reflexão, era isso que eu estava... o mundo da política é sujo.

Luciano Pires: Você não pode fazer reflexões em voz alta, o Bolsonaro fez isso o tempo todo, ele refletia e soltava.

Marcelo Suano: Pegavam aquilo lá e pronto, lá vinha... agora imagina um general fazendo isso, toda hora vai bater nele, porque o mundo da política é sujo, o mundo da política, ele vive de símbolos e símbolos que são deformidades da realidade também, aí vai viver disso? O problema, atinge toda a força, qual é o problema de atingir toda a força? A força se fragmenta porque começa a polarizar e a ter política interna dentro dela, um contra o outro, que é o que está acontecendo agora. Por que eu trouxe essa questão? Porque eu disse que a decepção que as pessoas têm, é que as pessoas esperavam que as forças armadas, por ser um repositório da honra e da dignidade, fosse fazer alguma coisa, já que elas estavam identificando um conjunto de erros na política brasileira, mas isso não é papel dos militares. E até os militares falaram, mas isso não é papel nosso, muitos deles falaram, não, isso não é papel nosso. Então, vamos deixar como está, da próxima vez vocês escolham melhor na hora de botar o dedo, ir lá e apertar no lugar certo. Vocês escolham melhor. Aí veio a decepção, passaram a identificar que são covardes, passaram a identificar que não sabem o que querem, passaram a identificar que eles estão se entregando, e na realidade ninguém sabe o que está acontecendo, apesar de estar ocorrendo uma certa, eu diria desestruturação causada por esse envolvimento dos militares com a política. Você lembra que eu te falei que eu reconstruí, trabalhei para a reconstrução do pensamento militar? Eu me dediquei a estudar... no primeiro trabalho que eu fiz foi sobre reconstruir o pensamento político militar de um cara chamado Góes Monteiro, que foi o cara que comandou militarmente a revolução de 30, foi o cara que comandou, que enfrentou a revolução constitucionalista defendendo o governo Getúlio Vargas, foi o cara que garantiu o Getúlio Vargas em 34, foi o cara que em 35 enfrentou a intentona comunista, foi o cara que apoiou o golpe de 37, até antecedeu, se antecipou, melhor dizendo, uma previsão que talvez ocorresse aquilo e talvez fosse necessário, foi o cara que derrubou o Getúlio Vargas. Eu estudei o pensamento dele.

Luciano Pires: Foi o cara que perseguiu e Colônia Prestes, foi ele?

Marcelo Suano: Quando o capitão perseguiu a colônia Prestes, quando ele era capitão, e ele foi convidado para ser comandante da revolução de 30 porque foram atrás de um técnico, ele foi apresentado, eu tenho impressão que foi pelo Osvaldo Aranha, ele foi apresentado por Getúlio Vargas pelo Osvaldo Aranha, eu disse, esse aqui é o técnico, aí foi lá e era tenente coronel, aí ele pegou e disse, tudo bem, eu quero apenas isso, nas tropas era chamado de general, depois que a revolução acontecesse, ele seria promovido a general, na época até general de divisão, não ia ter exército, aí ele passou de tenente coronel para coronel, de coronel para general de brigada, general de brigada para general de divisão. Assim ele se tornou general de verdade, mas ali na revolução ele já era chamado de general, ele foi o cara que já estava envolvido em perseguir política, perseguir na política ou perseguir a política, trabalhar com a política, ele já estava envolvido desde capitão, porque ele inclusive foi o cara que tentou enquadrar os tenentes de 22, porque ele não era tenentista, ele não era tenentista, e foi dado para ele, e ele sempre muito político por incrível que pareça, ele tinha uma mente política privilegiada. Aí voltando na questão desse cara, por que que eu trouxe ele? Porque ele dizia uma coisa nos seus pensamentos, nos seus escritos, que configurava o seu pensamento que dizia assim, nós temos...

Luciano Pires: Góes Monteiro.

Marcelo Suano: Góes Monteiro, ele dizia, nós temos que fazer a política do exército e não a política no exército. Aí todo mundo perguntava, o que é a política do exército? É aquilo que a gente encontra nos países comunistas ou militaristas? Não, ele dizia, a política do exército é a política de se preparar para o caso de guerra. Ele não falava exército no conteúdo de os militares é que têm que comandar a política, ele dizia assim, nós temos que fazer a política da necessidade do exército no caso dele ser empregado em uma guerra. Nós estamos falando na década de 30, tudo ali era um querendo conquistar um império do outro ou querendo entrar em guerra com o outro, aí ele dizia, o que que é a política do exército? Produzir uma capacidade de mobilização para desenvolver a indústria de uma maneira tal em que se necessário, eu consiga pegar um cara que faz cano de ferro e esse cara é capaz de produzir um fuzil. Ele dizia, então nós temos que desenvolver a indústria no Brasil, tanto que ele foi o cara que negociou, foi um dos que negociou a implantação das usinas siderúrgicas no Brasil, olha que coisa curiosa.

Luciano Pires: Quer dizer, o DNA disso tudo é bélico?

Marcelo Suano: É bélico.

Luciano Pires: É bélico, é o instinto da proteção.

Marcelo Suano: Mas exatamente, se proteger, era eu tenho que preparar o país para se defender, não é botar militar na política, e ele dizia que não era botar o militar na política quando ele falava assim, a política do exército é preparar o país para responder a um ataque, nós temos que fazer isso e não a política no exército, não fazer com que militar vire político.

Luciano Pires: Cara, isso é muito louco quando a gente pensa nisso tudo aí, porque, cara, o DNA do homem chegar na lua é bélico, ele nasce de uma necessidade bélica, uma necessidade de vou criar uma arma que atinja tão longe que ela pode depois se transferir em um foguete que bota o homem na lua, muito da medicina é bélica, vem do campo de guerra, e que resolveu problema não tem como a gente faz, comunicação, a internet é bélica, ela nasce de um conceito militar, quer dizer, o fato do mundo, do ser humano estar em guerra é que faz a projeção tecnológica avançar, e no entanto há uma consciência anti bélica que coloca a gente em uma situação que hoje me preocupa muito, eu estava conversando essa semana com o pessoal, o pessoal falando dessa coisa toda do... essa conversa toda que está tendo aí do homem ser menos macho, da mulher ser mais macho, essa mudança toda, eu falei, sabe a minha preocupação, cara? É encostar em um porto brasileiro um navio com cem mil chineses, cara, esses caras vão tomar conta do Brasil inteirinho em uma semana, porque não vai ter homem para enfrentar esses caras, entendeu? Porque lá não tem esse pensamento, lá o pensamento é o seguinte, cara, com cinco anos de idade eu estou aprendendo a montar e desmontar uma arma, e nós aqui estamos aprendendo a pintar florzinha na parede. Quer dizer, cara, que mundo eu quero? Eu quero um mundo de pessoas que pintam florzinha na parede, mas nesse mundo tem outros que estão aprendendo a montar arma, e esses caras vão tomar conta, cara.

Marcelo Suano: Sabe qual é a lógica, Luciano? Que é isso que no Brasil as pessoas tentam falar mal dos militares, não é nem dizer que são pessoas que são belicosas no sentido de que querem a guerra, não, eles querem apenas a segurança, o que é a segurança? Eu me preparo para o caso de alguém... é muito simples, se alguém vier me agredir, eu tenho que saber me defender, é só isso, isso vale para o meio da rua, se vier um cara metido a besta, se vier um marginal, até para o caso de um país, é essa que é a lógica, eu não preciso ir para a guerra, eu tenho apenas que saber me comportar quando tiver... e você não sabe se comportar apenas com gentileza, exemplo, eu recebi uma notícia que me deixou estarrecido, que saiu de um dos comandantes, não sei de quem, que doravante a partir do momento em que ele estava falando isso, não sei se isso é fake, mas eu vi o vídeo desta personalidade, e foi um comentário amplo de vários indivíduos que são da área, é que ele dizia assim, a partir daquele momento qualquer pagação de atividades como polichinelo, pagar flexão, pagar isso, pagar aquilo, isso seria considerado ato anti instrutivo, ou seja, o cara seria punido. Suponhamos que um oficial está dando instrução, aí o cara está meio que boca aberta, não sabe o que faz, ele para, você faz o seguinte, como você está atrapalhando, vem aqui e paga dez polichinelos porque você está distraído. O cara está ferrado, não pode mais, mas pelo amor de Deus...

Luciano Pires: Senta aqui no colo do papai, conversa comigo aqui, meu bem.

Marcelo Suano: Exato, que tipo de combatente você vai... porque quando esse combatente tiver realmente em uma situação de combate e ele olhar para o lado, que ele vai ver que ele não tem nada exceto um outro cara com ele, que ele tem que confiar plenamente e é bala para todo lado, e que se ele... pessoal, eu não quero mais lutar, eu vou entregar minhas armas aqui, eu gosto de no café da manhã, iogurte com não sei o que, eu gosto...

Luciano Pires: Nada, você lembra do sniper, o filme Sniper, lembra como é que começa o filme, cara? Ele lá em cima do telhado apontando, uma mulher com uma criança, e ele com a criança na mira e ele tem que tomar a decisão de matar aquela criança. Você olha para isso e fala, meu amigo, esse cara não tem sangue nas veias? Tem, cara, e ele vai apertar esse gatilho, na hora que você entende aquela situação, tem outros filmes também maravilhosos que o cara está pilotando o drone, o drone está em cima de uma festa de aniversário que está tendo lá uma festa de casamento, o bandidão está lá, e ele tem que decidir, solto a bomba lá em cima ou não? Que têmpera tem que ter essa pessoa?

Marcelo Suano: Olha, detalhe, o problema que essas pessoas, eu vou te dizer do fundo do coração, são indivíduos admiráveis porque a sua alma é carregada na sua essência da infelicidade, porque as decisões que eles têm que tomar são decisões claras e objetivas e eles não podem questionar. Eu vou te contar um fato, eu participei de uma reunião há anos atrás, quando as pessoas estavam querendo questionar os militares em todos os sentidos, e falaram o seguinte, nós temos que entrar nas escolas militares para estimular ou estabelecer que não haja mais o cumprimento do dever da perspectiva da obediência devida, o que que é obediência devida? Que é um argumento que foi muito usado na Argentina para aqueles militares que fizeram as barbaridades que fizeram, porque eles diziam, não, foi uma ordem e eu tenho que cumprir, hierarquia e disciplina, eu cumpro.

Luciano Pires: Adolph Heigmer em Nuremberg.

Marcelo Suano: Exato, ou seja, o princípio da obediência devida, o que deve ser pensado com seriedade, realmente qual é o limite da obediência devida. No entanto, o que que eles queriam falar? Eles estavam dizendo assim, nós temos criar oficiais que são questionadores das ordens, com todo o respeito, um oficial não pode questionar a ordem do seu superior, por qual razão? Qual é a lógica da construção de uma cadeia hierárquica? Todo mundo só quer ser soldado, todo mundo quer fazer o que? O combate, usar a sua honra para lutar até o limite com o seu fuzil ou com a sua pistola, é para isso que todos são treinados. Só que a partir daí ele vai crescendo, não é só o combate sozinho, combate com uma patrulha, aí ele recebe um posto para comandar aqueles outros que estão lá, e vai, para isso ele tem que aprender outras coisas, só que do cabo vai para o sargento, o cara não nasce sargento, ele antes passou, aí você vai até chegar a general, qual é a lógica? A lógica é de que um general supostamente, ele sabe fazer uma patrulha, porque ele foi treinado para fazer uma patrulha, quando ele foi treinado para comandar uma patrulha, até comandar um pelotão, comandar uma companhia, comandar uma brigada, comandar uma unidade militar, antes da brigada, uma unidade militar, comandar um quartel, ele tem que saber tudo. Por que eu estou te dizendo isso? Porque quando vem uma ordem, pressupõe-se que aquele cara que deu a ordem, ele está fazendo um planejamento estratégico em que aquela decisão foi tomada por uma razão simples, porque ele identificou ali que aquele cara pode simplesmente, aquela família, você está cometendo um ato que vai te levar para o inferno, mas vai ter um local especial para você no inferno, porque você está matando inocentes, mas ele têm que cumprir porque de repente, aquele indivíduo que está lá, ele pode estar, por exemplo, com um artefato nuclear e ele não está preocupado com a família dele, está esperando a hora para explodir aquele artefato nuclear e matar todos... ah, mas votou a bomba, não é só a bomba, você pode entrar lá com uma patrulha, prender todo mundo, sair metralhando e que não precisa destruir o artefato, mas estou colocando uma lógica absurda, mas pode acontecer isso, pressupõe-se que o cara sabe porque tem que tomar aquela decisão, por isso que você não pode questionar, se você questiona, você pode estar colocando em risco não é aquele grupo, aquela família, aquelas pessoas inocentes que estão ali, você pode estar colocando em risco todo mundo, você pode estar colocando em risco...

Luciano Pires: Tem uma discussão moral aí infinita, infinita.

Marcelo Suano: Mas eu fiz uma brincadeira com esse pessoal que estava dizendo para questionar, estavam dizendo, não, tem que produzir oficiais questionadores. Aí para ver a antipatia que eu já gerei, isso é interessantíssimo, imagina uma esquadrilha de caças, ok, por que caças? Porque supõe-se que podem vir alguns bombardeios ou que eles foram... esse pode ser um caça bombardeiro e estão querendo lá para bombardear uma aldeia. Legal, supõe-se que naquela aldeia tem alguma coisa muito monstruosa lá, aí está lá a esquadrilha, cinco caças, um capitão, dois tenentes, três tenentes, um major, vamos supor que seja assim, aí o superior diz, vamos bombardear. Aí o capitão diz assim, major, eu gostaria que o senhor definisse os seus termos. Aí o major começa a explicar, além da inteligência está captando os sinais, começa a explicar, aí passa pela aldeia, volta, na hora que o major convenceu o capitão, como ele falou demais, um tenente acha que não foi o suficiente, aí questiona, aí ele passa da aldeia, volta, até lá ou acabou o combustível ou já mandaram a artilharia antiaérea, porque captaram os sinais para derrubar os aviões, ou então, simplesmente pode acontecer de nesse período todo, eles receberem uma outra esquadrilha que veio para dar combate para eles, acabou tudo. Só que tem um detalhe, ali naquela aldeia era uma aldeia fantasmagórica, não tinha ninguém lá, o que eles tinham lá era uma reserva de armamentos, armamentos com alto poder destrutivo, armamento químico ou bacteriológico, que poderia esse armamento afetar toda uma cidade, o que a senhora está dizendo é, vamos questionar as ordens, por quê? Porque o tempo tem o tempo suficiente para que todo mundo se explique e os adversários vão esperar também.

Luciano Pires: Isso é a política sindical, isso é o sindicato, reunião de sindicato.

Marcelo Suano: Exatamente isso, um dia eu vou te explicar algumas coisas sobre isso que tu vai ficar chocado.

Luciano Pires: Você está ouvindo o LíderCast, que faz parte do ecossistema Café Brasil, que você conhece acessando mundocafebrasil.com, são conteúdos originais distribuídos sob forma de podcasts, vídeos, palestras, e-books e com direito a grupos de discussão no Telegram. Torne-se um assinante do Café Brasil Premium, através do site ou pelos aplicativos para IOS e Android, você prática uma espécie de MLA, master life administration, recebendo conteúdo pertinente de aplicação prática e imediata, que agrega valor ao seu tempo de vida, repetindo, mundocafebrasil.com.

Luciano Pires: Caiu para mim a ficha, cara, de uma forma muito interessante que eu entendi essa coisa da decisão que tem que ser tomada ali com o sangue frio, foi em um jogo Corinthians e Palmeiras, eu acho que foi, nem me lembro que ano que era, mas há muito tempo atrás. Eu fui assistir no Morumbi, Morumbi com a lotação muito mais... venderam muito mais ingresso do que podia lá, e eu com o ingresso, meu sogro junto, eu com o ingresso cadeira numerada, que eu comprei para não ter erro, cara, o pessoal começa a invadir, invadir, vira uma tremenda de uma bagunça, de repente a polícia tem que entrar e um policial fica tomando conta de um portão de ferro, que permitia você passar das gerais lá para ir para a área da cadeira, e eu com o meu ingresso na mão, eu tinha que ir para aquele outro lado, e uma tremenda de uma muvuca, e o policial militar com o capacetão parado ali, e eu na frente dele, aquela muvuca, confusão toda, eu tentando argumentar logicamente com ele, que eu tinha comigo um ingresso e que o meu ingresso... com o bicho pegando ali atrás, esse cara nunca ia abrir o portão para ninguém, e ele me olhava, o olho dele atravessava a mim, era como se eu não existisse na frente dele, e eu indignado, cara, eu tentando dialogar com o cara, depois que eu saí dali, eu falei, cara, mas se esse cara se atrevesse a abrir o portão para mim, cara, a boiada ia invadir aquilo, ele não podia nunca, por mais que eu tivesse argumento, aquele não era o lugar para eu estar, não era a argumentação que eu tinha que tomar, eu tinha mais que enfiar a viola no saco e sair de lá, e tive que ir embora, eu fui embora, e aí depois, puto da vida com o policial que não me deixou passar, depois que eu parei para pensar, eu falei, cara, mas naquele momento se ele abrisse o portão...

Marcelo Suano: Te coloca no lado dele, no lugar dele, e pensa na seguinte hipótese, não era um jogo de futebol, você está trabalhando em uma situação em que, por exemplo, estava acontecendo uma invasão e pode vir um grupo, aí belicoso mesmo, com armas, que está tentando tomar... o que que você faz? Com todo o respeito...

Luciano Pires: Melhora isso, melhora isso, traz para cá, você está tentando impedir um grupo em uma manifestação na Avenida Paulista que vai invadir a FIESP, e você é policial militar, o que que você faz na hora? Meu filho, não vem invadir não, como é que é? Porque a hora que a turba começa a se inflamar, o que que eu posso fazer, cara? É porrada, não tem como não ser porrada.

Marcelo Suano: Não tem como não ser e esse é a razão pela qual, por exemplo, toda vez que eu vejo o choque ou a rota, eu presto continência, sabe por qual razão? Porque aqueles caras que estão lá, eles são humanos também, eles estão em uma tensão nervosa que um espirro, eles podem se desestruturar ou fazer uma bobagem, mas eles seguem, por que que eles seguem ordem e não fazem besteira? Por causa da hierarquia, da disciplina e do princípio da obediência devida.

Luciano Pires: São máquinas ali, naquele momento eles são máquinas.

Marcelo Suano: Exato, eles não questionam a ordem porque eles não podem questionar, aí fica aquilo, e se a ordem for monstruosa? Tem duas coisas que as forças armadas fazem, a primeira delas, se, vamos supor, você é o meu superior, você chega para mim e diz assim, eu quero que você mate aquela criança, eu não vou te dar satisfação. Aí o que que o subordinado faz? Ele pode simplesmente dizer, eu não sou apto para essa missão, arranja outro, ou tudo bem, eu faço, mas eu quero a ordem por escrito. Se o oficial superior a ele não der a ordem por escrito, ele não é obrigado a cumprir, por qual razão? Porque ele precisa ter a garantia de que ao cumprir a obediência devida, como pode ver, eu não estou questionando a obediência devida, eu estou dizendo que já existem instrumentos para que isso seja feito de uma forma correta, para que caso um indivíduo seja maluco, seja um maluco, ele pode ser um maluco, eu posso dizer, eu não vou fazer essa loucura, sem que seja insubordinação.

Luciano Pires: Espera aí, o menininho terrorista está vindo ali com uma bomba na mão, mas dá um minuto aqui, eu vou ali dentro escrever a ordem, eu já volto com ela aqui escrita.

Marcelo Suano: Mas olha que coisa curiosa, até isso existe, até isso existe, exatamente porque antes do questionamento da obediência devida, o que eles fizeram? Dar resguardo para evitar as loucuras, para é óbvio que o cara não vai chegar assim agora e dizer, mas se ele falar, aí eu posso, isso não é insubordinação, eu digo, eu não estou preparado para esta missão. Aí o que ele faz? Retira o indivíduo dali, pega outro para cumprir a missão. Mas a obediência devida não está sendo questionado, por que que não está sendo questionado? Porque ele não disse ali "por quê?", ele não perguntou, por que matar aquela criança?

Luciano Pires: Sim, ele não contestou.

Marcelo Suano: Por que matar aquela criança? O senhor é maluco, o senhor é um louco? Não, não fala nada disso, ele apenas pede ou por escrito ou diz que não tem capacidade.

Luciano Pires: Isso é contra todo o pensamento vigente na sociedade hoje em dia, imagina só, traga isso para o ambiente civil onde essa molecada nova que vem trabalhar agora, contesta até o...

Marcelo Suano: Eu sou professor, Luciano, você precisa ver o que é o inferno estar na sala de aula hoje. Você não pode falar uma palavra errada, você não pode falar uma coisa, você não pode fazer uma brincadeira, porque o aluno vai, fecha a cara, não gosta, então o que eu faço? Não faço brincadeira com ninguém, mas eu não estou nem aí para nada, eu só faço... ministro a minha aula, faço tudo lá, aí tento interagir com a turma, para que a turma se manifeste. Aí eu deixo eles falando, se eles vão se ofender é outro problema. Mas pelo menos a gente passa o conteúdo, passa o comportamento, passa a reflexão sem eu correr riscos, mas por quê? Porque hoje é impressionante, se você falar uma coisa que ele não gosta, deu para você, e não é porque ele deu para você porque ele vai te... ele te expulsa da faculdade, te coloca na cadeia, você não pode brincar.

Luciano Pires: Sim, sim, sim. Quanto da desgraça, entre aspas, do Bolsonaro se deve ao fato dele ter sido militar? Porque olha que fato interessante, que fato interessante, você tem de um lado um ex-metalúrgico, que não é metalúrgico há 50 anos, mas que continua sendo até hoje um ex-metalúrgico, embora há 50 anos o cara não sabe o que é um torno e continua sendo um ex-metalúrgico, e tem de outro lado um ex-militar, que também abandonou o exército em 1980 e alguma coisa, e é tratado de lá para cá como um militar, ele nunca é um político, é um militar. Quanto da desgraça dele é o fato dele ter sido militar, cara?

Marcelo Suano: Olha, eu vou dizer, é bem interessante, olha que coisa curiosa, nós começamos essa história e acabei falando uma série de... para explicar apenas porque aquilo que eu estava dizendo da decepção da sociedade não cria, não é para o golpe de estado, aí eu falei, olha, eu também nunca pensei nisso, a prova é essa. Mas olha que coisa curiosa, de onde vem essa desgraça dele por ele ser ex-militar? Aí a gente tem que entender um pouco da maneira como funciona a vida militar, a estrutura e a cabeça só militar. Você lembra que eu falei do Oliveiros Ferreira? Quando eu estava com ele, eu estudava com ele lá no Jornal Estado de São Paulo, eu ia sempre três dias por semana lá, ficava lá no sexto andar, eu e ele ficávamos conversando, e lá a gente chegava a algumas conclusões de alguma coisa, o Oliveiros, eu obriguei ele a escrever um livro, porque eu disse, se o senhor não escrever, quem vai escrever sou eu, porque eu tenho todas as anotações de sala de aula. Aí o que foi que eu fiz? Peguei um gravador, naquela época era aquele gravador que você carregava mesmo, aí eu fui para casa dele, vamos começar. O Oliveiros Ferreira, ele é o padrasto do William Wacker, ele morava aqui, ele morava, ele é falecido, ele morava aqui na Vila Nova Conceição. Aí eu falei, vamos começar, professor, porque se o senhor não fizer, eu vou fazer. O nome desse livro é A Vida e a Morte do Partido Fardado. Por que eu evito falar isso em TV? Porque não me dá tempo para explicar, porque o partido fardado não é a política.

Luciano Pires: Partido Fardado?

Marcelo Suano: Partido Fardado, é um livreto, é maravilhoso, eu acompanhei o livro inteiro, ajudei ele em algumas coisas, tanto que ele me fez uma... não no livro, ele só me cita, mas ele fez uma declaração muito honrosa para mim na dedicatória do livro que ele me deu de presente. Mas ali tem uma coisa interessante, primeiro eu vou explicar o que é o Partido Fardado, vou falar da estrutura para responder essa tua pergunta, o que era o Partido Fardado? Para não ter dúvidas. O Partido Fardado não é um partido político, não é um desejo de entrar para a política. Quando você estuda a história do envolvimento dos militares com a política, o Partido Fardado foi um termo que um general apresentou uma vez para o Oliveiros quando eles estavam conversando, diante de uma crise institucional que se vivia na década de 50. Aí o que aconteceu? O cara falou para ele, o Partido Fardado parece que está confuso. Aí o Oliveiros disse assim, o que é o Partido Fardado? Aí ele falou, não é um partido político, é um sentimento de indignação que surge na alta liderança das forças armadas, de uma maneira tal que eles olham para todos os lados e dizem assim, se ninguém vai fazer nada, então somos nós que temos que fazer, se não isso vai se fragmentar, vai gerar uma guerra civil, aí eles entram para a política criando a aparência de que eles são partidos, mas mesmo dentro da instituição militar há divergências, mas todos seguem por quê? Por causa da hierarquia e da disciplina. Tanto que o livro é A Vida e a Morte do Partido Fardado, em que no livro ele diz que na década de 70, o Partido Fardado morreu, porque esse espírito que se apossa já não podia mais se apossar porque o próprio governo militar se preocupava com a possibilidade dos militares fazerem política, e um dos atos institucionais, que foi o 17, foi contra as forças armadas, para evitar que surgirem lideranças militares que pudessem se indignar com a esculhambação no país e pudesse fazer política.

Luciano Pires: Você que está nos ouvindo aqui, você está entendendo que o pensamento progreçista é com ç, progreçista com ç, ele desesperadamente, ele combate qualquer pensamento de hierarquia, ele quer destruir hierarquia e quer destruir disciplina, ele quer impor ali, você não tem que obedecer, você tem que contestar e tudo mais, porque hierarquia e disciplina cria... é como o combate à igreja católica, é a mesma coisa, ali vem pilares que... meu grande inimigo.

Marcelo Suano: E tanto que você pega os beneditinos e pega os jesuítas, por que que eles não gostavam tanto dos jesuítas? Porque você vê, os jesuítas são um quartel, jesuíta é uma hierarquia, é um quartel, é uma tropa, mas até pelo mesmo princípio, mas olha que legal, quando o Oliveiros fala que escreveu esse livro, eu obriguei ele a escrever esse livro, ele escreveu apenas para dizer o que era o Partido Fardado, que ali a gente conversava muito, tanto que esse é o conceito que eu uso e eu desenvolvo, não está ainda exposto, mas eu vou escrever um livro sobre o Brasil, em que eu vou pegar alguns elementos, parte do que vai estar nele, eu estou falando aqui contigo. E olha que coisa curiosa, o que o Oliveiros falava, isso aí é um tópico, Partido Fardado, mas aí vai ficar claro, porque eu trouxe a questão do Partido Fardado, ele dizia assim, como é que a gente entende a diferença entre a estrutura militar, a entidade militar e a entidade civil? Que assim que fica melhor, ele dizia, porque a entidade civil, ela se comporta, ou seja, os seus membros se comportam com base exclusivamente na lei, espera aí, quer dizer que os caras só pensam na lei? Sim, eles têm o sentimento de honra que vem pela moral individual deles, e eles pelas suas crenças, pelos seus valores, pela sua cultura, mas eles não são obrigados a seguirem individualmente em função da honra, eles não precisam fazer isso, os civis em uma estrutura administrativa, eles têm apenas que seguir a lei, seguir o código, aquilo que está especificado, porque se não for ilegal, ele pode fazer o que ele quiser, ele está resguardado.

Luciano Pires: São as duas éticas do Max Weber, cara, a ética do homem comum e a ética do homem público.

Marcelo Suano: Exato, mas sabe qual é a jogada do militar? A entidade militar funciona com outro princípio, ela segue a lei, mas ela coloca acima disso o princípio da honra, por que que coloca o princípio da honra? Porque o militar é uma das únicas instituições que podem portar arma e retirar a vida do outro em nome da sociedade, por isso ele tem que ter sempre atuação em função da honra, porque a sua honra consiste no cumprimento do dever e no respeito pela sociedade que ali o colocou e financiou para que ele estivesse, essa é a razão pela qual militar nunca fica rico, mas ele nunca pode ser pobre, ou seja, é dado a ele uma estabilidade para que ele apenas cumpra um papel. E a honra dele se configura nele cumprir o seu dever, essa é a razão pela qual a honra norteia o comportamento dos militares ao ponto de o anexo 1 do artigo 1 do regulamento disciplinar do exército ser não faltar a verdade. Por que não faltar a verdade? Porque eu sou uma pessoa que tenho que me comportar em relação à honra, e do meu lado tem um cara em que eu posso ficar de costas para ele para enfrentar o inimigo, enquanto ele enfrenta o inimigo do outro lado, porque eu sei que na honra dele, ele nunca vai me trair, traição é uma desonra máxima. Olha qual é a jogada, aí ele fala assim, ele disse, isso traz consequências, inclusive dizia isso, isso traz consequências quando os militares entram para a política, por quê? Porque o fundamento do estado democrático de direito é você dizer assim, o ônus da prova cabe a quem acusa. Para os militares não, o ônus da prova cabe aquele acusado, porque por princípio quem faz uma acusação faz uma acusação porque viu a verdade, ele não pode mentir, a honra dele não permite mentir, olha que coisa absurda. Aí ele diz assim, como os militares funcionam em nome da honra, a história das suas relações com os civis e intervenções na política decorre de um momento em que se viu a desestruturação da sociedade, e eles como têm o vínculo com essa sociedade, e eles existem para garantir que essa sociedade sobreviva, se ninguém toma uma decisão, eles são obrigados a tomar. Aí vem o problema interno das forças armadas, qual é o problema interno? Todos seguem a hierarquia e disciplina, e todos sabem que eles não devem, em hipótese alguma, desrespeitar um espaço da sociedade. Então, tem o problema, que ele chama, que é o problema do estamento, da estrutura que segue apenas aquilo que está escrito na lei, e tem o problema daqueles que lá no alto grau incorporaram o Partido Fardado, olharam, mas ninguém está fazendo nada, só aquele dar uma ordem. E aí, essa ordem vai ser seguida ou não? Porque está na lei? Qual é o drama que nós vimos agora, nós temos que seguir a constituição e muitos diziam, mas a constituição está sendo esculhambada, alguém tem que incorporar e fazer alguma coisa, porque o problema não é dar golpe, é apenas restabelecer o equilíbrio entre as instituições. Esse foi o grande debate, e eu ficava ouvindo as pessoas falarem, muitos juristas falaram, mas qual o problema de o jurista falar? O jurista só fala o juridiques, ele tem que botar alguma frase em latim ali porque assim ele consegue cobrar mais caro a consulta e não explica nada, porque a lógica era o problema dos militares ali é que eles estavam dizendo, nós temos que seguir a constituição, e muitos diziam, mas olha, a constituição não está sendo seguida por ninguém, e alguém tem que restabelecer a relação entre os poderes, não é entrar para a política, não é dar um golpe, não é fazer isso, matou a charada? E aí por que que os civis se decepcionaram? Porque os civis estavam acostumados, sem entender o que era aquela lógica do... parece que o Partido Fardado, que a indignação tomou conta e estão restabelecendo a ordem, só que esse restabelecer a ordem pode gerar uma consequência que foi a consequência de 1964, sabe-se porque entrou, mas não sabe como terminar, como é que a gente termina isso? Muitas pessoas dizem assim, porque o povo reunido em defesa... não, nada disso, democracia foi restabelecida no Brasil porque aqueles de 64 que fizeram a intervenção, eles fizeram com receio do que poderia acontecer com a participação daqueles grupos radicais de extrema esquerda que queriam impactar a ditadura do proletariado, aí eles falaram, e agora, o que que a gente faz? Eu acompanhei, estudei muitos documentos, não teve nenhuma lógica, nenhuma ordem naquilo não, foi uma decisão, eles falaram, agora deu, cansou, aí eles fizeram, aí depois, como é que a gente organiza isso? Aí veio o movimento armado contra, aí vamos enfrentar o movimento armado, e agora? Olha o que está acontecendo, nós fomos além, então a gente tem que restaurar a democracia, e quem foi que restaurou a democracia? Ernesto Geisel, Gauberito Couto e Silva, com um conjunto de militares e um conjunto de civis, falou, vamos restaurar essa porcaria rapidamente, porque se não a gente vai quebrar o Brasil, a gente vai quebrar a sociedade, a gente vai perder o respeito, a gente vai fazer exatamente aquilo que nós não somos, nós vamos ser realmente ditadores, eu vi documentos deles falando isso. Então, vamos fazer a redemocratização lenta, gradual e segura, e essa redemocratização tem que acontecer, vamos fazer o que? Anistia ampla, por que anistia ampla? Porque a gente ficar questionando aquilo e aquilo ali, então vai para todo mundo e a gente começa do zero. Ou seja, havia uma tentativa de restaurar, por qual razão? Porque quando teve 64, como teve outras intervenções, era o momento em que alguns líderes militares diziam, poxa, tem que restaurar a ordem, o medo foi que... se a gente presta atenção, mesmo em 89, 1899, quando teve a proclamação da república os militares nunca ficaram no poder por muito tempo, eles participavam, restauravam as relações entre os poderes, ou criavam e saíam, porque eles sempre tiveram, isso é curiosíssimo, quando você pega discurso dos militares, eles sempre falavam, nós não somos caudilhos, qual que é a ideia do caudilho? É um militar que acha que tem que fazer política e é o dono da política, o dono do governo, o dono do estado, o dono da propriedade, o dono da terra, o dono de tudo, eles falaram, nós não somos caudilhos, nós somos, nós viemos do seio da sociedade, nós viemos de classe baixa, houve época, e ainda hoje é assim, que o indivíduo entrava no exército para arranjar uma chance de ascender na vida, sempre vieram das classes mais baixas.

Luciano Pires: É uma carreira, era uma carreira, uma carreira de orgulho e tudo mais, de certa forma, é um mundo a parte do nosso aqui, porque a gente que está na sociedade civil, a gente tem uma distância muito grande para a sociedade militar, eles não estão... embora seja os nossos filhos que estão lá, eles estão servindo, não tem, sabe, uma... como é que eu vou dizer isso aqui, cara? Não tem... os militares estão dentro da sociedade, mas aquilo foi tratado como, sabe, eles são... tem um anexo que é só deles, é a vila deles, é o lugar onde eles moram, o processo é deles, o salário é deles, a medicina e deles, o hospital é deles, é tudo deles, e esse eles foram construídos pacientemente ao longo dos últimos 50 anos como algo assim, cara, tome muito cuidado. Então, de um lado a sociedade dizia o seguinte, a entidade que eu mais respeito é o exército brasileiro, e do outro lado um monte de gente gritando, para, esses caras têm que ser...

Luciano Pires: Os caras que vêm da esquerda, eles não entendem os militares, não é porque eles não entendem, é porque eles têm medo exatamente dessa lógica, por quê? Porque se eles conseguissem botar uma tropa de indivíduos cegos na sua ideologia, eles olhariam para os militares, mas é exatamente isso que eu quero. Quer ver um exemplo? Eu escrevi um livro que se chama Como Destruir um País: uma aventura socialista na Venezuela, o prefaciador foi o general Mourão, foi a embaixadora indicada pelo Guaido que fez a contracapa, o Marcel Van Haten fez uma orelha, por que que eu estou citando esse livro? Para fazer propaganda? Não, eu estou preocupado com a propaganda desse livro, não estou nem aí para isso, a minha preocupação é que em um determinado momento, eu cito um discurso que feito no momento de formatura de uma academia militar na Venezuela, em que eu só vi um discurso daquele de prestar honra e solidariedade e vínculo de vida ao regime e ao governo na União Soviética e na Alemanha da década de 30, cujo o nome eu não gosto nem de falar daquele regime, eu só vi ali, por quê? Porque são militares cegos, mas que mantém essa lógica da estrutura do somos uma entidade que funciona com base na honra, a minha honra está vinculada ao cumprimento do dever. Qual é a lógica das nossas forças armadas? O meu cumprimento do dever está vinculado a defender a minha sociedade e não o meu partido, o meu regime ou o meu líder. Por isso que nós não viramos ainda e não vamos virar Venezuela, enquanto os militares tiverem essa mentalidade.

Luciano Pires: Mas os caras estão antenados? O Zé Dirceu falou, o erro nosso foi não ter trabalhado bem alguns postos chave dos militares lá, tivéssemos nos aproximado deles...

Marcelo Suano: Um dia eu vou conversar contigo, não vou conversar agora, eu vou te contar em detalhes uma história que eu vivi, e você vai entender tudo aquilo que a esquerda fez, e porque o José Dirceu falou isso. Porque eu conheci as personagens que trabalharam para fazer isso que o José Dirceu falou e não conseguiram. Sou formado na USP, só para você ter a noção do que a USP forma, eu me dediquei à sociologia ainda quando eu estava na filosofia para fazer disciplinas optativas, mas para formar, que eu já queria ir para a área de ciências sociais. Sociologia 1, os três porquinhos, Durkheim, Marx e Max Weber, tudo bem, começa por aí. Sociologia 2, eu me lembro que era Lenin Bukarin. Sociologia 3, Trotsky. Veja, não é a sociedade isso, a sociedade, movimentos sociais, não era isso não...

Luciano Pires: São pensamentos... pensadores...

Marcelo Suano: Pensar a sociedade a partir dele. Sociologia 4, Gramsci, isso é a sociologia que eu aprendi lá, tanto que eu era uma figura estranha por quê? Claro, estou lá, tinha que sobreviver, ah muito bem, isso mesmo, lógico, espetacular, aí o que eu fazia? Tinha livros sobre a escola austríaca, sobre liberalismo, a doutrina de segurança nacional da [ERJ] lá na nossa biblioteca da USP, onde que eu lia? Eu nos momentos da tarde entre as aulas, entre determinada aula da manhã e começava a aula no final da tarde, eu ficava na biblioteca escondido, na época a biblioteca da USP da faculdade de filosofia, ela tinha... você caminhava, saia da história, entrava na faculdade de filosofia e ciências humanas, e depois tinha um negocinho e ia para letras, lá era no final, quando você caminhava saindo... caminhando pela faculdade de filosofia e ciências sociais, era no finalzinho lá, e tinha um espaço bem enorme, no fundo tinha uma área que era cercada com livros raros, você tinha que pedir autorização, mas como ninguém ia lá pegar livro raro, atrás disso, encostado, tinha um lugarzinho que ficava lá vago, o que que eu fazia? Eu pegava os livros, ia ler escondido ali, por quê? Porque você caía no ridículo se você fosse pego lendo livros liberais, ao contrário do que todo mundo diz, veja bem, a liberdade... não, não existia nada disso não, você era ridicularizado, veja, não era assim, ah aquele pensamento dele é diferente, ele é tacanho, não é primitivo, não é isso não, você era ridicularizado mesmo, mesmo, ridicularizado, a ponto de por exemplo as pessoas começarem a ter aversão a você, então você tinha que ler escondido, e onde eu lia era atrás daquele localzinho que era uma gaiolinha onde ficava os livros históricos que não poderiam ter acesso direto, tinha que pedir autorização para garantir que não ia perder, era lá que eu lia, e eu ficava horas sentado lá lendo.

Luciano Pires: Quer dizer, como sair ileso de um processo de lavagem cerebral? Ele só te expõe uma visão de mundo e enquanto isso o inimigo está muito claro que é, então olha, o teu inimigo está fardado, está de verde lá e demonizem. A gente não pode hoje em rede social, por exemplo, tentar discutir 64, vamos tentar discutir 64, sem histeria, vamos tentar discutir o que aconteceu, se há alguma maneira de aquilo ter sido diferente, se poderia... não tem como, cara, tem todo um estereótipo criado ali...

Marcelo Suano: Eu não sei nem se você vai receber repreensão por causa disso...

Luciano Pires: Aqui? Não, vão nos encher o saco.

Marcelo Suano: Sabe por quê? É porque isso que eu estou falando aqui tenta mostrar que aqueles caras que estavam lá não eram monstros, eles não eram ditadores, eles não queriam nem aquela porcaria, eles não queriam nada daquilo, eles queriam apenas, eles entraram por causa de um momento de esculhambação das nossas instituições, da nossa estrutura, quando deu a esculhambação? Quando a hierarquia e a disciplina foi rompida, quando o João Goulart foi além do que ele poderia ir, que ele fez uma festinha com soldados e sargentos, praças e sargentos, praças, coloco como praça tudo, e eles falaram, por que que ele estava fazendo isso? Porque ele já estava ativando os caras supostamente para trazer a massa dos praças, porque como que se divide? É praça, oficial e general, são os três grupos, os praças é até subtenente, soldado, cabo, terceiro sargento, segundo sargento, primeiro sargento, subtenente, esses aqui são os praças, estava se reunindo com os praças desrespeitando a hierarquia de comando, hora quando eles perceberam isso, aí foi além, aí eles começaram a se articular, e o negócio estava tão estranha a articulação que ela surge do nada, porque o cara que começou o movimento de 64 foi um general de divisão, não foi um general de exército, que é o último posto, que é um posto antes, e curiosamente quando o general de divisão, que é o Mourão, que se chamava Mourão na época, quando ele chega, que ele vai conversar com o Costa e Silva, meu, Costa e Silva diz, Mourão, ou você faz isso, ou você está na compulsória amanhã, o Mourão prestou a continência, depois no livro ele disse que era apenas uma vaca fardada, mas ele tomou uma decisão pessoal naquele momento, Partido Fardado incorporou nele, o sentimento de indignação, por isso que ele começou, e todo mundo diz, não, porque 200 anjos do céu caíram para instaurar... não, não teve nada disso, foi uma forma menos organizada do que se imagina, mas era o sentimento de indignação, foi assim que começou, e aí tenta-se de alguma forma, tenta buscar como se houvesse uma ordem lógica estruturada, com um planejamento estratégico...

Luciano Pires: Com um americano ali atrás fazendo um roteirinho.

Marcelo Suano: Os americanos não estavam nem aí, eles não estavam nem entendendo o que está acontecendo aqui, os americanos não estavam entendendo o que estava acontecendo aqui, tanto que pelo o que consta, eles demoraram para tomar uma decisão se iam botar ou não uma frota por aqui por perto para ver o que ia acontecer.

Luciano Pires: Ih, cara, nós vamos ouvir abobrinha aqui que...

Marcelo Suano: Mas veja, só para te dizer o seguinte, eu não estou dizendo que aquilo ali foi certo, eu não estou dizendo...

Luciano Pires: Não, a proposta nossa aqui é tentar... vamos tentar propor uma discussão que você possa ouvir todos os lados, cara, que os lados não têm certeza, a gente não consegue contar o que aconteceu ontem, cara, estamos falando de uma história aqui de 40 anos atrás, com documento para todo lado, dá uma olhada já pandemia agora para ver se você entende como é que é feita a história, cara, onde tem um documento dizendo A, um documento dizendo B, os dois carimbados, ninguém consegue chegar a consenso de porcaria nenhuma, o tempo trará a razão, não traz, cara, só esconde.

Marcelo Suano: Luciano, só para ver, só para demonstrar como eu não estou preocupado em dizer que já uma perfeição nisso ou que se justifica qualquer ato que seja de ruptura de uma ordem institucional, não estou dizendo isso, apenas para mostrar pessoalmente, um dos grandes amigos que eu tive na minha vida, foi meu professor, ele foi guerrilheiro, ele se dizia stalinista, ele sabia que eu era de direita, era um dos poucos que sabia que eu era liberal, me convidou... ele foi o cara que me ensinou a fazer projeto de pesquisa, porque ele era muito bom nisso, e ele me deu um presente, eu até perguntei, por que eu se você sabe que eu sou liberal? Porque o meu grande amigo também é liberal. E ele se dizia stalinista, ele me deu o presente de eu corrigir e fazer uma revisão da livre docência dele, e era o meu grande amigo, que era o Leonel, o professor Leonel, que escreveu um dos livros de geopolítica para tentar recolocar a cadeira de geopolítica na Universidade de São Paulo, era o meu grande amigo. Aí vai dizer assim, mas espera aí, Suano, você é de direita, você é liberal, você é conservador, como é que você convivia com isso? Por uma razão simples, nós nunca personalizamos, aí é que estava a coisa que eu achei interessante, por que que eu estou trazendo ele, inclusive? Primeiro a gente não personalizava, jogava-se o problema... e ele olhava para mim, e eu era um garoto de vinte e poucos anos, era jovem, e ele já era maduro, ele foi guerrilheiro, e ele dizia assim, porque nós temos que olhar o problema, e eu achava isso muito interessante, não sei se isso é real, mas ele dizia assim, olha que avanço que ele tinha, esquerda e direita são perspectivas para interpretar a realidade, e cada um faz perguntas que o outro nunca vai fazer, a maneira de responder é que tem que verificar, aí ele dizia, eu acredito que a minha resposta é melhor, é por isso que eu sou stalinista, aí eu dizia, não, eu acho que o stalinismo não vai levar a tudo isso que você está falando não. E a gente debatia muito, mas ele me falou duas coisas que eu acho interessante, eu nunca esqueci, a primeira delas, eu perguntei para ele, tudo bem, Leonel, você foi preso, ele disse, sim, fui preso, você nunca pensou em processar o estado brasileiro? Eu nunca esqueci a resposta que ele deu, ele disse, é inadequado, injusto, eu penalizar a sociedade de hoje pelos erros que eu identifico nos comandantes, ou seja, comandante não era militar, mas os líderes políticos de outrora, porque quando eu venho atrás disso, ele disse, eu não sou inútil, eu não perdi a minha capacidade de trabalho, eu perdi coisas naquela época, mas eu estava querendo uma revolução...

Luciano Pires: Estava na luta, cara, estava na luta.

Marcelo Suano: Se eu tivesse feito a revolução, muito provavelmente a gente teria feito coisas não muito iguais, mas a gente teria feito coisas rígidas, ele falava assim, a primeira coisa que ele falou. A outra, ele disse assim, se eu tivesse entendido, isso em uma das vezes, a outra vez, a gente conversando, ele disse, se eu tivesse entendido melhor os militares, a maneira como eles pensaram o Brasil, eu jamais teria me voltado contra, eu tentaria trazer os militares para a nossa luta, porque eles são mais justos do que muitos dos partidos políticos, incluindo os de esquerda. Eu nunca esqueci isso.

Luciano Pires: E eles entenderam isso perfeitamente, tanto que nunca mais se mobilizaram para partir para a porrada, e não vão fazer isso de novo, cara, eles vão na conversinha agora, nós estamos vivendo um outro tipo de mundo, um outro tipo de processo, os caras estão lutando... meu, estamos aqui conversando já há uma hora e trinta minutos, e a gente nem chegou em Rússia e Ucrânia, cara, e eu não sei como nós vamos fazer, não quero deixar você ir embora sem a gente tratar um pouco de Rússia e Ucrânia, que eu sei que você mergulhou nessa discussão toda, o que que acontece lá, o que que se passa lá, cara?

Marcelo Suano: Luciano, correndo... já que já vão te cancelar e vão te perseguir, te processar por tudo o que a gente falou sobre o Brasil, só deixando claro, em nenhum momento eu chamei ninguém de corrupto, não chamei ninguém de ladrão, não disse que tem que ter golpe de estado e nem falei que esse é papel dos militares, muito pelo contrário.

Luciano Pires: E nós nem falamos em STF, cara, nem tocamos no STF.

Marcelo Suano: Se tiver um apêndice, eu vou tentar interpretar que o erro não está no STF, porque nós dois se fôssemos, nesse sistema político, que é uma porcaria que a gente tem, que é o presidencialismo de coalizão com essa lógica que ninguém sabe qual é, se nós tivéssemos no STF, a gente faria parecido, só que da perspectiva pessoal, ideológica ou política que a gente tem, porque é a brecha que dá para eles fazerem... aí é que as pessoas ficaram decepcionadas, alguns, dizendo, por que que não se restabeleceu a ordem institucional? Não é derrubar ninguém, fechar nada, era essa a decepção que parte das pessoas tiveram, mas isso é outro assunto. Vou te falar questão da Ucrânia, eu acompanhei a Ucrânia desde 2013.

Luciano Pires: 13?

Marcelo Suano: É, por quê? Porque o que aconteceu lá já estava em um processo de amadurecimento seja com participação direta da União Europeia, seja por causa da desestruturação política que a Ucrânia vivia, a Ucrânia não...

Luciano Pires: Só uma coisinha antes de você... eu pensei que você ia voltar um pouco mais no tempo, só para botar uma perspectiva aqui, a Ucrânia fazia parte da União Soviética, era parte da União Soviética, um belo dia... bom, sofreu na mão da... foi explorada até o extremo, teve lá o Holodomor, eu nunca acerto se é Holodomor ou Hodolomor, Holodomor, teve o problema do Holodomor, que morreram milhões lá pela fome, ela foi... bom, tem documentação disso à vontade lá, e quando a União Soviética termina, ela se transforma em um país independente grudado na Rússia, dentro ali. Ali começam então as confusões, porque o mundo se divide, um pedaço fica para o russo, um pedaço está para o lado ocidental, não quero dizer que é dos americanos, mas é tudo aquilo não russo, e ali começa uma tensão, então, e os russos não admitem que um vizinho, sabe...

Marcelo Suano: Aproxime.

Luciano Pires: Se aproxime do outro lado e traga para perto deles a ameaça ocidental.

Marcelo Suano: Mas eu vou te dizer porque eu começo... eu começo essa crise que a gente está vivendo aí, 2012, 2013 foi que ela começou, por quê? Por causa da desestruturação política interna da Ucrânia, mas o problema da Ucrânia é o que você falou, ele vem de antes, ele vem de antes por quê? Eu estou dizendo assim, esta crise que gerou o que está acontecendo agora, já em 12, 13 estava bem ativa, é ali que começou o germe desta confusão que leva o Putin a tomar essa decisão, que é uma das decisões mais absurdas que se pode imaginar, porque ele simplesmente jogou fora o prestígio que a Rússia poderia ter e está desgastando a Rússia, sem fazer... não estou fazendo torcida não, essa guerra tem que acabar, mas veja, por qual razão eu falei de 2012, 2013? Então, vamos voltar um pouco mais, 91, a União Soviética, ela começa a quebrar em 90, 91, aí ela se fragmenta, a Rússia, a Federação Russa, antes houve a comunidade dos estados independentes que estavam lá, era a CEI, que era antiga União Soviética, uma série de repúblicas, aí os outros países foram se... as outras repúblicas internas da União Soviética foram adquirindo independência, 91, a Ucrânia adquiriu, houve um acordo entre eles, primeiro, você vai se tornar independente? Show de bola, mas algumas coisas têm que ficar muito claras, a primeira delas, todos os armamentos nucleares vêm para cá, a Ucrânia devolveu os armamentos nucleares para a Rússia, a Rússia, em contrapartida, iria respeitar o espaço territorial ou a unidade territorial da Ucrânia, estava acordado. Mas além disso, tem um dado, os russos não são idiotas, se eles entregam o território para a Ucrânia há uma coisa que é essencial para os russos, a Ucrânia faz fronteira com a Rússia, ele tinha que ficar sempre atento em relação para onde a Ucrânia iria, só que mais importante que isso, ele não poderia permitir em hipótese alguma que o mar de Asove, o mar de Asove é quando sai do mar... você entrou pelo mar Mediterrâneo, aí entra no mar Negro, entra no mar de Asove, o mar de Asove, ele é um mar que está ali no território russo praticamente e no território ucraniano, por que que isso é tão importante? Porque os russos em termos de estratégia militar, eles têm que controlar o mar de Asove, porque está no território russo, eles têm que controlar a saída para o mar negro que se dá pela Criméia, que é um dos oblaste, o que é oblaste? É algo como a gente fala, estado, estado de São Paulo, estado do Rio de Janeiro, é uma das subunidades do território ucraniano. Os russos não são idiotas, qual era a preocupação deles? Tudo bem em relação ao mar de Asove, porque o leste da Ucrânia tem etnia russa majoritariamente, mas a preocupação dos russos era a Criméia não pode ser um território exclusivamente ucraniano, por quê? Porque os russos têm um problema, o norte é todo gelo, o ventre da Rússia é um monte de país, por onde que ele tem saída para os mares quentes, ou seja, mares navegáveis? Murmanski no norte, Vladvostok na Criméia, e... desculpa, Sebastopol na Criméia, e Vladvostok no extremo oriente, por qual razão é tão importante ter a base de Sebastopol na Criméia? Porque se você tem uma base militar aí, você controla qualquer possibilidade de você entrar com frotas navais e entrar pelo mar de Asove e destruí a Rússia, então para eles, eles nunca vão ceder a base de Sebastopol, tanto que naquele acordo estava muito claro que a Criméia seria um oblaste autônomo em relação à Ucrânia, apesar de estar no território ucraniano, e a base de Sebastopol seria uma base, uma cidade autônoma em relação à Criméia, tanto que os russos pegaram e mantiveram a base de Sebastopol como cedida, arrendada, sei lá o que, para a Rússia, e os soldados ficaram lá, muitas pessoas diziam, ah mas os russos invadiram a Criméia, não invadiram, eles já estavam lá, porque a base de Sebastopol é controlada pela Rússia. Aí já está muito claro isso, a Ucrânia...

Luciano Pires: Não tem uma situação assim Cuba?

Marcelo Suano: Caso de Guantánamo.

Luciano Pires: É parecida...

Marcelo Suano: É porque as pessoas falam da base de Guantánamo, mas tem lá em... falam da prisão de Guantánamo, mas além da prisão de Guantánamo, antes da prisão de Guantánamo, que teve aqueles atos de tortura feitos pelos norte-americanos contra prisioneiros terroristas, a base de Guantánamo ficou sob posse americana, mesmo com a revolução cubana, está lá, sempre teve, desde a revolução, teve lá a base, é a mesma coisa. O que que os russos, eles pensam, por que que eles pensavam isso? Aí vamos interpretar a maneira do russo raciocinar, o russo, ele sempre raciocina da perspectiva da segurança, e a política externa russa é feita olhando para a segurança, é diferente da política externa americana, que por mais que tenha segurança, é projeção de poder, porque eu mando no mundo inteiro, e eles sabem disso, e é justo que eles pensem assim também, é diferente da chinesa, que é ocupar espaços territoriais vazios, é diferente da brasileira, que é tentar de alguma forma se relacionar pacificamente com os demais, porque a gente tem o nosso território pacificado, e a gente tem as nossas fronteira pacificadas, são maneiras diferentes de pensar. Pelo fato dos russos raciocinarem da perspectiva da segurança, o raciocínio dele não é exclusivamente geopolítico, é geoestratégico, qual é a diferença entre um e outro? A geopolítica é como eu interpreto a minha relação no mundo baseado no espaço que ocupa um determinado país e a posição em que ele está perto de mim, isso é o geopolítica, o que é a geoestratégia? Quando eu olho a mesma coisa da perspectiva da segurança, colocando tropa, pensando militarmente no caso de uma guerra, o raciocínio do russo é altamente geoestratégico, tanto que essa é a razão pela qual ele não admite que a Criméia seja cedida, ele não admite, ah já que vocês não respeitaram isso, então a Criméia é nossa.

Luciano Pires: É o mesmo raciocínio da China com Taiwan, a mesma coisa.

Marcelo Suano: Exatamente, além do que, no caso de Taiwan, ali se a China... por que que ela quer incorporar Taiwan? 95% da produção de microprocessadores do mundo está em Taiwan, se eles fizerem isso, o mundo fica nas mãos da China mesmo, não é mais hipótese, aí fica mesmo. Mas olha que coisa curiosa na Ucrânia, esse é o raciocínio russo, eles raciocinando assim, de 91 para cá aconteceram algumas coisas, dentre elas, 97, quem está falando isso não sou eu, quem vai falar isso é um cara chamado Jorge Quina, que foi o cara que desenvolveu a estratégia de contenção do poderio soviético logo depois da Segunda Guerra Mundial, ele foi vice embaixador em Moscou, e ele escreveu um texto chamado assim, agora... ele escreveu como Mister X, e ele fala a estratégia de contenção soviética, alguma coisa assim que é o texto dele, seis páginas na Foreign Affairs, que é a revista mais importante de relações internacionais, e ali norteou a estratégia americana. Em 97, o Jorge Quina escreveu um texto em que ele falou, estamos cometendo uma grande bobagem, os países, 14 países que fizeram parte da cortina de ferro, o grupo de aliados da Rússia, ingressaram na Otan, a Otan foi construída para enfrentar a União Soviética, a União Soviética quebrou, o que que nós estamos fazendo? Nós estamos incorporando antigos aliados e estamos afastando a fronteira da Otan para a fronteira com a Rússia, a resposta a isso vira no futuro, por quê? Porque na hora que eles tiverem condição, eles vão enrijecer, porque eles não vão permitir que essa fronteira chegue para eles. O Jorge Quina escreveu isso. Chega no período 12, 13 para 14, a Ucrânia vivia uma crise política gigantesca, porque a acusação de corrupção nos governos, caía um governo, subia outro, caia um governo, subia outro, até que assume um cara chamado Yanukovych.

Luciano Pires: Tem um documentário na Netflix que é sensacional, eu não vou me lembrar o nome dele aqui agora, mas é exatamente, ele conta esse período aí, aquelas cenas do pessoal jogando os políticos dentro do latão de lixo...

Marcelo Suano: Exato, era uma esculhambação aquilo lá, ou seja, não era a pacificação que a gente fala, tudo tranquilo, não, tanto que eu vou dizer quem eu acho que é o grande culpado pelo o que está acontecendo, porque eu vejo que a Ucrânia foi abandonada pelo ocidente na hora errada, entendeu? Mas tudo bem, ali assume naquele momento, 14, estava no poder o Yanukovych, o que o Yanukovych queria? Ele era pró russo, mas ele estava respondendo para a sociedade que queria entrar na União Europeia, e os russos vieram e fizeram uma proposta, entra na união asiática, eu vou te dar um monte de coisa, vou te dar dinheiro, vou te dar gás, vou te dar tudo o que você quiser, mas não vai para a União Europeia, por quê? Porque se você for para a União Europeia, a tendência é entrar para a Otan, se lembra daquelas fronteiras que foram afastadas? Se a Ucrânia entra na Otan, a Rússia está totalmente aberta, e aí eles alertaram o olho. Aí o Yanukovych, que tinha acenado que ia para a União Europeia, diz que não, eu vou para a União Asiática, legal, o povo se revolta, derruba o Yanukovych, só que tem um dado que eu creio que procede, pelas informações que foram divulgadas, o Yanukovych, ele recebeu o impeachment sem quórum no parlamento, sem quórum no congresso ucraniano e em trânsito, o que não poderia, isso era ilegal, ou seja, o impeachment dele foi ilegal pela constituição ucraniana, aí ele cai, ele foge, vai para a Rússia, aí o que que os russos fazem? Ah é? Então, vamos fazer o seguinte, a gente não vai permitir que a Ucrânia entre na União Europeia e leve a Criméia junto, então vamos fazer o seguinte, a população da Criméia é etnicamente russa, vamos fazer, estimular um referendo lá, um referendo dá 96% aproximadamente, eu não lembro agora, mais de 90%, quase 100, que pediu a separação da Ucrânia e depois aprovação para integrar a Rússia, só tem um detalhe, é verdade que deu 98%, mas aí foi um outro ato ilegal, se a queda do Yanukovych foi ilegal, o referendo foi ilegal por qual razão? Porque a constituição ucraniana previa a possibilidade de um oblaste, oblaste é o estado, se separar, desde que houvesse um referendo no país inteiro, porque seria ilegal um referendo apenas na região, mas os russos como estavam preocupados com a segurança, o que que eles falaram? Não, não, não, vai na carta da ONU, que tem uma coisa chamada autodeterminação dos povos, a Criméia é etnicamente russa, tanto que 90, quase 100% falou, então eu vou bancar isso aí, vou incorporar aqui.

Luciano Pires: Cara, eu estou vendo essa lógica sendo utilizada na Nação Yanomami daqui a pouquinho, cara, daqui a pouquinho, mas deixa para outro dia...

Marcelo Suano: Olha que coisa curiosa, aí eles fizeram isso, beleza, aí a Criméia foi incorporada, show, show como, isso aí já era problema que estava previsto, em 2015, o Harry Kissinger, que é uma das maiores personalidades da história dos Estados Unidos, que foi o cara que negociou a entrada da China Continental no conselho de segurança, foi secretário de estado do governo dos Estados Unidos, ele escreveu um artigo e disse assim, é uma bobagem o que estão fazendo com a Ucrânia, a Ucrânia não tem que entrar na União Europeia e muito menos na União Euroasiática, o que que eles têm que fazer? Eles têm que ser a ponte entre os dois mundos.

Luciano Pires: Ganhar dos dois.

Marcelo Suano: Exatamente, ganhar dos dois lados.

Luciano Pires: Eu sou a almofada entre os cristais aí, me paguem para continuar almofadando.

Marcelo Suano: O Kissinger escreveu isso em 2015, 2015 ele escreveu, aí vem a guerra civil lá, ora, o leste da Ucrânia, ele disse, nós somos russos, porque nós somos etnicamente russos, queremos nos separar, vem a guerra, a região do Dombass, é a região que tem Lohansk e Donetsk, e vai até um rio agora, não sei se é o Dnieper, alguma coisa assim, agora me escapa. E aquele rio ali seria uma fronteira entre aspas natural daquilo que é etnicamente russo, começou a guerra, teve os acordos de Minsk, a partir daí chegaram à uma acomodação, mas não pacificação. Os russos fizeram o que? Passaram a fazer treinamentos militares na Bielorrússia, que todo mundo acha que as tropas estavam lá e surgiram de lá, tinham 100 mil pessoas treinando, todo ano os russos botavam 100 mil a 120 mil soldados ali para treinar, todo ano proximamente nos meses de julho, agosto, tinha treinamento militar de tropas russas com 11 países convidados, entre eles a China, todo ano, então todo mundo sabia que aquilo poderia acontecer, tanto que os ucranianos não acreditaram agora em 2022 que houve a invasão, porque eles tinham sempre aquilo lá, isso não vai acontecer não, os russos não vão fazer nada, isso aí é blá blá blá, eles não vão fazer nada. Qual é a jogada? Quando ficou muito claro que ali com o novo presidente da república, haveria a possibilidade de eles migrarem definitivamente para a União Europeia, que incomoda muito, mas não tanto, mais incomoda mesmo é entrar na Otan, aí eles pegaram aquele momento de exercício e criaram uma manobra diversionária, que é faz de conta que é só um exercício, e a gente vai invadir, vamos pegar todo mundo de surpresa. Foi o erro de fazer uma guerra que ele não queria resolver em quatro dias, porque eles poderiam ter resolvido muito rapidamente aquela guerra, se eles tivessem utilizado de uma violência desenfreada, o problema todo é que não se sabe se os soldados russos tinham consciência de que aquilo era uma invasão, talvez por isso não se tomou a decisão de atropelar a Ucrânia.

Luciano Pires: E também se eles atropelassem a Ucrânia, ia haver um troco violentíssimo do ocidente, de alguma forma ia haver.

Marcelo Suano: Mas olha só, pelo menos o campo de batalha estaria resolvido, e o que que os russos perderam? Soldados, quase 50 mil soldados...

Luciano Pires: É um ano de luta já.

Marcelo Suano: Um ano de luta, quebraram a sua economia, e ali eles estão isolados internacionalmente, entre aspas, porque na realidade, no subterrâneo está todo mundo negociando com a Rússia, mas ali ficaram pelo menos sendo considerados párea, aí vem a pergunta, quem eu acuso? Não seria acusado, mas quem eu interpreto como sendo o grande responsável por isso? Eu interpreto que a própria União Europeia foi a grande responsável, por qual razão? Como que a União Europeia trabalha para o ingresso de membros? Você tem que ter instituições estáveis, confirmadamente democráticas, uma economia estruturada dentro do livre mercado, um capitalismo pelo menos estabelecido e uma moeda estável para que possa fazer uma paridade e a partir de aí ingressar no euro, você tem que ter um país arrumado, e o que que a União Europeia falava? A Ucrânia, queremos entrar na União Europeia. O que que a União Europeia falava? Não, veja bem, você tem que cumprir uma determinada sequência de itens. Só que tem um detalhe, quando ela fala que tem cumprir uma determinação sequência de itens, se a União Europeia quisesse que a Ucrânia entrasse na União Europeia de uma maneira estável, pacífica, adequada, racional, eles deveriam ter ajudado, como? Vamos ajudar vocês na economia, vamos ajudar vocês nas instituições, vamos ajudar a fazer uma reengenharia institucional, e aí nós trabalhamos com vocês para vocês ingressarem. Por isso eu digo, a Ucrânia foi abandonada pela União Europeia muito antes, tanto que quando o Zekensk fez o primeiro discurso para a União Europeia, ele falou exatamente isso, agora vocês não podem mais nos deixar sozinhos como vocês nos deixaram, o Zekensk botou o dedo, ora, quando você para ver, disse assim, você está falando bem de quem? Não estou falando bem de ninguém, a questão é entender o processo histórico para que isso não se repita e não gere uma guerra nuclear, por que gera uma guerra nuclear? Porque quando a guerra que poderia ter sido resolvida se os russos tivessem utilizado de uma estupidez, uma brutalidade excessiva, isso teria sido resolvido em cinco dias, tanto que quando eles entraram, todo o sistema cibernético já tinha sido derrotado da Ucrânia, onde foi que os russos pecaram? Os russos são péssimos em diplomacia, péssimos em diplomacia pública, não conversam direito com as pessoas, por isso eles dançaram, deu tempo, eles imaginavam que o Zekensk ia ceder, o Zekensk faz um vídeo e diz, não, não, eu vou ficar até o fim, todo mundo ficou, como que ele vai ficar até o fim? Esse cara é maluco, vai nada. Aí ele ficou. Na hora que a parte cibernética tinha sido quebrada, a Ucrânia junto com os seus articuladores e outros países do ocidente, automaticamente se organizaram e pediram, inclusive, apoio do Elon Musk, que botou os seus satélites para restaurar todo o sistema virtual, o sistema cibernético da Ucrânia, deu tempo para que eles se organizassem. Aí o que os ucranianos fizeram? É muito diferente você lutar com um cara que está invadindo a casa do teu tio, do teu avô, do teu primo sob o argumento de que ou tem que conquistar aquilo ou que é apenas um exercício, e isso não se sabe, não se vai saber nunca a verdade, e aquele cara que está defendendo a sua casa e vendo perder tudo, o moral, que é a disponibilidade para a luta do ucraniano estava lá em cima, do russo ninguém sabe qual era, veja, por mais que tente-se falar, a Ucrânia não é a Rússia, o povo ucraniano não é o povo russo, é povo irmão, não interessa se são primos, tem a mesma origem, eles têm as mesmas similaridades étnicas, tem as similaridades culturais, quando você vai na Rússia ou vai na Ucrânia, é muito comum você ter pai, mãe, pai russo com mãe ucraniana ou pai ucraniano com mãe russa, é muito comum você encontrar isso tanto na Rússia, quanto na Ucrânia, na realidade, mas é que o meu avô é ucraniano, ah que a minha avó é russa, ah eu nasci na Ucrânia, eu nasci na Rússia, então é muito comum você encontrar isso. Então, você encontra uma situação assustadoramente esdruxula como essa, em que está instaurando um ódio entre parentes. Voltando, significa que eu estou dizendo que a Ucrânia tem que ceder ao que a Rússia quer? Não, eu estou dizendo é uma guerra que foi criada em um momento em que, não diria que ela poderia ter sido evitada, não diria que chega a isso, mas ela se houvessem líderes mais fortes no ocidente, bastaria, por exemplo, só ter a Ângela Merkel, compara a Ângela Merkel com o Olaph Shoultz, com todo o respeito, eu amo o “Fuquete” de quatro portas, mas é um Fusca atual comparado com a uma Ferrari, ou com uma McLaren, ou comparar com uma Masserati, não dá para você comparar os dois, Ângela Merkel é um espetáculo, ela conversava com o Putin em russo, e o Putin em retribuição, como ele foi agente da KGB na Alemanha, ele falava alemão, ele conversava com ela em alemão. Ele sempre quando ele ia encontrar com ela, ele levava buquê de flores para ela. Ou seja, os líderes poderiam ter pensado e feito posicionamentos ou cenários estrategicamente bem concebidos, mas quando você olha hoje para as lideranças da Europa, eles estão preocupados com o seu fundo de quintal, eles não conseguem olhar para o futuro.

Luciano Pires: Cara, você está esquecendo de um ponto fundamental, Lula está chegando e ele vai resolver essa guerra em um boteco e vai levar o Nobel da Paz, cara.

Marcelo Suano: Isso é a assustador essa pretensão, ainda mais que eu falei tudo isso para chegar em um único ponto, aí é uma guerra se desenvolve, produz os absurdos, a Rússia está perdendo mais soldados do que ela perdeu no... dez vezes mais soldados do que ela perdeu no Afeganistão durante todos os anos de guerra no Afeganistão, está desgastando o seu exército, está desgastando a sua credibilidade, está desgastando a sua economia...

Luciano Pires: A paciência do povo russo vai acabar em algum momento.

Marcelo Suano: Ele pode, inclusive, cair o governo, chegou a um ponto que agora criou um impasse, por quê?

Luciano Pires: Fica feio voltar atrás.

Marcelo Suano: Não tem como, e detalhe, não é nem como, porque a Rússia conseguiu conquistar aquele entorno do mar de Asove, você lembra que eu falei do mar de Asove? Geoestrategicamente o que que a Rússia fez? Quando eles viram que eles não iam invadir Kiev, e não conseguiram, depois que eles não conseguiram, eles recuaram para o leste, no leste você tem inint 01:57:30 e depois Criméia, e sobe, já não é mais Ucrânia, mas uma regiãozinha que é chamada Transnístria, que pertence à Moldávia. Qual era a jogada então, eles pensaram, agora a gente controla o mar de Asove, mantém a base de Sebastopol, controla a saída para o mar Negro, que é o mar quente que a gente quer e ainda faz o entorno da Ucrânia, e deixa a Ucrânia como um país mediterrâneo, sem saída para o mar, vai ficar na nossa dependência. O que que o Zelenskyy fala? Não, não, não, eu quero todo o território. É um impasse, porque os russos não vão em hipótese alguma devolver a Criméia ou devolver Lugansk e Donetsk, além do que, quem vai reconstruir a Ucrânia? Vai ser a Rússia? Os russos vão dizer, não, não vamos reconstruir, o ocidente é que tem que reconstruir. É um impasse, dificilmente esse impasse vai ser... ainda mais com pretensão de achar que isso se resolve em uma mesa de bar.

Luciano Pires: É muito mais que isso.

Marcelo Suano: É muito mais que isso.

Luciano Pires: Meu caro, que papo delicioso, dá para a gente ir muito mais longe aqui, mas nosso horário já está estourado. Como é que a gente te acha aí, qual é o nome do livro, qual é o site, qual é o endereço no Instagram, como é que a gente te acha?

Marcelo Suano: Olha, é legal o negócio do Instagram, hoje o meu Instagram foi retomado, eu fiquei com o meu Instagram bloqueado quase um ano exatamente no período por causa da guerra da Ucrânia, porque eu tentei explicar isso, e as pessoas achavam que eu estava defendendo o Putin, eu não estava defendendo o Putin, e o que fizeram a ponto de me odiar, porque eu falei o seguinte, no início da guerra, quando ainda a Rússia tinha muita tropa, eu falei o seguinte, estão cometendo um erro estratégico grave, o ocidente e a Ucrânia. Qual? Me perguntaram. É muito simples, você não pega um adversário que tem capacidade de reagir contra você em um único ato e usar muita violência, você não pega esse adversário, coloca contra a parede sem deixar uma rota de fuga, se você não dá rota de fuga para ele, o que ele vai? Ele vai para a extremidade lógica, é o gato e o cachorro ou o gato e o rato, vai para a pancada. Por causa disso eu perdi o meu Instagram, achavam que eu estava dizendo que o Putin tinha que ter saída honrosa e ele era um criminoso internacional, e eu estava defendendo ele, eu não estou defendendo, eu estou explicando apenas que é um erro estratégico, dá uma rota de fuga para ele para tentar pacificar. Caçaram o meu Instagram, tive que reconstruir, hoje o meu Instagram é marcelo_suano, s u a n de navio o, é facinho.

Luciano Pires: marcelo_suano.

Marcelo Suano: Tem também o twitter, no Instagram tem o Twitter, porque eu tive que reconstruir tudo, me caçaram o Instagram, Facebook, Twitter, ainda tentaram quebrar o meu WhatsApp.

Luciano Pires: Meu Deus do céu.

Marcelo Suano: Tentaram quebrar tudo, eu fiquei oito a dez meses sem.

Luciano Pires: Você está como comentarista na Pan também?

Marcelo Suano: Estou como comentarista na Pan, eu faço comentários na Bandeirantes de Porto Alegre, em um programa que é um programa de relações internacionais, às terças-feiras à noite, e estou como colunista na BNCNews.

Luciano Pires: E o livro como é que chama-se?

Marcelo Suano: Como Destruir um País: uma aventura socialista na Venezuela.

Luciano Pires: A gente acha na Amazon?

Marcelo Suano: Acha na Amazon, então ali é fácil, e até comprando pela Amazon fica a metade do preço que tem em livraria. Até melhor, que para mim, você sabe que livro ninguém escreve livro no Brasil para ficar rico, isso não existe.

Luciano Pires: Só quem fica rico é a Doce Veneno do Escorpião, é a Bruna Surfistinha, o resto não. Meu caro, grande papo contigo, olha, aqui dava papo para mais de metro aqui, a gente pode continuar, eu vou te chamar mais vezes.

Marcelo Suano: Ah que bom, eu espero não ter te decepcionado...

Luciano Pires: Não, imagina, você vê que coisa legal, podcast tem isso, pode falar à vontade, não tem problema, não tem ninguém no ponto aqui, chega, para, não, aqui a gente vai numa boa, mas é sensacional essa visão, sabe, do mundo que você tem e dá para explorar muito mais isso ainda, inclusive essa visão do exército, isso é muito legal, você só acendeu aqui uma chama aqui, eu quero saber mais, mas vou te chamar de novo.

Marcelo Suano: Fico muito feliz. Só para deixar claro para as pessoas, eu não sou daquele tipo que diz assim, posicionamento à esquerda, posicionamento à direita é doença mental, eu acho que não, é apenas forma de interpretar a realidade, e onde que existe a construção do futuro? Quando você questiona a realidade e apresenta uma proposta para resolver, ou seja, eu não sou daqueles radicais que não, eu só converso com um, não, eu converso com todo mundo, agora, eu tenho minhas convicções, tenho meu lado, eu me assumo, sou liberal na economia, conservador nos costumes, por isso eu sou de direita, agora quando alguém chega para mim e diz, você é extrema direita, essa pessoa não sabe o que está falando, a extrema era violência, e é exatamente o cara que vem taxar você que é extrema de alguma coisa.

Luciano Pires: Mas fique frio que extrema só tem na direita, viu?

Marcelo Suano: Valeu, obrigado, Luciano.

Luciano Pires: Muito bem, termina aqui mais um LíderCast, a transcrição deste programa você encontra no LíderCast.com.br.

Voz masculina: Você ouviu LíderCast com Luciano Pires, mais uma isca intelectual do Café Brasil, acompanhe os programas pelo portalcafebrasil.com.br.

 

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