LíderCast 70 - Alexandre Barroso - Revisitado

Data de publicação: 08/08/2023, 12:35

Hoje conversamos com Alexandre Barroso, num programa com duração recorde de 3 horas e 5 minutos, que conta uma história incrível de amor à vida. Se você acha que tem problemas, ouça a história do Alexandre.

Luciano          Muito bem, mais um LíderCast daquele jeito que eu gosto, porque o LíderCast é uma… ele forma uma rede de pessoas que é um negócio interessante, eu vim aqui, fiz uma entrevista com o Caruso, o Caruso foi embora, não demorou dois dias ele me liga: meu eu conheço um cara fantástico. Ele veio aqui, ele viu o que era o LíderCast, ele faz uma recomendação para conversar com um cara que ele conheceu, que eu não tenho a menor ideia de quem é e três dias depois o cara está aqui. Então isso é muito legal porque a gente vai conhecendo pessoas muito especiais e que vêm para cá com uma recomendação que já faz toda a diferença. Você não conhece ainda o programa, mas o programa tem três perguntas que são fundamentais e que a partir delas é que o programa se desenrola. Então, concentre-se para respondê-las, por favor, eu quero saber seu nome, sua idade e o que é que você faz?

Alexandre      Alexandre Barroso, eu sou publicitário, 58 anos da última vez que me deram um documento com idade, de nascença e renascença a gente tem outras idades, desde a última vez que morri, hoje eu tenho cinco anos.

Luciano          A última vez que morri…

Alexandre      Depois da última vez que morri, tenho cinco anos.

Luciano          Maravilha, estou falando com um sobrevivente aqui.

Alexandre      Com um sobrevivente.

Luciano          Vamos lá. Da onde vem, você nasceu aonde?

Alexandre      Eu sou paulista, criado no Rio, morado na Bahia, morei um tempo no Amapá, viajo, publicitário, então viajei com campanhas, viajei ao longo do tempo, Rio, durante a infância, acabei indo para a Bahia, praia sempre e sou uma pessoa viajante…

Luciano          Publicitário por escolha ou porque caiu do céu? Como é que foi, você estudou para quê?

Alexandre      Não, publicitário porque eu nasci publicitário, antes de falar papai eu falei layout lá em casa, eu tenho um pai publicitário, tio publicitário, tio-avô publicitário, família toda Clicio Barroso, irmão fotógrafo de publicidade, um irmão no meio, diretor de arte de publicidade, então a gente nasceu em casa realmente vendo papai com prisma desenhando motor do Landau, do Galaxy Landau. Então, em 1973 eu estudava no São Luís, Colégio São Luís e já cheguei à conclusão que eu não queria estudar muito e aí meu pai sentou comigo, publicitário que era, ele disse ok, no problem, você tem uma semana para achar um emprego, achando que era um desafio improvável para um cara em 73, de 13 anos, uma semana depois eu tinha o meu primeiro emprego na MPM Propaganda…

Luciano          Com 13 anos.

Alexandre      … com 13 anos…

Luciano          Emprego mesmo, o que você era?

Alexandre      É eu entrei, pedi um estágio, conversei com os caras e expliquei que eu era da Ática, eu era filho de Clício, filho de publicitário, eu gostava muito da arte e queria um estágio e se me desse um estágio dentro da agência e eu pudesse rodar os vários departamentos da agência, eu provavelmente teria ali o que oferecer e três meses de estágio depois, passei por todos os departamentos e entrei na arte final e comecei na arte final dentro da MPM, aí fui efetivado na MPM, fiquei um longo tempo na própria MPM e depois fui saindo, fui embora.

Luciano          Tem um fracassado olhando a gente ali que começou, tentou fazer a mesma coisa na DPZ e quebrou a cara, ai ele resolveu virar palhaço

Alexandre      Não deu certo…

Luciano          Agora que deu certo, depois de falar aqui não vai dar nada mesmo, falou eu vou cair na vida, virou palhaço, quem está ouvindo aqui, por favor escute a entrevista com o Caruso que é muito legal.

Alexandre      Mas olha, isso é muito legal, ele me lembrou agora que eu também, na DPZ, esse dia, essa semana que foi um desafio para mim com 13 anos, que eu dizia não quero estudar. Meu pai disse está ok vai lá, arruma um emprego, porque senão semana que vem você volta para a escola, a primeira que eu fui, eu morava no Itaim Bibi e ali naquela região, era perto da Dakon, tinha a DPZ, meu raio de possibilidade, com 13 anos, era uma bicicleta, eu sai de bicicleta e andei no raio que eu tinha para andar procurando a tal da publicidade que era o que eu já ouvia, sabia, conhecia um pouco e aí fui na DPZ, uma das que eu fui foi a DPZ, que me achou arrogante, achou um garoto muito ousado a entrar lá com 13 anos  e  dizia que queria um emprego na DPZ e os caras ok, toparam, o pessoal da arte topou, me colocou, ah você quer arte finalista? Você é um arte finalista? Nesse tempo não tinha fotoletra, você marcava, você colava com… nossa…era letra por letra.

Luciano          Tem um povo ouvindo a gente aqui que deve estar boiando, você falou em prisma, agora você está falando em fotoletra, esse povo não tem a menor ideia do que está acontecendo, cara vai no Google procurar, prisma, para fazer arte final e fotoletra que você vai descobrir o que é.

Alexandre      Tipo de letra, que a essa altura eu sei, as pessoas estão nos computadores, dizem que tipo de letra é esse? E o cara fala, é aquela que tem no computador, ninguém nunca marcou uma Times New Roman, corpo 16…

Luciano          Isso aqui é um micro light, essa aqui é um Arial Rounded.

Alexandre      … a gente vem, aí é que está, eu nasci com isso em casa, então eu tinha um pai desenhando, não tinha foto nesse tempo, meu pai fazia a ilustração do motor da Ford, do Galaxy para apresentar o que seria uma foto hoje, era desenhado em casa, no prisma…

Luciano          E o layout era montado com cola de sapateiro, aí…

Alexandre      … isso esse meu primeiro momento de DPZ que foi que me recusou na primeira tentativa, os caras me puseram na frente de um, na prancheta, ok, você então vai ser aceito na DPZ, você tem o direito de ganhar esse emprego como qualquer outro, você tem 60 minutos para montar um balancete de banco, um balancete de banco montado na cola de borracha, letra por letra, porque não tinha a essa altura nada, letra por letra. Eu olhei para aquilo e falei ok, é comigo mesmo, entrei, comecei a fazer, aos 15 minutos do segundo tempo eu percebi que eu não ia conseguir chegar nem na metade, comecei a cantar essa bola, dizer olha gente, vocês foram muito sacanas comigo, porque é impossível realizar uma montagem de balancete de banco em 60 minutos, você deve fazer isso há 20 anos, mas eu fui até onde eu consegui, 60 minutos depois eu levantei e falei para eles, ok, muito obrigado, vocês foram muito bons comigo porque eu acabei de entender que eu não sei nada ainda, realmente eu sou um moleque, eu vou procurar não um emprego, mas um estágio, quando vocês tiverem um estágio para me ensinar a fazer isso em 60 minutos eu volto se algum dia vocês tiverem isso para mim aqui. Isso foi ótimo, porque eu saí dali a pé, com a minha bike, eu tinha uma Caloi Dobrável cor de rosa, saí com a minha Calói lá da Dakon e fui andando até a Groenlândia com a Brigadeiro, onde era a MPM, experiente, agora experiente e entrei no MPM, bati na mesma porta de arte final e digo gente, eu preciso de um estágio, aprender alguma coisa dentro da agência, eu sei que eu posso servir para isso e se vocês me derem essa chance e um estágio, eu tenho certeza que eu vou corresponder. Três meses depois eu fui então contratado.

Luciano          Da onde vem essa falta de semancol, essa absoluta irresponsabilidade de um moleque de 13 anos, um fedelho entrar numa agência e dizer vim procurar emprego aqui?

Alexandre      Pois é, eu…

Luciano          De onde vem isso?

Alexandre      …  vem do tesão de vida que eu descobri que tenho desde  esse tempo, desde que nasci mesmo, na primeira, não sei inquieto, aquariano inquieto e fui para vida e eu sempre tive opinião, eu sempre fui um pouco à frente do que eles diziam ser meu tempo, eu fui parar com 14 dentro e por causa dessa inquietude, fui parar num cara chamado Aingrons Punch, porque era psicoterapeuta de criança naquela época. Muito agitado esse meu filho, ele não para quieto, ele não quer estudar, ele quer ir, ele parece um cara mais velho, ele está errado em alguma coisa, ele se mostra, quebra a cara todo dia, vamos lá conversar com o terapeuta e aí eu fiz quatro seções de terapia, na quarta seção, e o Aingrons Punch era um cara muito conhecido na época, era uma referência da época, seria o Isami Tiba da época, da criança, esse cara na quarta seção chamou a família e disse olha, ele não precisa de terapeuta, ele precisa baixar a bola, ele precisa fazer as coisas e não contar tanto, porque eu ia lá, ah o que aconteceu? O menino rebelde o Alxandre Barroso, alguém nadou nu na piscina do prédio, quem foi? Alexandre Barroso se apresentava, porque é honesto, era eu e mais quinze.

Luciano          Hoje isso tem nome, é transtorno de não sei o quê, síndrome de bababa,  já deram nome para isso tudo, na época ninguém sabia o que era…

Alexandre      … não sabia o que era…

Luciano          … o moleque era um problema.

Alexandre      … o meu era um transtorno, se era um transtorno era um transtorno de honestidade, porque eu nunca neguei as coisas que fiz, boas e ruins.

Luciano          Como é que você lida com o não?

Alexandre      Não conheço. Eu fui produtor, depois que entrei na publicidade acabei migrando para produção de fotografia, de fotografia para o cinema, televisão, na época eu fiz a troca do cinema, a gente fazia comercial de televisão em 35 mm e aí veio o cinevt, eu tive o prazer de participar da primeira experiência de transformação do cinema para o cinevt, então fui produtor, aí me tornei produtor por muitos e muitos anos dentro da publicidade, produtor de cinema, fotografia e cinema, não tem não, eu não conheço não.

Luciano          O primeiro atributo é a cara de pau, não é?

Alexandre      É e não tem não, não tem não, então em alguns trabalhos eu peguei, por exemplo, eu trabalhei para a DM9 um período longo também, mas como freelancer, trabalhando para eles, produzindo para eles e tinha umas estrelas, os diretores de arte estrelíssimas mesmo, o cara não tinha tempo para me receber para me brifar a produção, então como eu vou realizar uma boa produção para aquele cara se ele não tem tempo para me dar um breafing, eu descobri que tem um jeito de ele me atender, eu vou correr com ele. Então eu pegava o breafing, eu colhia o breafing correndo de manhã, o cara, seis da manhã, sete da amanhã ele corria na Av. Paralela, no caso lá na Bahia estava eu do lado do cara brifando, vem cá, como é que é, como é que você vai querer aquele ator? Não, o ator é tal, a cara da campanha é tal, o breafing é esse. Ok, dez horas da manhã eu estava com a produção pronta dentro da DM9, então em cinco minutos o cara me recebia e a produção estava pronta.

Luciano          É isso, isso é um insight maravilhoso…

Alexandre      Não tem não.

Luciano          … vou te dar uma dica aqui, uma, aliás eu não devia nem falar isso porque o sujeito fica insuportável, mas quem faz a parte técnica do programa aqui todo é o Lalá, Lalá Moreira que trabalha comigo já há uns oito, nove anos. Ele é o editor do Café Brasil e também o editor aqui do LíderCast e o Lalá tecnicamente é um cara irrepreensível, ele tem trinta e tantos anos de rádio, então ele senta na máquina dele, ele pilota aquilo de um jeito que sem ele era difícil que a gente conseguisse produzir um programa como eu produzo hoje aqui e pensando nos atributos que o Lalá tem eu falei, qual é a coisa mais legal que o Lalá tem? O Lalá não diz não, não tem não, vamos fazer tal coisa? Ele não tem uma explicação do porquê que não dá para fazer, não tem aquela história de ah…  a maioria vem te explicar porque que não dá, porque que hoje não pode, porque que é impossível e você que tem um fogo no rabo que é um cara que produz, que quer fazer acontecer, encontrar diante de você um sujeito que é um tronco, tronco de enxurrada, enrosca, é terrível e muita coisa não anda e eu diria para você o seguinte, a maior dificuldade que eu tenho hoje de encontrar gente com quem trabalhar bem é encontrar gente que não diz não, entendeu? Vamos resolver, eu queria saber o seguinte, qual é a encrenca que nós temos que ultrapassar para fazer acontecer e não é as encrencas que não vão me deixar fazer, isso eu já não preciso mais, sai da frente que faço eu é um  insight legal.

Alexandre      Esse é o problema, a gente caba tendo que fazer, eu acabe, por muito tempo fiz, para fazer eu tive que fazer o de todo mundo, mas no problem, se eu puder ensinar alguém e dali surgir alguém que possa seguir assim, legal, criamos mais um assistente bom, um outro cara que tenha essa pegada, isso inclusive foi o que me salvou ao longo da vida, o não pelo não conheço, o não eu já tenho,  então agora… não a gente tem, está na mão o não, o não é o mais fácil, eu não conheço não e não paro em não nenhum…

Luciano          É a condição básica do ser humano é viver nu e ser comido por um animal e passar frio e fome, esse é o básico, ele nasce assim e o resto da vida dele é fazer com que isso não aconteça, ele tem que achar comida, ele tem que achar roupa, tem que achar abrigo, é uma briga eterna por isso, se você tiver agregado a essa briga eterna um não, é só mais trabalho na tua vida, mas legal, voamos um pouquinho aqui mas vamos…

Alexandre      Foi o não que me salvou, depois você vai saber disso.

Luciano          … vamos voltar, vamos continuar nessa história toda. Aí você vem lá produzindo, etc e tal, em que ano nós estamos?

Alexandre      Ah eu produzi de 1976 até muito pouco tempo atrás, vamos dizer até 99, eu produzia… aí de novo eu dei uma volta enorme, porque fui para um monte de agência, fui para um monte de estados, eu fui viajando, entrei em campanha política, acabei… em campanha com direção, não na campanha, diretor técnico de cena, então viajei muito e acabei de novo, em 89, sendo chamado para ir trabalhar na MPM, agora, 73 já era o meu primeiro emprego e aí agora a MPM Rio precisava de alguém para ir para Fortaleza, com esse meu espírito do “vambora” onde que que seja eu estou dentro, eu morava na Ilha de Itaparica e aceitei uma proposta para ir dirigir os comerciais de televisão da Pernambucanas.

Luciano          Você estava fazendo o quê na Ilha de Itaparica?

Alexandre      Escrevendo…

Luciano          Que ano era?

Alexandre      76

Luciano          Ilha de Itaparica. Deixa eu explicar para você que está me ouvindo aqui, a Ilha de Itaparica em 1976 seria o equivalente hoje a  alguém que está no Butão sem internet, é mais ou menos assim.

Alexandre      Era muito melhor do que isso, exatamente porque não tinha internet, tinha vida, a gente tinha o mundo lá, internacional, os gringos todos estavam lá, era um lugar muito festivo, era uma ilha da fantasia, muito colorido, muito bacana e uma energia muito positiva, eu estava lá.

Luciano          eu passei alguns dias atrás, eu fui para… fazer uma palestra em… ali em Porto Seguro, ali do lado de Porto Seguro, em Trancoso e passei por, atravessei Porto Seguro, que eu não via desde 1976, quando eu estive lá, e eu fui passando e na janela da van eu via os lugares que daquela época que eu frequentei, a passarela do álcool, aquele negócio todo e o olho cheio de lágrima, porque eu me lembrei de 40 anos atrás e era  outro mundo, era outra história, era outro mundo, a cor era diferente, o cheiro era diferente, a pessoas, tudo era outro mundo, que não tem como reconstruir mais, essa coisa passou e quando a gente fala aqui das reminiscências, ó os “véio” falando, lá vem os “véio”, quer ver que ele vai dizer que era melhor naquela época, era outra história…

Alexandre      Era uma outra história.

Luciano          Era outro mundo.

Alexandre      Mas eu venho resgatando isso, eu acho que hoje até, um pouco viajando um pouco mais, mas assim, eu acho que o modelo econômico faliu, o modelo político, a proposta do que nos ensinaram, meu pai me criou para ser honesto, para ser um cara trabalhador, para ser um cara que… honrar, honrar, honrar, não para esse mundo, porque no país que nós estamos, quem não tiver um acordo de pichulé, no famoso acordo, não vinga, não adianta, eu fui honesto, eu fui sério, eu fui profissional, eu sou um técnico bom, mas não tem tempo para ser isso no país se eu não tiver um esquema com alguém…

Luciano          Algum amigo ou cupincha…

Alexandre      … então a gente está percebendo que agora há uma nova forma, uma nova economia, não é nova, mas resgatando uma economia que está lá na Ilha de Itaparica, que é a de compartilhar, partilhar, trocar, porra a maior agência de turismo do mundo não é uma agência, é um site, o maior alugador de casa do mundo não é uma imobiliária, é um site que troca…

Luciano          Nós estamos entrando na economia do relacionamento, mas é outro tipo de relacionamento, não é o do capitalismo de compadre, é um outro relacionamento.

Alexandre      … olha, Trancoso hoje está lindo, a costa toda da Bahia está linda, a  Ilha de Itaparica, ainda que falida, ainda que sem apoio governamental, está lindo porque eu estou indo para lá plantar, hoje eu estou plantando orgânico em Londrina, eu estou fazendo site, eu estou sobrevivendo de um sufoco que a gente passou há pouco tempo, mas de uma nova forma de economia que menos é mais, não tem escritório, não tem… há pouco tempo eu tinha empresa formal, com um monte de funcionário que todo mundo ganhava bem, menos eu e agora eu não ganho bem, mas eu vivo muito melhor e é muito melhor e é, de certa forma,  essa volta, porque o que a gente viveu em 76, o que a gente viveu nessa época dos anos 70 que é uma geração que falou de um certo… ah é hippie, não é hippie, eu não fui hippie, mas aquele conceito bacana das flores, de partilhar é o mesmo conceito que está voltando…

Luciano          Você está chegando com 60 anos agora…

Alexandre      … exatamente…

Luciano          Nós estamos voltando para uma promessa que foi feita para nós nos anos 60, olha aqui, esse é o mundo que nós vamos buscar…

Alexandre      … e é a melhor promessa de hoje é a volta para as flores coloridas num food truck, num carro de orgânico, alugando, nadando, vivendo, me queimando, é isso, quer dizer, vida, saúde.

Luciano          Vamos lá, meu amigo, e aí, onde é que vida te leva?

Alexandre      Olha, a vida tem me levado para muitos lugares, mas….

Luciano          Não, não, volta lá, volta lá, em 99 o que vem, o que acontece?

Alexandre      99 é a MPM me chama, por acaso me descobrem na Ilha de Itaparica, eu estava na ilha, imagina você, em 99 eu tinha parado tudo porque eu fazia uma produtora de cinema na Bahia, chamada Vídeo Grave, eu era um produtor, um diretor de comerciais e um coordenador de produção de alto nível nesse tempo na Bahia, a maior produtora da época e a gente não parava, era uma trabalho atrás do outro, naquela vida maluca e tal, eu cheguei à conclusão que eu ia morar na Ilha de Itaparica. Aí retorno para a Ilha de Itaparica de novo nesse tempo e trabalhando em produção e levando uma vida com qualidade, então o fim do dia atravessar o barco para desopilar o cérebro e ir embora, deixar para trás a neurose, a loucura da própria publicidade, aí me ligam de Fortaleza, do Rio na verdade, a MPM de novo, saudosismo, MPM, porra, você está aí, você tem muito a oferecer, a gente gosta do que você faz e a gente quer te levar e precisa alguém forte em Fortaleza porque a conta da Pernambucanas era a conta que fazia a diferença, porque a  MPM era a número um em faturamento, ela não podia perder a conta da Pernambucanas e a Pernambucanas queria uma agência e um atendimento lá em Fortaleza onde era a Lundgreen. Então montou-se uma estrutura bem boa de cinco andares, um prédio bacana e levaram bons profissionais daqui e eu, por sorte, fui escolhido para ir para lá também e estava disponível, porque estava na ilha com esse despojamento, o famoso não, não tem para mim,  quer ir para Fortaleza? Quero, “vambora”, vou para Fortaleza, já estava dirigindo, já estava saindo da coordenação de produção para direção…

Luciano          Casado, filhos.

Alexandre      … casado, com filhos, dois filhos, fui me embora, pequei as crianças e saí da ilha e foi no acordo de que se alguma coisa não desse certo, eles teriam como pacto de me devolveram à própria ilha, então quando não der mais, vocês me devolvem aqui na ilha e ok, e assim foi feito e bom, fiquei lá um longo tempo, muito bom, um longo tempo uns três anos dentro da MPM em Fortaleza, até que o núcleo acabou, eles mudaram para Brasília, aquela agência estava se mudando para Brasília para continuar o atendimento, mas via Brasília então veio o convite, ok, nós vamos para Brasília, você quer ir para Brasília? Não, não quero ir para Brasília, essa não é a minha pegada, a minha pegada continua sendo saúde, qualidade de vida, perto do mar, então voltei para a ilha como tínhamos combinado, então volto para a ilha em 98, 99, acho que é isso, a gente estava em 89, não, 89… 92, 94 eu voltei para a ilha de novo e da ilha continuei então aqui agora minha casa, minha residência é ilha e eu trabalhava em Sergipe, no Amapá, em Salvador, freelançando com comercial de televisão, dirigindo. Foi ótimo, foi uma experiência bem legal também porque pude experimentar de viver com qualidade mesmo de vida, invés de ter carro, tinha uma lancha e vivi, e uma moto e saía dali para o mundo, foi muito bacana, muito positivo, essa experiência me ensinou muito a sobreviver em qualquer situação e já um pouco fora do sistema, porque não adianta, eu não virei, eu acho até positivo, eu não virei Nizan, eu não virei um mega e nunca pretendi, acho que eu nunca seria mesmo, a gente é de um tempo e de um trabalho que o legal  é ser  criativo, quando esse trabalho deixa de ser criativo para ser gestor famoso e conhecido, eu já não sei fazer isso, isso é um upgrade que não era o meu.

Luciano          Você tem uma consciência de limite, eu não preciso de… outro dia eu estava fazendo um programa, estava comentando, eu falei que se eu fosse um desses bilionários aí, ele lançou há pouco tempo, eu não me lembro se foi Warren Buff, um deles lá que doou, estava doando dinheiro dele de montão e disse que ia escrever um livro para bilionários dizendo o seguinte, “como viver com 500 milhões de dólares”, não precisa de 8 bilhões, você não precisa de 100 bilhões, você com 500 milhões na tua vida esta feito, ele está falando sobre essas questão do limite, até quando dá? Eu preciso ter tudo isso, eu tenho que ter uma empresa com 100 funcionários, com 1000 funcionários,  eu preciso faturar 100, 200, 300, 500 e eu falo, a consciência desse limite é o que faz você extrapolar, alguns dão certo, outros se matam no caminho…

Alexandre      Mas eu não sei bem o que que é, qual é o conceito de alguns dão certo, dar certo é ter ficado famoso é rico, provavelmente, mas me diz ai o que que deu certo?

Luciano          Não, acho que o conceito que dá certo é o seguinte, o cara está feliz na posição que você está? Esse é o consenti para mim

Alexandre      Se for feliz está bom.

Luciano          Paulo Lemann, o maior bilionário brasileiro compra coisa que não faz, você lê a biografia do cara, um tubarão, o cara não para um segundo, pergunta para ele: você está feliz? Se ele falar que estou, ele deu certo, talvez outro lugar dele falar não vi meus filhos crescerem, estou insatisfeito, sou bilionário, todo mundo que chega perto de mim quer meu dinheiro, eu não sei se a mulher que eu tenho está comigo porque, eu sou profundamente infeliz com meu bilhão.

Alexandre      É, os valores ficam muito difíceis…

Luciano          Se eu não me engano, eu participei agora de uns eventos recentes e eu estava lá, acho que foi… foi o Clóvis de Barros fazer uma palestra, onde ele fala sobre o que é felicidade e ele falou: estava pensando sobre o que é felicidade, eu fui buscar alguns ícones que de acordo com o preceito do que é ser feliz no mundo, esses caras tinham atingido grau 100, tinham tudo, um é o Michael Jackson, o outro é Amy Whinehouse, e ele foi citando os caras, eu falo nenhum deles passou dos 50 anos, morreu tudo, morreram todos e esses caras tinham grau 10, quer dizer, quem sou eu, então quem sou eu para querer chegar lá? Então acho que eu tenho que baixar minha bola e saber onde é que está esse grau.

Alexandre      Certamente eu aprendi a ir nesse meio de caminho que menos é mais, eu não queria ser o mega, eu nunca aspirei ser, eu fui amigo, eu sou amigo do Nizan e fui líder cristão com o Nizan com 17 anos, na Bahia, fomos lá para a gente se formar, poder ser líder para dar apoio aos encontros de casais, na época era uma febre que estava ocorrendo…

Luciano          Me lembro muito bem disso…

Alexandre      … você bacana, você tinha que ter…

Luciano          … tinha o gem, era da garotada, a meninada, era o gem, eu me lembro disso aí.

Alexandre      … fui ser líder cristão, um barato, adorei, mas na verdade eu fui de novo para esse lugar ser questionador,  o que esses caras estão falando, por que eu tenho que ser um líder? O que é ser líder cristão? Para que mesmo funciona isso? Se afinal de contas o único que toma o vinho é o padre, porra que sacanagem, fui questionar, saí de lá lindo, chorando, elevado, maravilhoso, maravilhado com tudo aquilo, acabei sendo escolhido no último dia, última pergunta que eu não tinha como resposta, n  último dia se referia a essa brincadeira do vinho e aí o padre, na missa final, contou qual era a razão do uso do vinho ele sendo representante, mas que poderia ser qualquer um e entre duzentas pessoas que estavam nesse evento, ele levantou o dedo e apontou um que pudesse representá-lo tomando o vinho e esse cara fui eu, que era o último, então a resposta veio no último momento da entrevista, da entrevista não, da missa, muito legal e tudo isso me mostrou mais ainda que eu não queria aspirar ser o cara importante eu ao contrário de mim, o Nizan pretendia ser, então é ótimo, que bom, amigo Nizan fico felicíssimo por você, tomara que você esteja feliz, tomara que você esteja feliz de verdade, eu estou muito feliz por não ter feito esse caminho e ter vivido, vivido, eu tenho uma experiência de vida, inclusive, que me fez sobreviver por causa da minha experiência, essa coisa de não precisar me deu um background, uma base fundamental para me manter vivo, que acabei precisando há pouco tempo quando ocorreram alguns fatos bacanas.

Luciano          Então vamos chegar lá, eu sei que num determinado momento da tua vida, ela vai dar uma virada…

Alexandre      É, seguindo a minha carreira…

Luciano          … deixa eu contar uma coisa aqui para quem está nos ouvindo aqui, eu não conheço a história do Alexandre, eu tive algumas dicas de que aconteceu alguma coisa com ele que eu não tenho nenhum detalhe, não sei o que aconteceu, mas eu sei que algum fato importante aconteceu e vou saber desse fato aqui junto com você que está me ouvindo aqui agora, então vamos lá. Conte-me o que foi.

Alexandre      … não, aí assim, quando chegou em 2008, em 2008 agora há pouco tempo, eu vinha de toda essa vida embalada para ser alguém, para ter alguém, para sustentar uma família, tinha aí a essa altura três filhos em 2008, um casamento de 25 anos, uma estrutura, então eu tenho já aquilo que todo mundo almejou, eu tenho minha casa própria, eu tenho dois carros zero na garagem, eu tenho alguns bens, algumas brincadeiras, motocicleta, pode-se dizer que eu estava um cara exatamente onde deveria estar, um cara com 49 anos. Sólido, montei uma agência de propaganda então no interior, fui morar no interior, resolvi morar em São Paulo, mas não em São Paulo, estava morando num sítio em São Roque, já há 17 anos, então me instalei por lá, trabalhando em São Paulo, trabalhando com jornalismo, trabalhei com a Abril, trabalhei com Editora Azul, fui funcionário da Editora Azul para fazer a Revista Interview, enfim, estava numa carreira bem bacana e agora sólido, resolvi parar tudo e falar não, vou fazer uma agência de propaganda no interior, sem muita pretensão que seja um negócio legal e que me dê a possibilidade de ser criativo e continuar criativo agora com os 49 que eu tinha essa possibilidade de não precisar mais de um emprego formal, de uma ida para São Paulo, me estabeleci então no interior…

Luciano          Não havia perspectiva de “vou me aposentar”?

Alexandre      … de maneira nenhuma…

Luciano          A perspectiva é “eu quero ter um trabalho que me preencha”…

Alexandre      … e me deixe ser criativo e continuar criando, porque chegou uma hora que a gente estava funcionário de um sistema, então agora eu tenho que fazer o trabalho que nosso diretor comercial trouxe como briefing, eu tinha que trabalhar para o diretor comercial e não para o cliente, eu não tinha possibilidade, dentro de agência, a gente acaba não tendo a possibilidade de ter o contato, era um formato ainda muito fechado dentro de uma caixinha e acabou que a gente estava trabalhando escravo de um sistema e não de um processo criativo.

Luciano          Você não estava a serviço do teu sonho, você estava sendo pago para fazer o sonho de alguém.

Alexandre      Isso e aí começou a incomodar isso, então eu em 2006, 2005 montei uma agência no interior para trabalhar só com pequeno número de clientes, uma coisa reduzida, menos é mais e aí estava em plena atividade, em 2008 eu descubro que estou com uma dor de barriga, essa dor de barriga vira uma cólica e aí ativo, pleno, indo todo dia, mas comecei a ter cólica, comecei a reclamar da cólica, um filho de 18 anos no exército, engraçado porque ele dizia assim, uma semana com cólica e eu reclamando em casa, puxa estou com uma cólica, e arriava, eu tinha uma dor extrema mesmo e porra gente, eu estou com dor, estou com cólica e aí esse meu filho falou… um belo dia meu filho chegou em casa e falou, meu pai, pelo amor de Deus não fala isso perto dos meus amigos. Ué, o que houve, Pedro? Não fala isso perto dos meus amigos porque homem não tem cólica, homem tem dor de barriga, porra! Um machista que eu não sabia que estava criando um monstro, eu nem tinha percebido que eu não tinha ensinado esse cara sobre outras pegadas e esse cara então me alertou e eu no que percebi isso, nossa, então deve ser alguma coisa muito grave, porque de fato o que eu sinto não é dor de barriga, que eu tenho é cólica. O que que é isso? E aí procurei um gastroenterologista naquela semana e a primeira notícia que eu tive foi que eu estava com uma hepatite C em alto grau, que eu nunca tinha escutado falar sobre hepatite C e esse cara, ao me ver, já detectou algumas coisas que a gente não tinha percebido, que ninguém sabe porque os sintomas da hepatite C, eles ficam escusos, eles ficam guardados, a gente não sabe, a falta de informação no país e da saúde não levam à população a informação que deveria levar. Então, eu tinha um olho amarelo, que eu não percebia onde deveria ser branco, ele era amarelo, eu tinha um xixi escurecido, quase com uma cor puxando para uma coca cola, mas eu não sabia do que se tratava e na verdade, pelo estado que foi detectado naquele dia, o diagnóstico foi de fibrose, necrose putrefação do fígado com três nódulos de câncer e então imediatamente um cara já para transplante, eu teria que transplantar em um mês e o primeiro diagnóstico foi: você deve morrer em uma semana.

Luciano          Meu pai do céu.

Alexandre      Eu não sabia nada da hepatite C até a semana passada, esse dia era uma quarta feira e aí os meus parâmetros passaram a ser como meta quarta feira, porque eu devo morrer em uma semana e aí passei a trabalhar a minha vida diferentemente a partir de agora.

Luciano          Break.

Alexandre      Ponto de vista do morto.

Luciano          Vamos lá. Você entra dentro de um consultório, curioso, o que será que eu tenho?

Alexandre      Com dor de barriga.

Luciano          Alguma coisa eu tenho e recebe como notícia não só que você tem um problema grave mas que você tem alguns dias de vida…

Alexandre      Uma semana.

Luciano          … como é que funciona a cabeça de alguém que recebe, não foi um parente que recebeu e te contou, era um médico que falou para você… tinha alguém contigo lá, junto?

Alexandre      Tinha na hora, tinha a esposa, Isabel estava comigo e em pânico.

Luciano          O que acontece na hora que chega uma notícia dessa.

Alexandre      Eu fui um paciente inocente, porque eu não sabia nem para que servia o fígado, até aquele momento eu só sabia que fígado tinha alguma coisa a ver com não beber, eu sabia que não podia beber porque podia dar problema no fígado, mas assim, o funcionamento, aí é até um desafio, você sabe  exatamente para que serve o teu fígado?

Luciano          Se você perguntar para mim, eu sei o geral, mas não sei…

Alexandre      O que você sabe era o que eu sabia: nada, então ok, como um paciente inocente a princípio eu olhei para aquilo estarrecido e falei bom, vocês têm um problema, médicos, doutor, o senhor tem um problema porque…

Luciano          Me tira dessa.

Alexandre      … eu não tenho a menor ideia do que se trata, eu estou muito bravo porque não faço ideia disso, como é que eu tenho isso há 20 anos e nunca fiquei sabendo.

Luciano          Como é que eu peguei isso?

Alexandre      Não sei como é que peguei, não sei como é que eu tenho para estar nesse estado, putreficado? Gente, ninguém me contou, eu devo ter passado em uma série de médicos, óbvio que eu fiz exames de rotina, óbvio que eu fui parar em médico, como é que ninguém me falou sobre hepatite C e que poderia ter, como é que ninguém fez um exame? Como gente que eu não tenho essa informação no mundo? Como? Como que ninguém me falou do que se trata hepatite? Então primeiro momento eu fiquei foi estarrecido com o sistema, com o sistema, como todo mundo, com todos os médicos que eu já tinha passado, eu era um cara de rotina, com uma rotina boa, saudável, jogo vôlei, jogo futebol…

Luciano          Você tem uma vida escolhida para ser saudável e de repente descobre que você estava…

Alexandre      É, não fumava, eu tinha parado de fumar há muito tempo, fumei lá no início, garoto, mas já não fumava há uns 20 anos, então não era um cara de beber, eu não tinha nenhuma razão para ter uma doença há 20 anos e não saber dela, então num primeiro momento estarrecido e 24 horas depois é que caiu a ficha, então estou morrendo, eu tenho uma semana e aí estar morrendo e tem uma semana, não dá tempo de você, nem ficar preocupado, não dá tempo nem de perceber, dá tempo de eu olhar para a frente e dizer bom, temos uma semana, primeiro desafio, tentar ultrapassar a quarta feira, daqui para a frente eu tenho que amanhecer às quintas feiras, eu tenho que avisar essa família e esses filhos, eu tenho uma filha de 8 anos, um garoto de 18 e um de… hoje são 35, 24.. de 10 em 10 anos eu tenho um filho… um de 18, um de 28 e uma menina de 8, bom, primeiro momento, não posso deixar esses caras sem informação, então meu primeiro ponto é: eu não vou ser desonesto com, o sistema foi comigo, voltei para a casa, sentei com todos e disse muito bem galera, sentem aqui, vamos conversar, eu quero contar para vocês que aconteceu isso, eu tenho uma hepatite, eu estou morrendo e daqui uma semana eu devo estar morto, vamos tratar das coisas daqui para a frente de jeito que a gente possa deixa-los resolvidos.

Luciano          Um minuto de silêncio.

Um minuto     “Tá” bom. Foi isso que aconteceu quando você falou a notícia?

Alexandre      Exatamente. Pânico, pânico, todos estarrecidos, me deu muita pena, nesse momento eu fiquei realmente com… comecei a me preocupar então não mais e já não comigo, mas então a partir dali o meu foco passou a ser o que eu poderia fazer nessa semana…

Luciano          Para aliviar…

Alexandre      … por essas pessoas, porque eu não tinha um problema, eles tinham um problema, os médicos não entenderam nada, porque eu olhei para eles e imediatamente disse a eles, vocês têm um problema, vocês têm que resolver esse problema, se só tem uma semana vocês resolvam para mim por favor até terça feira, porque não posso morrer na quarta eu preciso da quinta, preciso da sexta, preciso da outra quarta e assim eu encarei.

Luciano          Isso aí muda todas as prioridades da sua vida.

Alexandre      Todas, todas.

Luciano          Você tem que pegar tudo o que você estava fazendo e falar agora o que era o último passa a ser primeiro, tudo o que eu não falei par esses moleques em 20 anos eu vou ter que falar agora…

Alexandre      Exatamente, em uma semana.

Luciano          … em uma semana, como é que é isso? Como é que se reorganiza essa… como ter cabeça?

Alexandre      Não reorganiza.

Luciano          Porque tem gente que entra em parafuso e depressivo e acabou.

Alexandre      Eu não tinha esse tempo.

Luciano          Como é que foi?

Alexandre      Não tem truque, eu não tenho tempo, eu não tinha o não, eu não vou morrer, o não continuava, já veio de dentro da produção, então primeiro, eu não posso morrer; segundo eu não posso deixar de fazer, então fui para a agência, bom, não vai dar para eu continuar a agência, já sei que não vai dar porque eu não estou com tempo para atender a agência, eu tenho que atender a essa necessidade, como é que eu me livro disso? Ok, vamos lá, entrei num circuito de exames urgentes, exames urgentes e aí começou também, não tem mais tempo, aí começou a entrar numa roda viva de não tem dinheiro, não tem…

Luciano          Plano de saúde.

Alexandre      … plano de saúde porque o plano de saúde não cobre porque é uma doença crônica pré existente, eles começam a alegar, começa uma briga, mas eu não tenho tempo porque quarta feira eu morro, não vai dar para eu ir brigar com o plano de saúde, então não estou com tempo, vamos embora, eu vou fazer os exames, eu vou tirar o que tenho de onde tiver para tentar sobreviver, eu preciso passar quarta feira e aí começou uma rotina, exames, exames, exames, tudo exame caro, muito caro, não tem dinheiro que pague, a doença, depois eu fui descobrir que a doença realmente não podia ser bancada por ninguém, seja você quanto for um mega, blaster, maior empresário do mundo, quando você cai para um transplante, isso é feito pelo SUS, não pode ser feito de outra maneira, não tem, eu a princípio achei arrogante, publicitário que era, egotrip total, primeira semana, comecei a perguntar, olhar para o lado e perguntar onde é que eu encontro um fígado para eu comprar? Eu preciso de um fígado em uma semana, vou ter que comprar um, onde é que vende? E entrei pelo mundo da busca e aí percebi que não tinha e comecei a fazer as rotinas de exames, não pararam, acabou o dinheiro, eu fui fazendo, acabou todo o dinheiro que tinha investi todo o dinheiro o que tinha de sobra e aí comecei a entrar nos dinheiros do que não tinha, então vendi os carros zero e assim foi.. eu fui ultrapassando as quartas feiras com exames e com tentativas de solução, como não tinha solução em nenhuma clínica particular, em nenhum… eu fui parar onde tinha que ser, então o primeiro foi o Emílio Ribas, esse gastroenterologista me dá o diagnóstico, do diagnóstico vou para um centro de referência que é o Emílio Ribas que trata de  AIDS e trata de doenças crônicas, esses caras me fizeram uma radiografia, mesmo uma semana dentro desse lugar e os caras me xerocaram inteiro e vieram com mais dados, então agora você está de fato num momento que só o que pode te salvar é um transplante, mas nós vamos tentar uma quimioterapia através de um Interferon e Ribavirina é uma dupla, é uma mistura quimioterápica que poderia em 11 meses…

Luciano          Estabilizar.

Alexandre      … estabilizar ou pelo menos retroceder a hepatite que era quem estava estragando o tal do fígado, eu já tinha estragado o tal do fígado, mas em quatro semanas de tratamento, isso é absurdo, porque aí comecei a entrar nas drogas pesadas que me tiraram do circuito, eu tomava um…

Luciano          Sim, entrou um alien dentro de você que te transforma em outra coisa.

Alexandre      … eu tomava um…

Luciano          Você vira um zumbi.

Alexandre      … primeiro um zumbi, você já de cabeça, pensava 24 horas, o tempo todo, como é que eu vou resolver? Como é que eles vão resolver? O que eu posso fazer? Eu posso me disponibilizar e para mim é quero, vamos, topo, você precisa de uma colonoscopia, “bora”, não sei nem o que é, é horrível, mas “vambora”, agora você precisa de uma tomografia, “bora” onde é que tem? “Vambora”, a vida passou a ser onde eu vou achar uma solução? Agora você vai tomar uma quimioterapia que vai te derrubar, eu tomava o interferon na sexta feira, as cinco da tarde e recobrava algum sentido no domingo depois do almoço…

Luciano          Meu Deus do céu.

Alexandre      … estrebuchava, tremia, loucura, loucura, você vai para uma cama e entra num estado alfa, suor, sudorese, tremedeira, vômito, sexta feira as cinco da tarde eu tomava, domingo depois do almoço me levantava talvez eu me levantasse aí completamente caído, começou a cair tudo, eu tinha 80 quilos, fui regredindo, chegou num momento que eu tinha 35 quilos, em 2009 eu tinha 35 quilos, barriga d’água com 15 litros por semana, retirando água da barriga de 15 em 15 dias, com 15 litros, cirurgias, loucura, 4 semanas depois da tentativa com Interferon, então no Emílio Ribas, não deu certo, os caras me transferiram para tentar um tratamento no CRT, público, Centro de Referência e Treinamento, foi para mão de estudantes, passei a ser um case em São Paulo, vamos estudar o cara…

Luciano          Deixa eu dar um break para aliviar você que está ouvindo a gente aqui, eu estou diante de um cara com uma aparência saudável, queimado do sol, uma aparência jovial, está aqui de jeans, de tênis, está de camiseta, a gente está conversando… você jamais diria olhando para ele hoje aqui que ele passou por esse perrengue todo, então você que está nos ouvindo aí, o final é feliz,  “tá” bom?

Alexandre      Nossa, a melhor parte da minha vida é agora. Eu estou chegando agora do Guarujá que eu estava remando, era parte das minhas necessidades é ser feliz porque me ajudou e isso fez a cura, ser feliz, ser saúde, comer bem e viver bem, então isso não tem tempo.

Luciano          Volta lá, já demos uma aliviada na turma aqui.

Alexandre      Não ok, então foi um período muito longo, eu fiquei, vamos dar uma rápida, quatro anos no hospital, em hospitais, fui de Emílio Ribas para o CRT, do CRT para o Hospital São Paulo, aí o Hospital São Paulo era chão público, chão, aquele chão, não tem leito, não tem maca, o chão vermelho do corredor, do sistema de saúde que a gente conhece que sabe que está falido no hospital público, principalmente em São Paulo, abarrotado…

Luciano          E quando você fala de quatro anos, o que significa quatro anos? É uma rotina em que a tua vida passa a ser o hospital, é isso?

Alexandre      Todos os dias…

Luciano          Não é que eu vou trabalhar de segunda a quinta e no final de semana…

Alexandre      Não…

Luciano          … não? É todo dia, é uma vida no hospital?

Alexandre      … em dois meses eu percebi que eu não tinha mais condição nenhuma de trabalho porque o único objetivo era me manter vivo até quarta feira, então não dá para ir trabalhar.

Luciano          Quem estava contigo nessa?

Alexandre      Quem estava comigo nessa? Naquela ocasião ninguém, quem estava comigo nessa eram os amigos, Deus, se é que tem, sabe essa coisa de descobrir Deus que até aquele momento não tinha prestado atenção, quem estava comigo… era alguma coisa maior que me fez querer continuar, quem estava comigo era o desejo de enfrentar e de continuar e de querer levar mensagem, falar com os filhos, criar os filhos, quem estava comigo eram os filhos, fundamentalmente os filhos estavam comigo, na minha frente.

Luciano          Você sabe que esse programa aqui é um programa de liderança e empreendedorismo, esse é o meu foco aqui, liderança e empreendedorismo e eu cutuco muito nessa tecla aí porque esse momento que eu quero bater agora aqui é o seguinte: é quando você descobre que quem vai resolver esse assunto sou eu, ou eu ou eu, ninguém vai aparecer do céu aqui, vai me pegar pela mão e falar vamos lá, era você, você tinha que fazer escolha, quando você falou assim: eu estava para o que viesse, pintasse e  bordar, quer dizer, tem que haver uma consciência lá de que a responsabilidade é 100% sua de fazer as escolhas, por sorte você tinha consciência, você estava consciente para essas escolhas…

Alexandre      Até um período sim…

Luciano          … você não chegou num ponto… sim… então é isso que eu quero chegar, você conseguiu conduzir as coisas até que num determinado momento o que acontece?

Alexandre      … lei da sobrevivência, eu sei que isso é lei da sobrevivência hoje, mas naquele momento sim, a princípio comecei a perguntar para os amigos, os amigos não conheciam muito e não sabiam nada a respeito da hepatite C e aí eu comecei a procurar no Google, aí vou procurar informação, não tinha informação, então ninguém sabia como é que se resolvia aquilo e o estado tão avançado com três nódulos de câncer de três centímetros, que a informação era, se eles passarem de três centímetros eu perco você para o câncer. Então, nós temos que conseguir um fígado e não compra fígado, não tinha ninguém, não tem ninguém, vai chegar uma hora que você vai perceber depois que aí tem uma coisa que assim, os amigos sim, eles ajudam, aparecem, os sócios, eu tinha um sócio na agência, tem todo um perfil de apoio, mas uma semana as pessoas têm tempo para te ajudar, um mês as pessoas já não tem muito tempo para te ajudar, três meses as pessoas passam a ser muito poucas pessoas para te ajudar, um ano depois ninguém acredita que você vai sobreviver e não dá nem para te visitar, quatro anos depois não tem mais ninguém na área, então não tem jeito, é lei de sobrevivência, ou  eu  ou  eu, eu e os médicos fizemos um pacto no primeiro dia, quando ele me disse você tem esse diagnóstico, o primeiro cara, doutor Luís Carlos, que é vice presidente do Emílio Ribas era um estudioso, ele já não fazia cirurgia, já não fazia nenhum atendimento, ele simplesmente me pegou e me disse, mantenha-se vivo durante cinco anos que nós estamos encontrando a cura da hepatite C nos laboratórios nos EUA, então meu único pedido é, não sei como, mas mantenha-se vivo durante cinco anos.

Luciano          Você comentou lá atrás quando eu te dei uma cortada para aliviar o esquema aqui que você virou um case, naquele momento você virou um case, o que era aquele case?

Alexandre      É isso, nesse momento, esse primeiro diagnóstico, ele era tão escatológico que o cara, o estudioso, cientista que estava descobrindo as drogas viu em mim a possibilidade de ele trazer uma droga que pudesse experimentar num caso único de estado de gravidade e que podíamos ser parceiros, então a partir daquele momento eu assumi a postura: sou eu, eu faço a minha parte, você corpo colaborador de médico faz a sua, a família, se puder, faz a dela, se tiver amigos ok, vamos fazer aí e quando foi acabando, foi acabando, não tinha mais os amigos, aí não tinha mais o dinheiro, aí não tinha mais a agência, não tinha mais o sócio, sobrei eu e continuei eu e os médicos, então eu tinha na minha premissa o que? Mantenha-se vivo durante cinco anos que nós vamos encontrar a cura, case: eu e os  médicos, moços vamos trabalhar juntos, eu vou fazer a minha parte, eu vou me manter vivo.

Luciano          Como é que é essa percepção do: eu estou sozinho? Cai a ficha um belo dia? É o momento em que você xinga o mundo, quando você diz que injustiça, que merda…

Alexandre      Começa com pena, eu passei um processo bem longo de pena de mim, porra estão me abandonando, cadê os meus sócios, cadê os maus amigos, cadê aqueles caras? Cadê? Eu não tinha mais minha mãe e meu pai tinham falecido, eu comecei a questionar cadê todo mundo? E todo mundo, todo mundo eu entendo hoje, todo mundo não pode se dedicar a você todos os dias porque todo mundo faz parte desse sistema alucinado, não sei, as pessoas não estão tendo tempo nem de perceber que tem uma vida para viver, as pessoas estão trabalhando dentro de um sistema e é um sistema que não te propõe pensar na sua vida nem na vida do seu amigo, nem na ajuda, agora as pessoas estão começando a falar em espiritualidade que aí diz olha, é dando que se recebe, vai lá, seja amigo, doe mais de você para você… porque é esse o ponto final da história, mas a gente, quando está dentro dessa vida Avenida Paulista, não tem tempo de ver a vida, nem a sua própria, quem é que está cuidando do seu filho? Quem está andando de bicicleta com os filhos em casa hoje? Alguém sai daí e aí uma provocação: alguém sai às três horas da tarde para ir para a casa ver a sua filha aprender a nadar na escolinha? Não dá tempo. Então não dá tempo isso também para os amigos, todo mundo muito legal, mas não dá tempo, porque está todo mundo alucinado.

Luciano          Antes da gente começar, toda vez eu faço isso, antes da gente começar a entrevista aqui eu sempre bato um papo com a pessoa, mas é um papo muito superficial, como a gente fez ali e aí como é que é, quando a pessoa começa a contar as histórias eu falo para, para de contar que nós vamos gravar e quando eu falei o para pra você, você já tinha dito uma coisa para mim ali que marcou muito que é aquela história, você comentou da fila para o transplante eu falei deve ser uma angústia, eu não sei se tem uma fila mais angustiante do que a fila de quem espera um transplante e você falou tem…

Alexandre      Tem…

Luciano          … fala que fila é essa?

Alexandre      … tem… a fila mais angustiante é a da espera dos amigos, da família, de alguém que possa vir te visitar, quando você tem um diagnóstico de morte, mais importante do que a própria sobrevivência que provavelmente não virá, é a recepção de alguém que virá, aquele que foi seu amigo, aquele que jurou amor, aqueles que tanto te acompanharam…

Luciano          Aquele que você sabe que se quiser pode ir…

Alexandre      … é, o transplante, o órgão talvez não possa chegar a tempo, talvez eu não encontre, porque vai precisar um monte de coincidência, tem que acontecer compatibilidade, tem que alguém morrer há quatro horas de você, ser compatível, identificar esse corpo, essa morte cerebral, há tempo, compatibilidade, eu estou lá em São Roque, alguém tem que… isso tudo é muita coincidência, é muita coisa que tem que acontecer, não está na nossa mão, agora, está na mão do seu amigo vir até você, está na mão de amigos, de familiares, porque isso vai se dissipando de verdade, eu tive ocasiões de ficar… então eu esperava visita, fiquei muito longamente em hospital e chegava momento que o mais importante para mim era a hora da visita, legal, às três e meia da tarde é hora da visita, você se prepara. Eu tinha 35 quilos, como te disse, eu estava verde, eu era uma figura muito execrável até, visualmente, porque é muito feio, couro e osso, como eles diziam, mas puxa, eu me preparava, então eu chamava as enfermeiras, eu me produzia, eu me maquiava, eu escovava os dentes, eu me preparava para uma visita que não vinha, essa é a pior, maior das esperas, a espera de alguém que não veio te visitar e você acha que então é fulano, não, fulano vem, fulano não pôde vir hoje, ah não, mas então beltrano vem, aí você vai localizando quem vai ser, ah não, puxa aquele era tão amigo, tão presente na minha vida, o cara, todos os dias viveu comigo, precisou, esteve, dividimos, mas ele não pôde vir… ele não pôde vir…

Luciano          Vou fazer um comentário aqui porque eu acho que é muito pertinente nesse momento aqui: puta que pariu. Você acaba de quebrar minhas duas pernas porque quando você fala isso a gente começa a relembrar do que podia ter feito, onde podia ter ido e não foi, o pouco que podia ter dado e não deu e agora não dá mais tempo.

Alexandre      … gente, aquele teu amigo que você não viu, vai vê-lo, pelo amor de Deus vai vê-lo e outra coisa, então aí tem aqueles que tem… tem uns que tem asco, que fala não, eu amo o Alexandre, eu amo aquele cara, é muito meu amigo mas eu não aguento hospital, eu não aguento hospital, não posso naquela condição, pelo amor de Deus. O outro diz ele está morrendo, eu não vou ver mais o meu amigo, prefiro não vê-lo, cara! Talvez você tivesse vindo, eu tivesse tomado um pouco mais de energia positiva porque se você acreditar em mim, eu acredito mais em mim, agora quando ninguém mais acredita nem os médicos, que houve um momento que nem os médicos acreditavam mais no meu retorno, então você só encontra você, aí que eu fui para a infinitude, falei agora há pouco de Deus, eu sei lá onde está Deus, eu ainda que tenha sido católico, tenha sido formado lá, tenha feito treinamento e tal, foi a vida inteira um cara que não acreditou muito nisso, eu não vi Deus, para mim tenho que ver, prova dos nove, cadê Deus? Porra  me mostra Deus mesmo, vem aqui, bate um papo comigo e tal. Demorou, mas durante o processo eu acabei encontrando dentro dessa solidão, dessa falta que começou com pena, eu comecei a trabalhar a pena ok, então não vou esperar mais a visita das três da tarde. Eu passei a ter aliados dentro do hospital e a cuidar do meu companheiro de quarto e cuidar dos outros pacientes, eu passei a me entreter, o meu melhor amigo eram os médicos, os enfermeiros que também tinham problema, passei a ser eu o cuidador,  eu tinha que dar de mim para o outro, talvez isso eu pudesse trabalhar a meu favor, o cara que estava pior do que eu do meu lado, uma vez recebendo o meu carinho,  a minha ajuda, ele passa a ser meu aliado, então até a visita dele passou a ser minha, isso foi engraçado, teve um período que eu era visitado pela família do meu parceiro no quarto, porque eles vinham e iam… vinham pacientes que acabavam ou se curando, ou falecendo, mas enfim, havia uma rotina de entrada e de saída de novos amigos dentro do quarto e eu continuava lá.

Luciano          Eu fiz um podcast agora sobre a adicção, um podcast que no meio dele eu falo sobre os narcóticos anônimos, tem o depoimento de um sujeito que é adicto, na nossa época era um viciado e ele conta lá e aí eu fui estudar o assunto e montei um programa e o programa comenta lá dos narcóticos anônimos, fala dos passos, os famosos passos que eles seguem ali e um dos passos mais importantes lá é exatamente estabelecer uma comunidade onde pessoa que tem o problema da adicção, viciado, perceba que ele pode ajudar um outro cara que está numa situação igual à dele e ele fala, quando você tem a percepção de que por pior que você esteja, você consegue ajudar alguém, aquilo começa a montar uma rede… não vou dizer que é auto ajuda, mas de auto energizar um ao outro e ele falou, aquilo é um dos pontos mais importantes, o que é? É a reunião dos narcóticos anônimos que eu vou lá toda semana e eu fico duas horas lá ouvindo caras contando uma história que é parecida com a minha e eu conto para eles a minha e esse contar um ao outro cria um ambiente em que leva o cara para a direção da cura.

Alexandre      É isso, positivo de cura, de vontade, de querer, é isso, os meus amigos passaram a ser… eu primeiro fiquei com muita pena de mim e aí fiquei com raiva, fiquei muito chateado, acusei gente que não vinha, cada um que eu percebia que não vinha mais eu dizia, puxa, ele era tão meu amigo, eu comecei a ficar realmente rancoroso, mas eu ultrapassei isso porque é compreensivo que as pessoas estejam… eles estão muito mais doentes, o mundo, a humanidade está doente, eu só tinha uma doença clínica, física e pude ver de lá de dentro da morte que o mundo está muito mais doente do que eu, eles é que precisam de ajuda, essa gente que não veio, precisa de ajuda, então eu tive que me reestruturar, como vida, renascer como vida e comecei a fazer isso no quintal de casa, dentro do meu quarto com a rotina de passagem de outros caras que estavam em piores condições do que eu, alguns melhores e aí já iam embora, que bom, que legal que ele pôde ir.

Luciano          Passou pela tua cabeça em algum momento pular do quarto andar e acabar com isso tudo?

Alexandre      É… houve um momento, alguns momentos de achar que aquilo não precisava ser e que era muito mais rápido, poderia ser muito mais rápido essa solução uma vez que todos, a maioria entendia que não ia dar, eu achava sempre que ia dar, então em alguns momentos, não é que eu planejei, mas eu estabeleci um formato…

Luciano          Uma possibilidade.

Alexandre      … é, na hora que não der mesmo, como seria, então eu tinha uma versão pronta para essa possibilidade, mas à medida que eu fui tomando, me apropriando do não pena e da “eu tenho que ter a solução”, e as quartas feiras foram passando, então eu comecei a ganhar corpo em cima disso e dizer bom, quarta feira pra esses caras dançou, o diagnóstico deles está completamente equivocado…

Luciano          Que eu estou vencendo.

Alexandre      … eu consigo trabalhar isso melhor.

Luciano          Quando foi o fundo do poço?

Alexandre      O fundo do poço nunca houve…

Luciano          Não chegou no momento que você perdeu a consciência e aí você ficou refém das decisões dos outros e …

Alexandre      Então vai, rápido, resumindo então: em quatro anos de hospital, seis anos de tratamento, três transplantes, porque aí fiz o primeiro transplante que precisava tirar o câncer, acabei conseguindo o transplante…

Luciano          Aí é sorte

Alexandre      … é bárbaro porque…

Luciano          Isso é sorte?

Alexandre      … não, não é sorte, tem uma fila muito consistente, muito real, muito funcional no país, o sistema nacional de transplante você não compra, é complicado porque assim as suas chances aumentam muito quanto mais você piora…

Luciano          Claro, porque você vai para o começo da fila.

Alexandre      … aí você vai para o começo da fila, então que bom que eu estou ficando ruim e quanto pior eu fui ficando, melhor as minhas possibilidades e aí isso me criou um estado de ânimo legal porque eu percebia que eu estava minguando, mas isso me mostrava que eu estaria mais próximo da possibilidade de receber esse órgão, sim, fator sorte, preciso encontrar esse órgão e esse órgão ser compatível, eu atravessar uma cirurgia, que naquela ocasião, em 2009, 2010 quando eu fiz, porque então foram dois anos à espera de um órgão e  eu precisava encontrar esse órgão compatível e atravessar uma cirurgia de dezoito horas e sobrar vivo, dezoito horas de cirurgia são duas equipes de médicos de nove caras trabalhando em cima de você e que viram dezoito horas. Nove horas depois essa equipe vai embora, entra outra e continua trabalhando, o fator sorte, claro que está, tem que ter, os caras são muito competentes, são muito profissionais, eu acabei fazendo dentro de uma equipe modelo que estava nascendo, dei sorte, em 2010.

Luciano          Que hospital?

Alexandre      Albert Einstein

Luciano          Pelo SUS.

Alexandre      É, eu fui andando, fiquei naquele dos corredores lá, fui parar no Hospital São Paulo, que era aquele que estava abarrotado, ali tem uma passagem depois que eu vou te contar, porque eu encontrei um jeito de sobreviver e de melhorar, melhorando a qualidade de vida de todos nós, porque eu precisava gente do meu lado positiva e quando eu cheguei nos corredores de Hospital São Paulo, que o meu leito era uma fita crepe no chão vermelho e na parede de trás tinha escrito “leito 115” é o leito do Alexandre Barroso, leito. Leito era eu no chão, no chão.

Luciano          Você fala chão mesmo.

Alexandre      Chão vermelho, não tinha maca, não, não tinha baia, não tinha quarto, abarrotado.

Luciano          E você além de não… você não tem controle sobre isso, você não tem escolha, nada, é lá que te botaram?

Alexandre      Isso.

Luciano          E tua família chega lá, olha você no chão e fala o quê?

Alexandre      A família tem quinze minutos para olhar por um vidrinho  lá de trás, não há o que falar…

Luciano          E não há o que fazer?

Alexandre      … todo mundo, todo mundo desesperado, aí sim entra todo mundo num clima de total desespero…

Luciano          E não adianta gritar, não tem com quem falar, não tem o que fazer…

Alexandre      … piora muito a minha qualidade de vida, porque eu já estava ruim, agora ao meu lado estava eu e mais cento e sessenta e cinco pessoas no chão…

Luciano          Na mesma condição…

Alexandre      … no chão, leito 115, é isso que nós temos lá, eu fui visitar, esse tipo de coisa. Bom, vou contar essa passagem que é rápida mas é legal, porque a essa altura eu já estava meio escolado em já não ter pena de mim, eu já tenho que atravessar tudo isso, eu tenho que enfrentar a quarta feira, entro nesse hospital, entro nessa fila, isso era um absurdo mas eu tinha duas possibilidades: morrer reclamando ou tomar algum tipo de providência para isso melhorar à minha volta, porque agora não basta eu estar morrendo da questão física, agora eu estava morrendo psicologicamente com um monte de…. a dor do outro é sempre maior que a sua, então ok. Uma vez na fila a primeira noite, eu não só estava passando mal doendo e com frio, mas também estava ao lado de um monte de gente achando que eles estavam muito piores do que eu e todo mundo reclamando e sem atendimento, todo mundo reclamava também do atendimento dos enfermeiros, dos médicos, do hospital e o corpo colaborador do hospital não consegue atender nem fazer o trabalho dele porque nós todos estamos reclamando, é uma bola de neve. Você está daqui no desespero, eles não em como atender, estão no desespero, não tem maca, não tem família entrando, todo mundo brigando, cria um ambiente completamente fora de questão, então piora muito a situação de todo mundo. A primeira noite eu não dormi, eu estava com frio, eu estava doendo, não tinha atendimento, não tinha um leito, mas pior, eu não dormi porque aqueles cento e sessenta e cinco caras protestavam, brigavam reclamavam. Morreu um do meu lado, então da segunda noite em diante eu comecei a descobrir um meio de melhorar aquele estado esquisito que eu estava vivendo, tem que melhorar todo esse corpo aqui de  pessoas, então comecei a perceber, bom gente é o seguinte, não tem maca, não tem leito, mas tem doze baias de médicos que atendem durante o dia, as dez da noite eles fecham os consultoriozinhos e só voltam ás cinco da manhã. De dez da noite às cinco da manhã, sobram mesas e macas dentro dos consultórios, então passei a vislumbrar a possibilidade de melhorar a vida de pelo menos doze aqui, vinte e quatro, porque então dava para dormir doze na mesa do médico e doze na maca. Passei a perceber isso e comecei a colocar os caras lá dentro, quem achava que estava pior eu então fui indicando, gente vamos criar um estado positivo…

Luciano          Você virou um dirigente do movimento dos sem leito…

Alexandre      … isso, gestor…

Luciano          … movimento dos sem leito, era você o cara.

Alexandre      … exatamente, e aí saquei e comecei a colocar, olha vamos fazer o seguinte? Você está pior do que eu, muito pior do que eu, faz assim, você passou a noite inteira reclamando, doendo, achando que você está muito mal, faz assim, você vai para a maca, menos um  para infernizar a nossa noite.

Luciano          Mas deixavam ir?

Alexandre      Não, claro que não…

Luciano          tinha que ser…

Alexandre      … claro que não, agora começamos a trabalhar direitinho, eu percebi que eram aquelas baias de aquele negócio cinza que tem nas baias, teve uma época que tinha, que você empurra a porta, ela mesmo trancada abre, então invadi a primeira, percebi que funcionava, invadi as doze com essa percepção de que das dez da noite às cinco da manhã não tinha ninguém e entramos e começamos a descolar isso, então tinham cadeiras de roda que não eram utilizadas, da meia noite às cinco da manhã, então já podiam sair do chão para a cadeira de roda, era confortabilíssimo dormir na cadeira de roda, eu me deleitei quando eu consegui uma cadeira de roda, porque o chão era muito frio. As baias, doze caras a menos no corredor para reclamar, na terceira noite, bom isso começou a criar um estado positivo na gente, esses caras que dormiram já deixaram a gente um pouco melhor porque reclamaram menos, na manhã seguinte estava todo mundo melhor, de certa forma….

Luciano          E com a expectativa de que essa noite pode ser que seja eu…

Alexandre      … essa noite ainda pode ser melhor, começamos a fazer um trelelê até… era primeiro a condição física e a segunda começamos a fazer até no dois ou um, “vambora” galera, isso criou um estado legal entre nós porque mesmo quem não recebia a maca no sorteio, já sabe, apostou tem que pagar, então ok, fizemos um sorteio e eu perdi, não reclamo hoje porque o meu colega está melhor do que eu. Segunda noite foi fantástica, porque então a gente já descobriu isso, na terceira ainda sobravam aqueles outros que estavam ali nos cento e sessenta e nove, tínhamos cento e quarenta que estavam no corredor ainda, mas já felizes porque teriam a possibilidade de em algum momento ir para as macas numa noite qualquer, bom, mas sobravam cento e quarenta, já que é para não dormir de madrugada. Eu tentei criar algum tipo de mobilização, de workshop, alguma coisa que a gente pudesse fazer e fui identificando o que é que eu tinha pela frente, a gente tinha uma louca que imaginava, ela tinha uns cabelos enormes, ela imaginava que tinham piolhos na cabeça dela e ela passava a noite inteira conversando e pegando nos piolhos dela e às vezes ela ria com os piolhos, ela era amiga dos piolhos do cabelo dela, bárbaro, mas ela era uma louca, totalmente destemperada, comecei a identificar cada um e tentar imaginar se a gente podia fazer disso um jogo de futebol…

Luciano          Isso é uma cena de um filme do Fellini…

Alexandre      … é maravilhoso, é maravilhoso, não é cena, isso é real…

Luciano          … uma cena do filme do Fellini.

Alexandre      … tudo bem, tínhamos lá a louca no fundo que não podia interagir porque ela era louca e estava amarrada, aí eu tinha um lá na frente que estava bem mal mesmo, mas ele era alegre, um cara magrinho, magrinho, ele não tinha perna, uma perna, um Saci, puxa  vida o que  eu posso fazer, vamos criar um futebol, vamos estabelecer um futebol no corredor de madrugada, porque ninguém dormia mesmo, quem sabe a gente criando alguma coisa bacana, que  fosse bom para todo mundo, isso mudasse o foco. Bom, peguei as meias, me lembrei do São Luís, estudei no colégio São Luís e quando os padres não deixavam a gente jogar bola na hora do recreio, a gente juntava as meias e fazia um bate bola no fundo da quadra, meia do tempo de 13 anos. Bom, galera, me dá a sua meia, vamos tirar as meias e tal e fui tirando meia de um, de  outro, agora imagina o que é a meia de um cara que está lá há sete dias, quinze dias, dum corredor, a meia era absolutamente fedorenta, mas isso era ótimo porque assim ninguém quereria ficar com a meia, o babado era despachar essa meia fedorenta. Fizemos um bolão fantástico, grande, o Saci virou goleiro, a porta da UTI lá  no fundo, a porta da UTI lá na entrada do hospital, o vidrinho de onde a família podia ver a gente, então o Saci, Saci você é o goleiro e não pode pegar com a mão, porque assim facilitaria para a gente que estava muito debilitado para a gente fazer algum gol e vez ou outra ele agarrava, então foi uma noite fantástica, todo mundo jogou bola, todo mundo ficou feliz, alguns fizeram gol, algumas vezes perneta pegou a bola, imagina, vê a cena, isso sim é lindo, o perneta na porta da UTI pulando de um lado para o outro tentando segurar o bolão que vinha de lá pra cá, amanhecemos cinco horas da manhã aí tinha que acabar a farra,  porque aí… porque entre dez e cinco da manhã, cá entre nós e essa é uma dica, os médicos, os enfermeiros, os plantonistas também dormem, só você doente que está passando mal é que não dorme, porque você está passando mal, então estabelecendo um critério de alegria, de movimento, de farra, a gente esquece um pouco da dor, tira aquele foco e ok, não fica entregue à própria sorte.

Luciano          Você era Jack Nicholson em “Um Estranho no Ninho”, antes que eles pegam ele dão-lhe uma cura, mas você é ele, você…

Alexandre      Brincamos, eu entendi que eu tinha um estado de espírito… promovendo um estado de espírito moleque de alegria, isso poderia ajudar o corpo, o corpo como todo de uma organização, a organização dos doentes que melhoraram, jogaram a madrugada inteira, às cinco da manhã estava todo mundo calminho, deitando para dormir, sem reclamação, a rotina do hospital voltou a funcionar às seis da manhã sem as reclamações daqueles caras que a essa altura dormiam porque passaram a madrugada jogando, então a máquina voltou a funcionar, chama-se, isso chama-se interdependência orgânica, que eu ali comecei a aprender, mas eu estava trabalhando em causa própria, na verdade sobrevivência, eu  precisava mudar aquele estado de espírito porque senão a gente morria mais cedo e eu não conseguiria chegar na quarta feira, esse foi uma passagem do Hospital São Paulo que então…

Luciano         Me fala uma coisa agora que você está me deixando interessado aqui. A gente comentou o momento em, que o médico te deu a notícia de que você ia morrer na quinta feira, como é que foi o momento em que chega alguém para você e fala Alexandre, apareceu o fígado?

Alexandre      Bárbaro, isso foi a maior estação, foi o momento de completa euforia, isso foi de madrugada…

Luciano          Como acontece?

Alexandre      … isso é de madrugada, tem uma rotina que a gente sabia que poderia acontecer e tem essa ansiedade, as ocasiões, nessas ocasiões ainda antes da internação completa, eu estava em casa nesse dia, três horas da manhã, tocou o telefone, aí ok, chegou um órgão para você, compatível e você tem que estar aqui em quatro horas…

Luciano          Vem pra cá.

Alexandre      … vem pra cá. Excitação total, você começa a olhar para as coisas que estavam preparadas, nesse caso eu estava há dois anos esperando essa notícia e aí tinha que estar tudo pronto, mas não estava nada pronto, foi uma loucura, acabei chegando no hospital sem nenhuma roupa…

Luciano          É tipo estourou a bolsa.

Alexandre      … é, estourou a bolsa, exatamente, estourou a bolsa, sai correndo, virou loucura e “vambora” e corri para o Einstein e quando entrei então eles queriam me mostrar, bom aí eu já tinha saído do Hospital São Paulo, fui transferido para o Einstein porque um amigo me pegou dentro do Hospital São Paulo, sabendo que tinha um programa de filantropia no Einstein, de um case, de uma equipe que estava nascendo, a equipe do doutor Ben Hur que era uma equipe que não perdia um órgão no país, eles estavam… estava nascendo um núcleo de transplantes, o maior núcleo de transplante daquele ano, em 2008, era o número um em transplante no Brasil e na América Latina. Bom, um amigo me levou, eu morrendo de medo porque como é que eu vou entrar no Einstein, não tenho mais dinheiro, a essa altura já tinha acabado todo dinheiro, já vendi as motos, já vendi os carros, já vendi terreno, já vendi o que tinha e aí ok, fui para o Einstein e fui contemplado porque eu era um caso extremo e como era um caso extremo os caras me pegaram, pediram para fazer uma proposta de que se eu topava algumas condições adversas…

Luciano          Você vê que coisa impressionante, se você não tivesse na pior situação, você não teria encontrado a melhor das soluções.

Alexandre      Exatamente.

Luciano          Você só conseguiu…

Alexandre      Menos é mais.

Luciano          … porque estava… que coisa impressionante.

Alexandre      Menos é mais, tchau, não é o dinheiro, e não tem dinheiro e no fim o transplante é feito pelo SUS e no fim tinha um programa de filantropia pelo SUS dentro do Einstein e …

Luciano          E tinha um amigo que sabia e vai lá.

Alexandre     … alta mordomia, um amigo que tinha sido transplantado há três anos que eu não via, lá da Itaparica, o cara lá de Itaparica, de 30 anos atrás, que tinha feito um transplante, soube, veio, me pegou pela mão dentro do corredor vermelho, o saudoso corredor do futebol e me levou para o Einstein. Eu fui admitido imediatamente e aí num acordo de que nós vamos fazer todos os tipos de experimentos com você, para te salvar, nós vamos tentar te salvar e agora vale tudo, chegou um documento que eu cheguei a assinar que como eu tinha o câncer e eles não queriam me perder para o câncer, talvez se fosse o caso de pegar um órgão próximo que viesse como tinha que ser, alguém que recebesse um transplante e aquele órgão ruim, carburador do Fusca, lembra do Fusca? Pega um carburador usado… Pega um recauchutado para você chegar até…

Luciano          Mas pelo menos não tem câncer

Alexandre      Exatamente. Então eu entrei num acordo que em qualquer que fosse a situação eu estava dentro do jogo para, no mínimo, fazer essa transposição e por sorte acabou que quando surgiu o meu órgão, era um órgão compatível e bom, não precisou ser um contaminado, Bom, três horas da manhã, fiquei doido, completamente louco, eu, a família todo mundo destemperado, um corria para um lado, outro corria para o outro, eu pensava se toma banho, se não toma banho, como é que eu faço, que roupa eu vou, maluco, você pensar em que roupa vai porque quando você entra no hospital os caras tiram até teus pelos, então não tem roupa, você fica nu o resto da vida, mas enfim, muita euforia. Fomos para o Einstein e fizemos o primeiro transplante, na entrada para o transplante, a entrada para o transplante, no corredor entre o seu quarto e a chegada dentro da UTI é um filme, aí é um verdadeiro filme, você sabe que é o seu filme, o fim da sua história, você está indo para uma provável morte, agora não vai ocorrer mais, acabaram, não está mais na minha mão, muito louco, fui até  a  porta, pedi no caminho que por favor servissem cajuzinho e festa, eu queria uma festa, por favor se alguns dos meus amigos vierem ao meu enterro, eu queria cajuzinho no meu enterro…

Luciano          Quer dizer, você tinha que se despedir de todo mundo ali.

Alexandre      … é, foi uma despedida.

Luciano          Foi despedida.

Alexandre      Foi despedida e aí fui e conversando com os médicos, eles dizendo olha, é muito difícil, uma cirurgia muito longa, eles te preparam para a cirurgia muito improvável e eu estava pronto, disse para eles não, por favor, vamos nessa, não tem problema, vamos nessa, vai dar certo. Eu disse aos médicos na entrada da UTI, eles me disseram, você está pronto? Eu digo eu estou pronto e você vai me encontrar lá fora daqui a três dias, porque é o tempo que você tem para recuperação, pós-operatório, você vai me encontrar lá fora, eu disse para o meu médico e entramos na cirurgia. Eu já tinha feito algumas sequências de exames e de colheitas e de pequenas cirurgias com biópsias e etc e que já tinha tomado algumas daquelas injeções de neutralizar e aí quando você toma injeção dessa, tem uma viagenzinha dos últimos três segundos que é a coisa mais deliciosa do mundo, então eu comecei a ficar viciado nisso, a tal da injeção pré-operatória, é uma delícia, porque aí você não tem mais, não tem mais expectativa, provavelmente é a última das minhas viagens, você passa a degustar com detalhe aquele único momento, as luzes, os corredores, para mim que sou cineasta, comecei a curtir a viagem do meu quarto para dentro da UTI, as pessoas…

Luciano          Já imaginando o enquadramento…

Alexandre      … tudo no enquadramento. Aí é cena de filme mesmo, correndo nos corredores, as luzes brancas passando pela sua cabeça e junto um filme muito louco, parece um túnel mesmo do tempo, a expectativa dessa morfina que vai entrar e que aí tem uma viagem gostosa, um papo que você sabe que vai perdendo, a própria sala de cirurgia é um negócio muito sofisticado, muitas luzes, eles escutam música para relaxar, então tem um clima maravilhoso mesmo, muito legal, é assim, é uma despedida bastante atraente, porque já que é para morrer, vamos morrer felizes, então tem música, tem luz, tem gente feliz em volta, eu fui percebendo isso, eu estava feliz porque eu consegui me despedir, avisar, falei, minha filha de oito anos foi comigo até a porta da cirurgia, da UTI e eu disse a eles, olha, vai ser feliz, pode ser feliz se eu por um acaso não voltar, vai ser feliz, eu vou feliz, eu estou feliz, mas eu vou voltar e vocês estejam aí na porta porque eu encontro vocês aqui fora daqui a três dias. E entrei na cirurgia e três dias depois eu estava lá do lado de fora e teve um momento que foi assim, todo mundo me disse muito dentro das pesquisas, das buscas, Alexandre, quando você receber o novo órgão, você vai acordar outra pessoa, você acorda vivo, outra coisa, acaba tudo, muda tudo e quando eu acordei na manhã seguinte, que a gente teve o primeiro papo lá dentro, eu disse para o médico, não mudou nada, não mudou nada. Ele falou não, maravilha, deu tudo certo, maior sucesso, você está ótimo. Fizemos o transplante, você está acordado, fica feliz, não tem mais câncer, está tudo bem. Aí eu disse ah, legal, acho que está tudo bem, prática, essa é a tua parte, quero te avisar que eu acho que não mudou nada.

Luciano          Você estava com os mesmos 40 quilos…

Alexandre      Digo dentro, você sente, você sabe o que acontece e aí eu disse a ele, não mudou nada e daí para a frente a gente começou a trabalhar uma semana, vai melhorar e nada melhorava, nada mudava, a barrida d’água continuava, as dores continuavam, a coisa continuava, eles levaram oito meses para identificar que aquele órgão não tinha funcionado.

Luciano          O fígado?

Alexandre      É. Que eu recebi novo, a veia cava, o fígado, a ligação do fígado para o rim não funcionou em algum momento a coisa, o fluxo sanguíneo não funcionou e oito meses eles levaram dizendo vai dar, vai recuperar, vamos fazer hemodiálise, todos os tipos de procedimentos, cirurgias, aí eu comecei a entrar numa roda viva de cirurgias que também foi me criando uma casca feliz, porque a qualquer momento os caras me… tem uma máxima dentro do Einstein que era, naquela época, que era assim, no centro cirúrgico: “quando não tem nada para fazer, sobre o Alexandre porque nele tem o que fazer”, olha eu fiz onze cirurgias, eu tive derrame pleural, que é pulmão, encheu de água o meu pulmão, então eu comecei a morrer, aí já tem outro problema, agora eu estou morrendo por falta de ar porque o meu pulmão estava enchendo de água da barriga d’água, eu tinha comas cerebrais porque essa barriga d’água, essa água sobe, bate no neurônio e você vira Alzheimer, você tem um coma cerebral, eu tive vinte e um comas cerebrais, onze cirurgias, estourou a biles, o canal da biles, infecção generalizada, aí fiquei nu pela primeira vez, tiraram de verdade todos os meus órgãos para fora, com uma espátula eles limpavam o pus de cada órgão, é perfex, paninho perfez para limpar e devolvia o órgão para dentro, essa vez eu fiquei pelado mesmo de verdade, porque eu acho que você nunca pensou nisso, mas ficar nu é quando abrem teu corpo e tiram todos os órgãos e repõe, dessa vez eu fiquei pelado, até ali eu achava que era humilhante ficar de batinha, pelado, nu, sem cueca, os caras raspam você todo, eu achava que aquilo era humilhante, mas depois que tiraram todos os órgãos, eu percebi que eu sou feliz quando eu estou de batinha. Essa é a reconstituição… A boa notícia é que eu sou feliz, muito mais feliz agora.

Luciano          Bom, vocês estão vendo aqui que a coisa vai longe, é uma história que não tem tamanho, afinal de contas eu estou falando com um sobrevivente então com isso aqui eu vou encerrar a primeira parte dessa entrevista, a gente vai voltar num segundo programa com a parte final, final nada, com a continuação disso aqui, com o que vem pela frente aí.

Alexandre      O legal é que nunca tem fim isso não tem fim, eu ainda não sei quando é que será o fim dessa história.

Luciano          A agente vai continuar.

Alexandre      Uma coisa que eu prometi é que eu nunca mais morro.

Luciano          Grande. Vai, continua onde você estava então.

Alexandre      Onde é que eu estava?

Luciano          Tiraram seus órgãos para fora.

Alexandre      O resumo da ópera é três transplantes, quatro anos de internado, três transplantes, mais nove cirurgias, um derrame pleural, chegamos à conclusão que não ia mais funcionar aquele órgão, me botaram numa hemodiálise porque eu perdi os rins, agora eu já não tinha um fígado que não estava bem, não estava funcionando, e porque ele não estava funcionando bem, eu perdi os rins. Perdi os rins, a única maneira é hemodiálise, um ano e meio de hemodiálise…

Luciano          E perder o rim significa transplante de rim também?

Alexandre      …  pifou o rim, agora Alexandre, temos uma nova notícia para você,  você não precisa de um fígado, agora você precisa de mais dois transplantes, você precisa de um fígado e um rim. Aí fui para uma hemodiálise, começou a seção hemodiálise, um ano e meio de hemodiálise, o dia que eu cheguei na primeira seção de hemodiálise, o meu companheiro, bom, você começa a se informar, agora eu tenho um novo problema, novo foco, eu agora preciso de um rim também, fora atravessar as quartas feiras, eu vou precisar de rim, comecei a querer questionar o que é precisar de um rim, bom, quando cheguei na hemodiálise, o meu colega do lado esquerdo, estava lá há cinco anos em hemodiálise esperando um rim, ah mas a velhinha, ao meu lado direito estava há doze anos em hemodiálise esperando um rim, significa todas as segundas, quartas e sextas, todas, segunda, quarta e sexta, quatro horas na maquina para ela fazer a função do teu rim, tirar o seu sangue por um lado, entrar numa máquina, filtrar esse sangue, te devolver na outra veia. Isso a segunda, quarta e sexta, mas a minha expectativa, que só tinha até quartas feiras e continuava brigando pelas quartas feiras, quando cheguei ali, o meu parâmetro ficou um pouco mais preocupante, porque ao meu lado tinha o último que chegou tinha cinco anos e a mais velha tinha doze anos esperando um rim, quer dizer, como é que eu vou encontrar um rim? Eu preciso de um rim e um fígado, sofrível, foi complicado, foi difícil, isso era um kit, eu saía com barriga d’água, com 35 quilos, eu saía de casa com uma Kombi do governo que ia me buscar e me levava um período de oito a nove horas por dia para que eu pudesse passar quatro horas dentro da máquina e isso dava todo tipo de rebordosa, enjoo, complicado, tinha que sobreviver dentro de uma situação bastante difícil e sem um horizonte, a essa altura sem nenhum horizonte. Esses foram momentos difíceis que eu achei que talvez não fosse dar, mas me cabia me manter vivo, mais um período agora, já tinha um ano e meio, preciso mais três anos e meio que os caras vão encontrar uma solução científica lá naqueles caras que estão fazendo as drogas que podem me curar e aí fui me mantendo, me mantendo vivo, aí só me sobrava essa perspectiva de vida e aí aprendi já das alegrias e das faltas de possibilidade, passei a desenvolver ainda mais as transgressões e as alegrias mesmo, porque não já tenho, morto já é provável, já vai ser, daqui para a frente o que der  para fazer de legal, de saudável, de bonito ou de não saudável, saudável a essa altura é o que for divertido, divertido porque ruim já está mesmo, então comecei a trabalhar e desenvolver essa coisa de brincar com o problema, ficar amigo das… não pode beber água, você não pode beber água e não pode comer sal, consumir sal, uma vez que você não tem rim, então era 200 ml de água ao longo do dia inteiro…

Luciano          Você passa o dia com sede?

Alexandre      … dia com sede, não pode, os caras te mandam… aí te filtram, aí é que está, você passa o dia entubado recebendo soro, recebendo alimentos via veia, endovenosa para que substitua as tuas necessidades, mas a sede é terrível, 200 ml por dia não dá para ninguém, sal também não pode, então eu comia… meu, ficou complicado, já está ruim, você está morrendo e aí não atem sabor, não pode manteiga, não pode leite, não pode sal, não pode água, porra, está ruim a vida e vocês fizeram disso ainda pior, então eu comecei a perceber que aquela dita frase: “mantenha-se vivo” esse era um problema meu, eu tenho que resolver e eliminar essas questões em vez de sofrer com a  comida que eles não iam me dar e eles tinham que resolver o problema da comida que eu comi e eles não sabiam e alterava todos os meus exames, então nas idas para o hospital eu passei a passar  pela padaria e enchia o bolso de gramas de sal, aquele saquinho que está no restaurante, eu só podia consumir uma grama por dia, mas eu enchia o bolso, então tá, eu vou ser internado mas eu vou levar sal comigo, então quando os médicos vinham e olha, você não pode comer sal e me davam aquela comida horrorosa, insossa, eu em vez de brigar com os caras eu admitia, o corpo de médicos ficava feliz à bessa porque eu passei a ser um anjo com eles e eu pegava meu salzinho no meio do babado e amanhã de manhã estava tudo alterado, mas aí não é problema meu, agora é problema de vocês os meus exames alterados e assim eu comecei a desenvolver um monte de liberdades, de liberdades mesmo, então eu me salvei com esse tipo de atitude, eu precisava tomar uma atitude para ser alguma coisa melhor para mim.

Luciano          Que desse a você o mínimo que fosse de…

Alexandre      Chamada qualidade de vida.

Luciano          … não, de impressão que você mantinha o controle sobre alguma coisa.

Alexandre      … é.

Luciano          Você tinha, nem que fosse sobre a transgressão, você tem o controle sobre aquilo.

Alexandre      É, acho que foi por ai, eu não tinha pensado, isso não foi pensado.

Luciano          É a tua individualidade, eu como indivíduo sou dono das minhas escolhas…

Alexandre      Eu precisava viver.

Luciano          … e preciso ter algum controle.

Alexandre      Viver. Então eu estava embalado, dentro de um hospital, que não entra ar, eu não podia sair do hospital, não podia comer um chocolate, tem uma Kopenhagen embaixo do Einstein, tem um Viena embaixo do Einstein, tem coxinhas maravilhosas embaixo do Einstein, puta sacanagem, eu estava morrendo, então se eu estou morrendo, meu amigo, eu tenho que ter esse… uma licença poética para morrer feliz, por amor de Deus, mas eles não me deram, é protocolo. Então, passei a lidar com uma nova situação, eu conheço todos os caminhos do Einstein, passei a frequentar os melhores banheiros, os melhores caminhos do Einstein, onde entra, onde sai, onde é a saída de emergência, como é que faz para ir até o atrium, tinha música às cinco horas da tarde, eu descia e ia ouvir música, fugia um pouco do quarto, aí daqui a pouco eles me achavam, mas eu passei a me alimentar de pouca…

Luciano          Pequenas transgressões…

Alexandre      … é ir ver o por do sol nas janelas do quarto, do quarto não, do fim do corredor do quinto andar, tinha um janelão lá no fim para as visitas, eu ia lá muito, com frequência, levando o soro, levando tudo, passei a me auto gerir de um pouco de felicidade e isso era felicidade, ver um por do sol, sentir a brisa do vento que eu já não sentia há muito tempo.

Luciano          … essas bobagens que a gente esta ocupado demais para dar …

Alexandre      Porra, fazer xixi, um ano e meio sem fazer xixi, o dia que eu fiz xixi um ano e meio depois, cara não tem tamanho de alegria quando eu vi o dito cujo sair, o xixi, que loucura você passa uma vida inteira sendo treinado para induzir, para fazer o xixi, aí os caras te entubam e passam a te avisar que agora você não tem que fazer xixi, não faça xixi, como é que você não faz xixi? E porque não faz, é entubado, tem um tubo dentro do teu…

Luciano          Sim, vai tirando num saquinho.

Alexandre      … que loucura, então quando, um ano e meio depois, eu fiz xixi pela primeira vez sozinho, dei pulos de alegria, pulos de alegria, os valores passam a ser outros de vida, um xixi. Uma ocasião lá dentro, então isso, a transgressão do sal, a conclusão de que quarta feira eu morria, então às terças feiras… ah uma coisa super engraçada, quando eu recebi o primeiro órgão, isso eu não sabia, te disse eu sou um paciente inocente, então não li, não procurei, ninguém me contou, as experiências foram acontecendo na prática, quando eu recebi o primeiro órgão que não deu certo, ele veio com umas coisas, eu vim pós operatório com umas coisas esquisitas que não eram minhas, de repente eu comecei a ter saudade de gente que eu não conhecia, morrendo de saudade de alguém que eu não conheço, você já teve saudade de alguém que você não conhece?

Luciano          Não.

Alexandre      Não. Eu também não, mas eu comecei a ter saudade, mas tinha uma saudade danada…

Luciano          Que veio com o fígado do cara?

Alexandre      … não sei, o fato é que eu…

Luciano          Isso é assustador.

Alexandre      … eu amanheci, vamos dizer, é um amanhecer ao longo do pós operatório com  referências que não conheço, reconhecendo lugares que eu nunca fui, a certeza que eu estava, que eu conheço o sul da Itália, Provença, eu conheço Provença intimamente, eu nunca fui.

Luciano          Você foi investigar para ver o dono do fígado se…

Alexandre      Fui, por causa disso, ai, deixa eu chegar lá. 1. Reconhecer lugares que nunca estive, saudade de gente que eu não conheço, também não posso reconhecer, como é que eu posso ter saudade de alguém que eu nem conheço ainda e aí passei a ter. Eu fui publicitário, fiz bilhões de reuniões porque teve uma febre de uma época de fazer reunião em restaurante japonês, não tomo nada, não como nada, eu ia, almoçava antes para ir no restaurante fazer a reunião, ali para mim não tinha nada, a partir deste fígado eu fiquei alucinado por um sushi, louco para comer essas comidas e passei a comer toda semana sushi e sashimi, Shoyu…

Luciano          Meu, é um alien que entrou ai?

Alexandre      … ai fui procurar, o que está acontecendo, fui procurar saber, não te contam quem é quem, mas era de um senhor japonês, oriental, de 61 anos, o primeiro órgão e eu fiquei viciado em sushi e sashimi e como e o pior, pego aquele hashi, aquele pauzinho como ninguém, como arroz com pauzinho, uma maestria, uma coisa que eu nunca tinha visto na minha vida, aí descobri que eu não estava ficando louco, que eu estava tendo influências do que eu acredito hoje, eu emprestei o meu corpo para aquele cara renascer em mim, é a minha única percepção, agora não sou mais eu, somos nós dois, milagre da ressurreição, na prática. Virou uma festa.

Luciano          Ler isso é uma coisa, ouvir história é uma coisa, quando um cara na minha frente, supostamente no controle dos seus atributos mentais te conta uma história dessa, é muito louco, junto com o fígado vem um pouco…

Alexandre      Memórias.

Luciano          … do cara.

Alexandre      Aí eu fui procurar um pouco disso e a ciência quântica, a medicina quântica diz que sim, vamos pensar quem somos? Somos átomos, somos um DNA que era um só antes do meu transplante, então somos células, se essa formação eu recebo de lá um outro órgão que traz de lá memórias celulares, memórias de átomos, por que não as memórias espirituais?

Luciano          Sim, mas é porque você imagina que ela está restrita a um órgão que está dentro da sua cabeça, você não pode imaginar que existe inteligência em um fígado, o que você está contando para mim é que o fígado está trazendo junto consciência, uma certa consciência dentro do fígado.

Alexandre      Começa uma discussão de toda uma medicina que fala para a gente assim: você é o que você come. Que diz para mim assim: conforme o que você faz, então por que não? E aí eu pude comprovar, porque como eu tive a chance, fui premiado de ter mais dois transplantes, as outras influências começaram a mudar e modificar tudo, tudo, aí viramos três, porque aí eu soube depois, é claro que a essa altura eu fui buscar, ciência quântica diz que pode ser isso, os médicos convencionais dizem que não porque não tem escrito isso em livro nenhum, então ninguém diz que é, então você começa a se sentir maluco, aí você começa achar que tem insanidade mental, eu fui para um psicólogo, fui para o psiquiatra, eu também fui, fui questionar, o que está acontecendo gente? Eu estou com saudade de gente que eu não conheço. O que é isso? Mas enfim comecei a encontrar consciências diferenciadas e que explicam a possibilidade disso ser fato real.. Comecei a conversar com outros transplantados que começaram a ter pelos, renascer pelo, tem um monte de gente que está sentindo coisas esquisitas, só que é uma gente que não consegue falar sobre isso, está acontecendo alguma coisa esquisita, mas o cara não sabe dizer de onde vem, o que está acontecendo, eu pesquisei. Bom, ficou divertidíssima a vida, agora somos dois e somos sushi, come-se sushi, legal. Então passei a transgredir um pouco mais evoluído agora, agora vou morrer quarta feira, terça tráfico de sushi, porque eu passei um período no Einstein que só podia comer gelatina, os pós-operatórios, como foram onze cirurgias, eu era pós-operatório todo dia, toda semana, então toda semana frequentemente eu ficava naquele período de um regime de três, quatro, cinco dias pro teu corpo reagir com gelatina, gelatina. Eu consumi tanta gelatina, eu fui tantas vezes ao Einstein para cirurgias que eu peguei uma fase que acabou as gelatinas, só tinha gelatina de abacaxi, desculpa, mas fodeu cara, como é que eu vou viver de gelatina de abacaxi, pelo amor de Deus, então ok, como estava morrendo tinha uma condição especial, a condição que estou morrendo, isso abre uma brecha para que o meu filho entre a qualquer horário, porque é meu filho mais velho e o meu advogado entra a qualquer horário, então mesmo nos horários fora de horário de visita, meu advogado batia uma carteirada e dizia olha, meu cliente está falecendo, precisa assinar documentos e eu tenho que subir onze horas da noite. Descobrimos, voltei para as minhas percepções lá dentro da primeira instituição, precisamos quebrar os protocolos para me manter vivo, então desenhei um quadro novo que era meu filho pode entrar a qualquer hora, os médicos também, nas grandes instituições tem uma ocupação entre dez da noite e cinco da manhã que não é ligada especificamente ao paciente, talvez seja aos mais, os que estão em situação pior, então entre dez da noite e cinco da manhã não entra médico, não entra enfermeiro no teu quarto, então ok, terça feira sushi, porque isso vai me trazer alegria, vai me trazer um prazer de comer alguma coisa minha mesmo que com transgressão, mas quarta feira eu vou amanhecer morto, se eu comer sushi e não amanhecer morto, me dei bem.

Luciano          E não é o sushi que vai te matar.

Alexandre      Porra, é a pipoca, meu amigo, então vamos fazer o seguinte, fiz a primeira experiência, trouxe sushi na terça feira, dez da noite, comi o sushi na madrugada, ninguém viu, limpei, tirei, botei a bandeja do sushi na parte… no lixo da infectologia porque ninguém mexe no dito lixo da infectologia e ali era a minha maneira de dar vasão a ele. Aí descobri, eu era apaixonado por milk shake do Bob’s e aí então passei a alternar, na terça feira par sushi, na terça feira seguinte, um balde de milk shake com Ovomaltine com crequelências…

Luciano          Maravilhoso.

Alexandre      … a mais e aí ok, tinha um ritmo, Ovomaltine terça feira e quarta amanhecia com todos os exames alterados…

Luciano          Preciso estar vivo até terça feira porque vem o milk shake.

Alexandre      … agora tenho mais um motivo, vem o milk shake, eu já não tinha amigo, já não tinha visita, já não tinha razão nenhuma, não tinha órgão, não tinha nenhuma probabilidade de me manter vivo…

Luciano          Que venha o milk shake.

Alexandre      … que venha o milk shake e com craquelências extras, como é que é o nome disso? Extra de Ovomaltine? Extra de Ovomaltine no meu, que não podia comer nada, só podia comer geleia. Mas eles não sabiam, então eu tomava na terça feira, quarta feira de manhã os exames estavam absolutamente alterados, eles não sabiam porque, eles entravam no quarto e diziam: alterou tudo Alexandre. Problema seu, eu fiz a minha parte, me mantive vivo e amanheci quarta feira vivo, agora é com vocês. Aí os caras me consertavam até o fim de semana…

Luciano          Na terça feira seguinte você…

Alexandre      … na terça feira seguinte mais uma transgressão e aí fui desenvolvendo isso, os meus amigos de quarto, quinto B é protocolo, todo mundo no quinto B está com esse tipo de protocolo e me vendo fazer isso, esses caras começaram a ter… porra o que está acontecendo? Então eu virei uma festa porque eventualmente eu ia para a casa, comecei a convencer os caras, a situação era tão grave que é a seguinte: doutor, de sexta a domingo eu vou ficar na mão de plantonista, eu vou morrer na mão do plantão, então faz o seguinte, me deixa ir em casa porque eu indo para o meu sítio, vendo meu cachorro, o cachorro nem pensar Alexandre Barroso, me deixa em casa, eu vivo, respiro dentro de casa, provavelmente eu vou ficar feliz e voltar na segunda feira melhor do que eu fui na sexta, em último caso se eu morrer, eu morri em casa feliz, você não estar aqui no domingo, você não vai estar aqui no sábado, então eu vou em casa. Eles duvidaram que eu pudesse fazer isso mas, se você descolar uma UTI, uma ambulância a gente deixa você ir. Então era assim a condição que eu tinha para sair do Einstein e eu consegui providenciar um esquema fora do hospital para que eu tivesse esse transporte até minha casa, então descobri que também sair, viver, fazer alguma coisa lá fora, havia vida lá fora, de vez em quando isso me trazia melhores condições para segunda feira e assim foi, fui criando um hábito, então quando eu voltava para o hospital, espalhou entre os meus companheiros de quarto que eu era o cara do sal, o traficante do sal, então cada vez que eu voltava era uma alegria nos corredores, porra Barroso voltou, Alexandre voltou, legal, Barroso, tem um salzinho!? Comecei a brincar com isso, mas isso criava auto estima em todo mundo, bom passei a ser um líder dentro do quinto B estamos falando de mais ou menos umas cem pessoas…

Luciano          Um traficante

Alexandre      … é, não, um líder. E aí… mas aí não só… aí comecei a trazer, bom eles me viam tomando milk shake, eles diziam meu Deus, como é que pode Alexandre, e tudo bem? Eu digo claro, tudo bem, porque é dose de alegria, chocolate, dose de alegria, até que eles me pediram, aí chegou um dia eu trouxe milk shake, entre os vinte que estavam mais próximos de mim e uns cinco disseram ok, eu quero milk shake, aí um escolheu milk shake de chocolate, o outro de morango, ok, aí eu consegui, aumentou o meu negócio, eu trouxe cinco milk shake para dentro do Einstein, todos tomaram na madrugada, amanheceu todo mundo com diarreia, o hospital todo cagando, todo mundo mal e eu responsável por isso, mas eu dizia gente, eu não tenho culpa, eu dei alegria para vocês, isso é um problema de vocês se vocês estão passando mal, todo mundo com diarreia, foi uma semana difícil para o Einstein.

Luciano          O que servia para você neles deu…

Alexandre      Em alguns casos não servia, servia, estava todo mundo muito feliz, mas cagando, felizes estavam todos, todos sobreviveram, com dor de barriga, todo mundo sobreviveu, foi muito divertido esse momento e aí a gente tinha um pacto.

Luciano          Quanto tempo durou isso? Você ainda estava com o fígado velho e com o rim já era.

Alexandre      Aí eu estava com o fígado velho, não funcionando hemodiálise e tendo esses percalços toda hora cirurgia, cirurgia, abriram onze vezes, eu tenho quatrocentos e ciinquenta pontos na barriga…

Luciano          Meu Deus do céu.

Alexandre      … que vieram construindo de dentro para fora, aí o ápice da percepção de alegria foi um vizinho meu que ele estava muito triste, o cara estava no meu quarto, ele entrou uma semana muito mal e aí ele começou a perder a razão de vida, frequentemente as pessoas preferem desistir e eu não concebo desistir, não, não, não, não. Ok. E batendo um papo com ele percebi que era um são-paulino, o grande, o pior problema dele naquela semana é que o São Paulo ia jogar e contra o meu Fluminense no Morumbi em frente ao…

Luciano          Dá para ver ali do Einstein.

Alexandre      … dá para ver do Einstein, não dá para ver o jogo, mas dá para ver a luz e eu via nele uma falta de vontade, uma falta de viver, com falta de querer, aí eu fiz um pacto com ele, falei cara, vamos fazer um pacto? Vamos. Você me promete gás, promete querer e eu te levo no jogo do São Paulo. E o cara olhou para mim e falou como é que nós vamos? Os dois, você imagina os dois, com 35 quilos, com um rosto curioso, marrom, verde, disfarçadamente, com um monte de cateter, aí pegamos umas blusas e tal, aí eu conhecia os caminhos inclusive das ambulâncias, das saídas de emergência, preparei o meu colega e a gente então, oito e meia, oito e quinze, já estava começando o jogo, demos uma fugida e ficamos noventa minutos, os dois de bengala, andando do Einstein até o Morumbi, ainda pagamos meia, porque especial tem direito a meia, entramos no jogo e ficamos noventa minutos fora do hospital…

Luciano          Assistindo o jogo.

Alexandre      … claro, e assistimos o jogo, voltamos felizes, porque 0x0, nem para mim nem para ti, eu era Fluminense ele era são-paulino, mas ali era muito mais por ele do que por mim, eu tudo bem, para mim está tudo certo, mas fomos lá felizes…

Luciano          Você estava até torcendo para perder o jogo, não é?

Alexandre      … é podia até perder, o Fluminense naquele dia podia perder em homenagem ao meu amigo que eu estava recuperando a estima de um cara que como possibilidade só tinha um desejo, ver o jogo do São Paulo, funcionou, esse cara voltou super feliz a ponto de a gente, na volta já parar no atrium que tinha, o atrium do Einstein que tinha as coxinhas e aí nós fomos encontrados no Einstein, a essa altura…

Luciano          Que devia estar em polvorosa.

Alexandre      … a essa altura como é que o corpo hospitalar informa para a família que o paciente sumiu, dois, eles não tinham ainda acionado as famílias, estavam em…

Luciano          Que vocês nem contaram para a família nada?

Alexandre      … não, não como é que, não tem nada disso, não, você vai contar para a família, alguém vai deixar você sair do Einstein para ir ver…. morrendo você ir ver o jogo? Não pode, porque você não pode estar em público, eu não podia entrar em shopping, eu não podia ir na farmácia de alto custo porque você não pode estar…

Luciano          Em contato com…

Alexandre      … com um monte de gente porque baixa a imunidade.

Luciano          Você sabe que eu fiz uma dessa? A minha esposa estava internada, estava lá internada, tinha acabado de passar por um perrengue lá com uma infecção, internada e é eleição, segundo turno de eleição e ela politicamente engajada, eu tenho que votar, eu tenho que votar, falei quer saber de uma coisa? Fomos eu e ela lá, descemos, vamos comer um negócio, vamos comer, vamos lá… entrei no carro, no Einstein, entrei no carro, fomos embora, votamos, Alphaville, não, Aldeia da Serra, votamos, voltei, entramos e ela voltou para o quarto e continuou e ninguém ficou sabendo lá, mas ela cumpriu, ficou feliz da vida de ter ido lá.

Alexandre      É uma instituição cheia de protocolos e como deve ser mesmo, agora, se a gente não arrumar uma maneira de sobreviver a tudo isso…

Luciano          Você vai ficar inerte lá esperando.

Alexandre      … morre, porque você morre de infecção hospitalar, então vitamina S, um pouquinho de sujeira, um pouquinho de cachorro, um pouquinho de Bob’s, um pouquinho de sushi, um pouquinho de sal funciona na minha vida.

Luciano          Melhor morrer de alegria do que morrer de tédio, não é?

Alexandre      Exatamente. A partir disso eu percebi esse momento.

Luciano          Esse componente de criar a importância disso.

Alexandre      A alegria cura e isso serve em qualquer situação, então brigamos, estamos muito mal, estamos muito… está péssima a situação do teu ambiente de trabalho, provoca…

Luciano          Alegria.

Alexandre      … vai para a alegria, promove um futebol no meio do corredor do seu escritório, por quinze minutos vocês trazem um outro modelo, um outro foco de momento que te traz inclusive a solução dos teus problemas, aquilo que não está surgindo, como vou resolver isso?

Luciano          Sim, você tem que desviar o…

Alexandre      … “vambora”…

Luciano          … esquece, desvia o pensamento escuta uma música, boa um jazz, bota um samba, põe um axé…

Alexandre      … tira o sapato…

Luciano          … traz comida de fora, faz o diabo.

Alexandre      … quebra o protocolo, pelo amor de Deus, quebre o protocolo, porque se não você não sobrevive nem no mundo corporativo, nem na tua saúde, nem no teu dia a dia, porque não tem jeito, a vida está ruim mesmo, mas se eu não fizer ela melhor hoje, o que vai ser da gente?

Luciano          Mas vamos lá, meu amigo, surge outro rim, surge outro fígado.

Alexandre      Aí bom, no meio disso eu tenho um coma entre… aí um coma que eles acham coma de verdade, não eu tive os comas encefálicos que você fica Alzheimer mas são situações momentâneas que alguém interfere, entra com remédio, em duas, três, em 24 horas você tem de novo a consciência, mas aí no meio disso, no natal, entre 26 e 30 de dezembro de 2010 para 2011, eu tive um coma de verdade, um coma e saí, corria para o Einstein, me leva para o Einstein que eu estou morrendo, aí essa hora eu achei que estava morrendo e comecei a ver que todo mundo achava que eu estava mesmo morrendo, foi um dia muito esquisito e corre corre, eu precisava chegar no Einstein, me bota no Einstein e eu consegui chegar na porta do Einstein, só que quando eu cheguei na porta do Einstein, acho que o próprio corpo entendendo que …

Luciano          Chegou lá.

Alexandre      … que até ali eu tive resistência e ali desligou quando a mulher me perguntou, na porta do Einstein, primeira entrevista, quais os remédios os senhor está tomando, o que o senhor tem, como é seu nome, qual é seu plano e foram perguntas demais para aquele meu cérebro perturbado e nesse momento eu apaguei, perdi as funções, só que o cérebro continuou ouvindo, raciocinando, o corpo continuou sentindo, mas eu raciocinava morto, porque todo mundo dizia que eu estava morrendo, inclusive essa enfermeira, porque foi um corre corre danado, corre ele está morrendo e as últimas coisas que eu ouvi antes de perder os sentidos era: ele está morrendo. Quando eu voltei a ter algum sentido depois disso, eu entendia morto, raciocinava como morto, então eu estava deitado numa maca, amarrado nessa maca com os braços e com os pés, entubado nos braços, entubado na carótida, entubado na boca, entubado no nariz, entubado, amarrado e de olho fechado. Eu estava morto, entendi morto. E passei três dias morto, esperando, eu achava quando tinha os lapsos de consciência, eu achava, então agora estão me preparando para o enterro, para o necrotério, ai calculei, digo puxa, mas eu fiz uma lavagem estomacal, me lembrava que tinha tido uma lavagem estomacal, mas não me deram banho, puta que merda, eu vou ser enterrado, não basta morrer, eu vou ser enterrado com a bunda suja, cara? Aí valores e pensamentos de morto, o que eu não falei para os meus filhos, não ter tomado banho e ser enterrado sujo, na minha concepção sujeira e sabia que eles não tinham diagnóstico, eu escutava o que acontecia à minha volta, ainda que morto, eu escutava os médicos conversando: o que que tem? O que ele não tem? Não, não temos diagnóstico, ele está em coma profundo, não temos diagnóstico, se não tem diagnóstico, vai chegar a hora que talvez pensando que eu estava morto, vai haver uma necropsia e uma necropsia é uma makita, o cara te abre na makita eu sentia cheiro, eu sentia cor, eu sentia odor, eu sentia tato, meu, vai doer, isso vai doer, então das preocupações era: eu não  queria rosa sobre o meu nariz no caixão, eu não queria a necropsia porque achava que ia doer muito porque tudo que eles me faziam, procedimentos que eles faziam doíam muito, eu não tinha falado de amor para os meus filhos o suficiente, achava que era preciso voltar para falar de amor e esses são valores sim importantes quando você vai morrer, o que eu não falei? O que eu não deixei de legado para os meus filhos? O que eu não deixei para os meus filhos não foi bens, o que eu não tinha deixado para os meus filhos era falar de amor, eu precisava voltar para falar de amor e esses também foram momentos de decisão lá morto, que me fizeram crer que eu não podia morrer naquele momento, porque ia doer, iam botar rosa e iam…

Luciano          E estava faltando coisa.

Alexandre      … e eu precisava falar com meus filhos de amor,  então comecei a trabalhar isso dentro da morte, como é que eu vou me livrar disso? Entre outras ocasiões eu percebi que eu mandava sinais, eu chacoalhei o pé, a única coisa que me sobrava, um pé que eu pude mexer com ele na presença de médicos e visitantes, meu filho, cara, aí começou uma luta muito doida, porque os médicos tem uma leitura de cada reação diferente da tua, então quando eu chacoalhei o pé, o médico entendeu que eu estava tendo espasmos medulares, eu estava tentando comunicação e ele estava dizendo que eu estava morrendo, porque à medida que os espasmos começam a aparecer, então é a hora de chamar o padre, extrema unção, está na hora de…cara, uma agonia muito louca, porque eu comecei a tentar comunicação e não conseguia resultado de comunicação, que eles diziam era que eu estava, agora ele está morrendo, agora ele está morrendo, muito louco ficar morto pensando, morto e raciocinar morto, isso é completamente alucinante, é alguma coisa incompreensível para vocês porque você não sentou ainda morto para descobrir que você  estava morto,  os caras fizeram procedimentos, e hoje eu sei, eu doou palestras hoje, eu estou trabalhando até com uma equipe multidisciplinar de captadores de órgão, que é muito lindo poder hoje estar trabalhando, fazer parte de uma equipe que capta órgãos e eles então hoje já entendi que o que eles faziam comigo quando eu sentia dor, eram procedimentos de busca da morte encefálica, porque só pode ser doador quando você tem morte encefálica, e aí eles fazem testes que são apertar a sua unha, apertar seu peito, o bico do peito e a  sola do pé, eles batiam na sola do pé para doer, apertavam muito as unhas, tudo doía, tudo aí eu mandei sinais chorando e aí eles diziam, espasmo muscular, foi uma loucura para eu convencer essa gente de que eu estava lá vivo e para eu descobrir que estava vivo, no terceiro dia meu filho perguntou a um médico ao meu lado, numa visita de manhã, ele chegou junto do médico e disse bom doutor, e quando é que desliga as máquinas? Quando é que o papai vai dar como morto de verdade? E aí esse cara, doutor Guilherme Felgo olhou para o meu filho e falou não, não desliga as máquinas, porque nós fizemos todos os testes de morte encefálica e teu pai respira, o coração bate e ele está vivo, foi a primeira vez que eu ouvi dizer, em três dias, que eu estava vivo, aquele foi o momento decisivo de: então eu estou vivo. Nossa, que loucura, eu estou vivo, o que eu estou fazendo aqui de olho fechado? O que eu estou fazendo aqui deitado? Eu preciso falar com essa gente. Esse período foi longo, deve ter tido umas doze horas entre tentar acordar e acordar, teve um momento que eu desfaleci e aí eu perco de novo totalmente a consciência e pela primeira vez eu migrei para o estado morto de fato fisicamente…

Luciano          Você foi para o outro lado.

Alexandre      …  fui para o outro lado, não tinha peso, não tinha… aí não tinha tato, não tinha peso, não tinha odor, não tinha audição, saiu, saiu, eu não vi esse, eu não assisti como algumas pessoas relatam de ver o corpo, mas levitou o corpo, acabou o peso, acabou gravidade, acabou cor, luz, eu fui para uma negritude total, o negro do mais negro…

Luciano          O nada.

Alexandre      … é, para mim é o buraco negro, aquele buraco negro, fui para o nada, fui para o nada, nada…

Luciano          Não viu o túnel, não viu…

Alexandre      … nada, não não teve filme, não vi branco, até brinco porque sempre me falaram que na hora da morte você vai encontrar seus amigos, fiquei esperando encontrar o Vinícius de Morais, uma violinha, uma coisa nesse sentido, meus pais, meus amigos…

Luciano      Talvez você tenha ido para o lugar errado.

Alexandre   … é… eu sei que eu migrei para um…

Luciano      Quer encontrar todo mundo lá em cima, o caras estão tudo lá embaixo…

Alexandre   … é verdade…

Luciano      … ou me mandaram lá para baixo, os caras estão lá em cima.

Alexandre   … eu migrei para a negritude e nessa negritude tive um diálogo, quando eu encontrei a morte e que eu entendi, agora isso, porque agora já sabia que eu estava vivo, já tinha escutado falar que eu estava vivo, mas agora eu senti, pela primeira vez, morte. Agora não era eu penso que estou morto, agora eu migrei para a morte, fisicamente e nesse momento eu troquei uma conversa com a escuridão, com o infinito, com a finitude, com a morte e bati um papo mesmo, troquei como quem fala pessoalmente com um amigo, conversei com o dito sei lá, com Deus, com alguma coisa.

Luciano      Alguém religioso vai dizer que falou com Deus.

Alexandre   É, se tivesse que ser eu falei com Deus, eu falei com Deus ou falei com o diabo…

Luciano      Quando você fala diálogo, alguém te respondeu?

Alexandre   Não…

Luciano      Você falou e houve uma resposta?

Alexandre   … eu conversei comigo…

Luciano      Você falava e você respondia.

Alexandre   … e eu falei com… não não respondi, eu disse a ele, olha, é longo, se você é a morte, não “tô” curtindo, é longo, chato, muito demorado, feia, não curti. Se você é a morte, eu gostaria de voltar, que não seja essa e que a próxima seja mais rápida, mas não “tô” a fim, eu quero voltar, eu quero voltar. Não sei quanto tempo isso durou, porque esse é um infinito também sem tempo, é a primeira vez que eu não tenho relação nenhuma de espaço de tempo e o fato é que eu começo a recobrar de novo os sentidos, a percepção de onde estou, então imediatamente abro os olhos, forço e abro os olhos e descubro que eu estou vivo de novo, de fato e que está tudo ali e ai passo tempo para interagir com o corpo hospitalar, isso não sei que tempo tem, mas essa é a sequência, pouco após o verdadeiro sentimento de morri apagou, eu trouxe de volta numa conversa que tive com essa infinitude que é o que eu acho, eu falei comigo, eu conversei comigo, então se, de novo, se é religioso, se é para interpretar, se é para achar que é Deus e que eu quero acreditar que sim, se tem o tal Deus que a gente não sabe  onde está, está dentro da gente e eu consegui acessar esse Deus na minha infinitude, na minha solidão.

Luciano          Incorporou o produtor e falou vou resolver essa merda aqui

Alexandre      Conversei comigo, incorporou o produtor, vou resolver essa merda, vamos resolver essa parada, é o seguinte, não tô curtindo essa, vamos voltar, tem que voltar agora, acabou! Chega! Não curti morrer, não tô a fim, não curti morrer, volta e comecei a recobrar os sentidos e comecei a imediatamente a trabalhar acordado, abrir o olho e “pum”, abri o olho mesmo e aí percebi, estou numa cama, estou amarrado, estou…  e aí começaram a chegar os médicos e aí eu ia, muito engraçado, porque eu tive que provar que estava vivo, eles, todos os médicos e enfermeiros têm uma caneta no bolso e do meu ponto de vista, deitado, o que eu consegui enxergar era o rosto deles e a caneta e uma vez amarrado e sem… todo entubado, sem ter como falar, sem ter como nada, eu comecei a tentar uma ação visual que era a única coisa que me sobrava, olhava a caneta e olhava a minha mão, olhava a caneta, olhava minha mão, olhava a caneta e olhava minha mão, conclusão…

Luciano          Alguém entendeu…

Alexandre      … espasmo muscular, o cara está morrendo, aí eu passei três horas tentando provar para os médicos, tentando me comunicar para que eles dessem atenção que aquilo, ih, está virando os olhinhos agora, está morrendo, então foi muito louco, porque era o quê? Protocolo, procedimento que os caras leram, eles esqueceram de olhar para a humanidade, talvez tenha ali um cara tentando se comunicar, o que eles entendem é que não é aquilo, na leitura dele é o famoso espasmo medular, veio uma pessoa da colheita de sangue que não é médica, que não é enfermeira, não é técnica, a última pessoa que veio para colher um exame em mim e essa mulher, como ela não entende nada, ela começou a achar que ela estava, que eu estava falando com ela, porque ela veio tentar tirar o exame, eu tinha tudo… era sangue pisado já as minhas veias, e eu tinha sete por um, eles tentavam sete, sete vezes pela minha veia para acertar uma, então era tudo já carne viva, doendo, eu tentei comunicar a ela que ela não viesse no braço, que ela fosse para o pé, que o  pé é o último recurso e é onde dói mais, vai para o pé e eu conduzi com o olhar ela para o pé e ela começou a achar que eu estava falando com ela e aí eu olhava para a caneta, vi que essa mulher percebeu, interagiu comigo, voltei à caneta e a mão, a caneta e a mão, a caneta e a mão e ela cutucou uma vizinha e falou olha, eu acho que esse moço está falando comigo, ele quer a minha caneta. A outra ah não menina, não é nada disso. É. O senhor quer a caneta? Eu daqui tentava uma comunicação, ela me emprestou uma caneta, botou a caneta na minha mão, botou um papel, papel  dela que estava lá do laboratório e eu pude dizer então, depois de três horas…

Luciano          Você escreveu?

Alexandre      … escrevi todo tremido dizendo assim: estou vivo porra. Enorme, PORRAAAAA, porque eram três horas tentando convencer o corpo de médicos que tinha vivo um ser humano.

Luciano          Isso não é cinema?

Alexandre      É. É.

Luciano          Isso não é cinema?

Alexandre      É lindo, é maravilhoso, foi sofrido, foi tudo, mas a gente ultrapassa, eu consegui ultrapassar, eu virei uma coisa, uma pessoa resiliente ao extremo, dor é pouco.

Luciano          Alexandre, quanto disso é sorte?

Alexandre      Ah, aí não sei se é sorte, aí temos que nos render a algo maior que não pode ser sorte, não pode ser sorte, tem que ter alguma outra coisa, por alguma razão eu fiquei, cara, cem milhões de pessoas estão infectadas no mundo, três milhões de brasileiros estão infectados e não sabem, vinte pessoas no Einstein morrem por mês à espera de um órgão que não conseguem vencer, eu dou palestra hoje para cinquenta pessoas sabendo que 20% vão morrer, então eu falo com cinquenta pessoas todos os meses sabendo que eu estou olhando para dez óbitos, tem um fator, então tá, é sorte? Eu realmente acho que tem algo ainda maior do que uma sorte eu não sei em qual religião está isso, mas existe um Deus, existe uma religiosidade, existe uma expectativa maior para mim, realmente eu acredito piamente que eu tenho todos os atributos necessários para ser o escolhido, eu tenho ginga, eu tenho resiliência, eu tenho inteligência, eu tenho jornalismo, eu tenho publicidade, eu tenho comunicação, eu posso fazer, eu tenho boa vontade, eu sou hoje um produto disso tudo que posso levar isso e melhorar a vida de um monte de gente…

Luciano          Você só tem uma coisa que você não tem, o não.

Alexandre      … ah o não, não quero ter nunca, nunca tive…

Luciano          Talvez seja ele que era uma pista, não tem não.

Alexandre      … é uma coisa eu não morro, eu não vou morrer, eu não morro nunca mais, já disse isso para os caras, já disse isso para mim.

Luciano          E daí você volta e dali para a frente muda.

Alexandre      Aí eu volto e dali para a frente ainda mais um ano, eu consegui sobreviver e aí surgiu depois mais uma vez um sábado de manhã, toca o telefone, no dia que eu tinha me preparado, eu já estava um pouco cansado, aí eu já estava bem cansado, numa manhã de sábado eu resolvi que eu ia, eu estava em casa e resolvi que eu ia comer um franguinho de geladeira, que também era proibido, aquele franguinho da geladeira de cachorro, aquele franguinho tradicional, que eu não podia comer, já estava a essa altura três anos sem comer nada desse tipo de coisa. Amanheci no sábado dizendo olha meu filho, meu sonho de consumo é ir comer um franguinho daquele, vou comer um franguinho, vamos comer um franguinho, aí num esforço fenomenal me levantei da cama, me preparei, auto estima, pô eu estou legal, me vesti, tomei um banho legal, celebrar, quase a roupa de domingo para ir comer um franguinho de… muito bem, tocou o telefone, eu estava vestindo o tênis, esse tênis aliás me acompanhou, o All Star branco me acompanhou durante os quatro anos, foi ele que me levou e me trouxe sempre, estava vestindo o tênis e percebi que tocou o telefone e eu sabia que aquele telefonema era o órgão, eu pedi ao meu filho, por favor filho, não atenda o telefone porque é o Einstein, se eu atender agora não vou poder comer o franguinho, vamos primeiro comer o franguinho, depois eles me acham, porque a informação é imediata, oi bom dia, como vai o senhor, tudo bem, acabou de chegar seu órgão, pelo amor de Deus fica em jejum a partir de agora, o senhor fica em jejum e corre para cá que são quatro horas e eu ainda estava em casa, então precisava de mais uma hora e meia mais ou menos para eu ir atrás do meu franguinho, pedi muito, filho não atende, eu tinha certeza que era, então eu estava trocando meu fígado por um frango, mas meu filho não me obedeceu, atendeu e eu fiquei sem o frango e me carregaram para o Einstein correndo e quando cheguei no Einstein tinha lá um fígado e um rim, agora de uma menina e eu recebi, fui contemplado, consegui, deu certo, quando acordei tinha certeza que tinha dado certo.

Luciano          Outras 18 horas.

Alexandre      É, agora já estão melhores porque começou tudo isso em 2008, eles faziam em dezoito horas, agora em 2012, 2011 eles já tinham a expertise muito melhor e já estavam fazendo isso em onze, dez horas, última frase do meu médico, o mesmo cara me operou todas as vezes, a última frase dele nesse dia, como eu tinha os 35 quilos e… não, desculpa, eu tinha nesse dia 43 quilos e precisava 46 para entrar numa cirurgia como essa, eles sabiam disso, então a gente teve uma reunião, de novo nu, de  novo raspado, pronto, na sala de cirurgia com aqueles velhos caras que já me viram várias vezes, já sabia nome de cada um, já escolhia a música para fazer a cirurgia com música, naquele dia tinha forró e a intimidade era tanta que eles mostraram para mim os órgãos, eu pude ver os órgãos novos antes de tomar anestesia geral, eles estavam limpando os órgãos, era uma bacia prateada linda, quero ter uma dessa, maravilhoso o negócio que aí a gente interagiu, conversou, conversou, conversou e o cirurgião principal na hora da anestesia geral ele disse, Alexandre, precisamos conversar seriamente. Ok, o que é? Provavelmente, com 43 quilos você não vai resistir à anestesia, muito menos às 11 horas, 12 horas de cirurgia e ainda que você conseguisse, o pós operatório não dá para você acordar e resistir, não dá, provavelmente, as estatísticas dizem que não vai dar, mas essa é a nossa única chance.

Luciano          Caiu na besteira de falar não para você.

Alexandre      É, aí eu olhei para ele e ele aí me perguntou: então, vamos nessa? Aí eu olhei para ele e digo cara, abre essa porra e me encontra lá fora daqui a dois dias. Pode abrir essa porra e me encontra lá fora daqui a dois dias, abre ai meu irmão, “vambora” e rimos, ele achou graça naquilo: só você mesmo. É, sou eu e você, agora é comigo e com você, faz a tua parte que eu te encontro lá fora daqui a três dias. Dito e feito, três dias depois ele estava me acordando e a primeira ação e reação dele foi brincar de bater no meu fígado, falou vou te der um murro no fígado, e fez o gesto, porque você é muito resiliente, não sei como que você está aqui e agora tem um período que é com você de novo para você se manter vivo…

Luciano          Mas para você, você comentou, estava claro que dessa vez tinha dado certo.

Alexandre      Estava claro, quando eu amanheci eu disse, de novo, agora eu disse a ele, um ano e meio depois, disse a ele: Rogério, deu certo. Tudo acabou, agora acabou. Eu tinha certeza disso. Ele falou porra, você ainda tem um período agora, agora é um período crítico para você, não, não é mais crítico, está tudo certo, agora deixa comigo e agora, de novo, voltou para mim a bola, você fez a sua parte, agora é comigo, deixa comigo. Sete dias depois eu saí andando do Einstein, rastejando, não é bem andando. E fui para a casa, esse período tinha acontecido no meio. Quando eu entrei em coma, a mulher que vivia comigo, os filhos que viviam comigo, os vinte e cinco anos de casamento, eles acreditaram na morte, então como eu tinha preparado para a minha morte, chegou-se à conclusão que era melhor eles se transferirem para Porto Alegre onde a minha mulher tinha família e as crianças teriam primos, amigos e familiares, ao contrário do sítio onde eu morava, então quando eu entrei em coma, essa mulher desistiu e ela não veio para o coma comigo, quando eu te digo que quando as pessoas desistem é mais difícil esperar as pessoas do que esperar um transplante, eu estou te falando de vida prática, é muito mais difícil esperar os outros.

Luciano          É por isso que eu fiz questão de te perguntar no começo, quem é que está contigo nessa jogada? Mas espera aí, sai desse baixo astral aí porque eu sei que em algum momento…. nada disso vem por acaso, essa mulher desiste, não dá nem para criticar…

Alexandre      Não, pelo amor de Deus, ela desistiu, como eu disse, a humanidade está doente, essa pessoa e uma família que está em volta de um doente terminal, está doente, senhores médicos, senhores assistentes sociais, cuidem da família e essa gente morreu antes de mim, eu só estava doente fisicamente, essa gente morreu muito antes de mim, eu morro de pena, que pena, que pena…

Luciano          O que eu causei, o que a minha situação causou para esse grupo.

Alexandre      … essa gente adoeceu, essa gente está doente até hoje, você imagina o quanto que essa gente deve estar sofrendo até hoje porque desistiu e eu sobrevivi e vivi e ok, então depois desse período que então quando eu amanheço, quando eu reacordo três dias depois, me perguntaram: e agora, você quer que ela venha, que eles venham? Não, cuidem deles por favor, alguém cuide dessa gente, manda essa gente para um… manda minha mulher, manda minha família para algum lugar onde eles possam ser tratados, porque eu agora não posso tratar deles, eu preciso sobreviver sozinho, quem tem comigo? Eu. E eu precisava de mim e não dava para eu cuidar dessa família, morro de pena, mas então não era meu tempo mais e a partir disso eu me enfrentei, me resolvi, fim de conversa. Em 2011 eu termino esse tratamento e fico à espera então, um ano eu descansei das trocas, das cirurgias, mas eu ainda tinha hepatite C que continuava comendo o fígado novo e o rim novo, porque hepatite C não saiu, estava no sangue e aí feitos os cinco anos, eu descansei um ano das cirurgias e entrei num tratamento de quimioterapia fatal e final e de 2013 a 2014 eu tomei um ano de quimioterapia, sozinho, mas aí aprendi de novo a ser resiliente, a fazer o próprio tratamento, eu mesmo me aplicava, eu mesmo tomava no início setenta e três tipos de bola, hoje eu só tomo doze, sou feliz, muito feliz com a ciência, com a química, cinco anos depois eles encontraram a cura e eu tomei os remédios da cura e eu curei a hepatite C.

Luciano          Você conseguiu se manter…

Alexandre      Vivo.

Luciano          … até descobrirem o remédio.

Alexandre      A ciência e os laboratórios descobrirem o remédio e eu pude fazer uso e estou curado e curou. Em 2014, dezembro de 2014 eu me dou por curado, os médicos me dão por curado e em outubro de 14 surgiu uma suspeita de rejeição, então eles me ligaram e disseram, você provavelmente está rejeitando e nós vamos ter que te botar numa fila para o quarto transplante, no fim do tratamento, foi um susto danado e aí eu tinha um grupo de ajuda a essa altura, porque não tinha informação, então eu tinha criado um grupo na internet de troca de informações e que eu era o administrador desse grupo, isso me distraía e ao mesmo tempo me fazia ajudar os outros, ensinar os outros como ser resiliente, que alegria cura, que milk shake de vez em quando vai bem, enfim, eu tinha ali um grupo com quatro mil pessoas, dos quais eu ajudava e entre eles tinha uma moça lá no Paraná, eu não conheço ninguém, são quatro mil e oitocentas pessoas que eu não conhecia, as de São Paulo, três ou quatro eu encontrava às vezes no Einstein e a ideia era essa. Como todo mundo fica muito sozinho e fica muito à míngua, um ajuda o outro, alguns procedimentos você é obrigado a ter alguém ao seu lado, alguém tem que ir lá, biópsia, você não pode fazer uma biópsia se não tiver um responsável, no fim do meu tratamento, ao longo de um ano e meio, eu não tinha ninguém ao meu lado, quem que vai poder ser o meu responsável? Então o grupo se ajudava e uns vinham, os próprios transplantados, um vinha e ajudava o outro, companhia…

Luciano          Esse grupo existe ainda?

Alexandre      Existe. E aí no meio disso tinha uma mulher que se comunicou comigo durante uns dois anos, que ela tinha uma situação de um marido que eu não conheci pessoalmente, mas os dois falavam comigo e a gente passou a ser espelho um do outro, ela entrava, consultava, dizia puxa, está acontecendo isso com meu marido, que estava lá, mesma coisa, encefalopatia, meu marido está tendo encefalopatia, o que é isso? Aí eu trocava com essa pessoa a tal e ficamos assim durante dois anos sem eu nunca ter trocado nenhum tipo de mensagem pessoal, a não ser um atendimento de ajuda do que eu conhecia, eu conhecia na prática, a minha ajuda conceitual funcionava. Essa mulher sumiu durante um ano, isso foi ao longo dos quatro anos de tratamento… dos seis anos de tratamento e de repente ela sumiu, nunca mais eu vi, como muitos outros que sumiram porque faleceram, outros sumiram porque não aguentaram, enfim, assim é a relação. No dia que eu fui dado como rejeitando de novo, lá em outubro, no finalzinho do meu tratamento quando tudo parecia que tinha acabado, veio a notícia de que eu estaria numa rejeição e uma das pessoas do grupo falou porra, o nosso principal articulador, o Alexandre Barroso tal e jogou isso no grupo, Alexandre Barroso está precisando de uma ajuda e tal, de uma companhia de alguém porque parece que ele está indo para uma biópsia de rejeição e vai ter que ir para uma outra cirurgia e tal e por alguma coincidência e aí as coincidências inexplicáveis, essa pessoa estava no Rio de Janeiro, ela era do Paraná, ela estava no Rio de Janeiro, no Corcovado, embaixo de Cristo e viu essa mensagem no grupo e entrou no grupo e começou a falar comigo, digitou para mim, falou olha, pô, não acredito que você tal, sou eu a fulana e tal, é do Canuto, essa pessoa se comunicou comigo e falou olha, estava sumida e tal, mas você está precisando de alguma coisa, posso te ajudar? Eu estou no Rio, posso te ajudar? E cadê sua família? Não tem família. Quem vai com você no Einstein? Não vai comigo no Einstein, não tem quem vai comigo no Einstein, eu vou para o Einstein. E aí na função do grupo mesmo ela falou não, estou pegando um ônibus e vou para aí te ajudar e vou com você, posso ir com você? Vem, ok, vem. E veio um membro do grupo que poderia me ajudar e quando chegou era uma mulher maravilhosa, pirei quando eu vi a mulher, Marcela, mulher deste cara que tinha falecido, então ela tinha sumido já há dois anos porque o marido dela não resistiu aos transplantes, teve complicações pós transplante, faleceu, ela ficou um ano longe do mundo e aí ela vem para me ajudar e quando ela desceu, quando ela entrou no ambiente comigo eu entendi que aquela era a pessoa, não sei porque razão, assim como eu tinha certeza que o órgão e o último transplante deu certo, eu tive certeza que aquela era a mulher que viria a ser a minha mulher, eu não sei porque, mas eu olhei, eu reconheci, lembra que eu tive saudade de alguém que eu não conhecia? Eu reconheci aquela pessoa e de novo estamos falando um pouco beirando falar de religião, ou as coincidências, ou Deus, ou eu estava diante de um anjo, ou alguma coisa promoveu para que houvesse esse encontro e eu reconheci essa pessoa como sendo a mulher, a minha mulher, essa mulher é a minha mulher se tivéssemos…

Luciano          E ela te reconheceu também?

Alexandre      … que falar em reconhecimento de outras vidas…

Luciano          Você já perguntou para ela sobre isso?

Alexandre      Claro, porque ela entrou, parou, olhou para mim e falou é você, é você, eu te conheço e a gente se sabe, nunca mais essa mulher foi embora, nunca mais, ela entrou…

Luciano          Como é que você explica isso?

Alexandre      … ah…

Luciano          Vamos perguntar para ela?

Alexandre      É, acho que a gente pode perguntar para ela, mas essa mulher entrou em casa, nunca mais ela saiu, é a  Marcela, minha mulher, a mulher da minha vida, eu acho que são das coincidências, enfim, a gente se reconheceu, ela jura que me reconheceu também e eu acho que ela tem que vir aqui sim, claro, por favor.

Luciano          Tenho diante de mim aqui Alexandre e Marcela e o Alexandre contou para mim uma história agora que pinta não sei de onde alguém que conversou com ele há um tempo atrás… estou no Rio de Janeiro, vou aí, a hora que ele viu você ele falou: é essa mulher. Minha pergunta ela achou isso também? Ele falou acho que achou, vou perguntar para ela. E aí? Da onde você aparece? Como é que se explica isso?

Marcela          Bem, eu acredito muito nas ligações de almas, então tenho certeza que foi um encontro de almas mesmo, a gente tinha que se encontrar e chegou o momento e foi exatamente nesse momento que ele precisava de alguém e eu achei que nesse impulso eu estaria indo ajudar o Alexandre, mas a verdade ele que estava me ajudando, ele que me resgatou.

Luciano          Vem cá, você tinha acabado de sair de uma baita encrenca com o marido que teve também um período de hospital, passou aquele perrengue todo…

Marcela          Eu também estava morta.

Luciano          … então, seu marido tinha morrido e aí você encontra um sujeito que estava saindo na mesma condição e no momento em que ele diz cara, parece que não  deu certo…

Marcela          Sim, exatamente, nesse momento.

Luciano          … e você ia entrar nessa outra vez? Da onde vem isso? Como é que faz?

Marcela          Foi uma força tão linda e tão grande que encheu meu coração de vida assim sabe? Porque eu estava realmente já desanimada de tudo e não foi fácil passar tudo o que eu passei com o meu marido, ele era um homem maravilhoso e o Alê era o retorno de tudo isso sabe? Porque tudo que deu errado para ele deu certo para o Alê, então foi uma coisa assim que para mim é como se Deus tivesse me dando, tivesse falando comigo: olha aí, não é nada disso, não existe certo e errado, existe momento certo de cada um realmente passar pelo que tem que passar nessa vida e seguir ou não para uma outra dimensão.

Luciano          Você parou para pensar algum momento assim do tipo, vou entrar noutra roubada como aquela que eu passei e você tem que fazer uma escolha, vou entrar noutra roubada, mas eu vou pagar para ver. Você teve um momento de parar e pensar: é muito melhor eu não entrar nessa para não ter que passar por tudo aquilo de novo, você parou para pensar nisso?

Marcela          Não, não parei para pensar, não precisei pensar porque eu tinha certeza que era isso que eu tinha que fazer, mas as pessoas à minha volta, que me amam, elas tentaram me alertar disso e aí gerou algum tipo de stress porque eu fui realmente definitiva: não, eu quero ficar com ele, eu estou com ele, na hora que a gente se encontrou, né Alê? Parecia que a gente já estava junto há muito tempo, não teve…

Alexandre      Não teve a mulher da minha vida, não é isso.

Luciano          O rim não era dela não?

Marcela          Só pode ter sido alguém lá de cima.

Alexandre      Muito estranho, porque não estamos falando mesmo de religião, hoje talvez eu possa acreditar nesse tipo de coisa, mas eu reencontrei a Marcela…

Marcela          É espiritualidade.

Alexandre      … eu reencontrei, eu olhei para a Marcela, não é que eu achava que era minha mulher, eu reencontrei a minha mulher, alguém com quem eu nunca tinha estado, mas eu tinha absoluta certeza que eu estava encontrando de fato a primeira vez que eu encontrava a minha mulher, então independente do câncer, a gente não pensou nisso, apenas quando eu olhei Marcela, na chegada mesmo dela, antes de tudo, embasbacado,  esta é a minha Marcela, não houve dúvida, a gente se abraçou, a gente se beijou como… nunca tínhamos nos visto, a gente apenas se beijou e se deu a mão e saímos igual um casal deste exato momento em diante e nunca mais ela saiu do meu lado, nunca mais.

Marcela          Eu já tinha o Alexandre como algo próximo, porque eu já acompanhava a luta dele, as vitórias dele, por esse grupo ele já me ajudava com alguns conselhos, apesar de ele não assim, como ele falava comigo, ele falava com, sei lá, cem pessoas no dia, então não dava tempo de ele saber quem era quem, mas para mim não, ele era único, então para mim acho que tenha sido muito mais fácil.

Alexandre      Você me reconheceu até mais fácil para ela ter me reconhecido…

Marcela          Aceitar isso como uma verdade assim até para explicar para as pessoas, mas realmente foi lindo.

Alexandre      Eu trocava com ela… há um… como é que é o nome? Há um trisal, há um casamento aqui de triângulo, porque o marido dela, o Canuto, via em mim a esperança que ele precisava para continuar vivo lá dentro da sina dele, do hospital dele e eles dois trocaram, eles eram meus amigos, virtual.

Marcela          Eu mostrava todo dia para o Canuto assim, a evolução do Alexandre pelo Facebook, pelas postagens que ele fazia no grupo, ele nadando, ele fazendo rapel, ele correndo, então a gente falava olha, você vai conseguir também, falava para ele, porque você está vendo, ele passou por tudo isso muito pior do que você e está conseguindo e ele falava: que bacana, ele é meio maluquinho, exagerado, que ele era muito o oposto assim, era mais tinha a história do um grama de sal, só podia comer um grama de sal, na refeição que o hospital trazia e ele comia meia grama, já o Alê levava sal no bolso…

Luciano          Enfiava sal no bolso.

Marcela          … então a gente ria um pouco dessas relações….

Alexandre      A minha certeza de que essas atitudes, a minha certeza de que a alegria e que é a certeza, eu tenho exemplos das pessoas que foram absolutamente crédulas de que tem que seguir o protocolo, 80% das pessoas que fizeram o contato comigo e que eu acompanhei durante o processo de recuperação e que seguiram o protocolo catedraticamente, faleceram. Estão mortas.

Luciano          Então, deixa eu botar uma… para não ficar parecendo que nos estamos aqui pregando

(grande confusão)

Tem uns malucos que escutam e falam não acredito em nada, vamos botar as coisas no eixo aqui, espera um pouquinho.

Alexandre      O milk shake de cada um é a alegria que cada um encontra, está dentro da alma, está dentro do teu espírito, está dentro do querer, então é isso, não é o milk shake, não é o sal, mas é a atitude de querer continuar…

Marcela          O Alê sempre brinca que o meu milk shake é uma salada de cenoura.

Alexandre      Marcela é naturalista, totalmente oposto do que eu fui, até me ensinou, me trouxe o revés dessa moeda, eu hoje não como duas gramas de sal, eu hoje não tomo o milk sheik de Ovomaltine, nem sou clinicamente perfeito…

Luciano          É, mas você trocou pela Marcela, saiu no lucro.

Alexandre      … é uma troca muito melhor.

Luciano          Deixa eu falar uma coisa aqui importante que acho que é legal a gente lembrar aqui, esse protocolo não está lá por acaso, protocolo não existe porque alguém inventou que tem que ser assim, o protocolo é… ele é a consequência de anos de estudo, de observação, então olha, a gente consegue tirar uma média e na média bota-se um protocolo se não vira uma zona aquilo lá, não é?

Alexandre      Ok, concordo plenamente.

Luciano          Então eu acho que é importante a gente entender que quem está criando protocolo não é um cara que faz porque quer, é um cara que chegou a essa conclusão cientificamente, mas você estando ali dentro do trilho, aqueles momentos que você fala o que é a felicidade que eu ganho agora com um pouquinho a mais de sal…

Alexandre      Autoestima.

Luciano          … me faz me preparar psicologicamente melhor do que deixar…

Alexandre      Eu não estou falando de sal, eu estou falando de humanidade, eu estou falando de você abandonado, recorrer à transgressão até para encontrar razão de viver e que em muitas ocasiões o próprio protocolo e isso está mudando com as próprias palestras que eu estou fazendo dentro das faculdade, dentro dos médicos e dos enfermeiros, para fazer ver um pouco mais além do protocolo…

Luciano          Da humanidade, sim, é humanidade.

Alexandre      … há necessidade de humanização já, isso não é nem só nos hospitais, mas nos hospitais fundamentalmente, mas cara, você é empresário, há necessidade de você humanizar mais já, é preciso quebrar o protocolo, tirar o seu sapato, tocar um violão e voltar a trabalhar…

Luciano          Rir um pouco mais e…

Alexandre      … pelo amor de Deus, então é claro que eu não estou dizendo aqui: vamos transgredir, eu estou falando vamos olhar para a vida dentro da gente, é preciso querer viver, a minha experiência me trouxe a certeza de três razões de ter sobrevivido: querer, amar e ser feliz, esse tríade funciona, eu quis muito viver, eu quis muito viver, eu amo viver, eu amo a família, eu amo as pessoas, eu amo a vida e por consequência eu sou feliz pra cacete, então é esse o segredo e agora  milk shake ou protocolo não é disso que nós estamos falando, estamos falando médicos, pelo amor de Deus, me deixem em casa  um minutinho, quem sabe eu volto melhor?

Luciano          Meu cachorro talvez me dê a…

Alexandre      Quem sabe eu volto melhor, o pelo do meu cachorro, é claro que não é para ser, eu não estou dizendo faça o errado, não é para fazer errado, está tudo certo, mas é preciso falar um pouco mais de gente, gente é para ser feliz, não para morrer de fome.

Luciano          Vocês estão juntos há quanto tempo?  Dois anos?

Marcela          Dois anos e um pouquinho mais.

Luciano          Que idade você está?

Alexandre      58 agora

Luciano          Quer dizer você encontrou com 56, ela?

Marcela          Eu fiz 51 em dezembro.

Luciano          Você fez 51, então você tinha 49 e ele com 56. Não são dois garotos de 30 anos, são duas pessoas maduras que já estão numa fase que já estão lá na frente. Quantos filhos você tem?

Alexandre      Cinco filhos, duas filhas dela, casadas…

Marcela          Duas filhas e uma neta.

Luciano          Então esses dois se encontram lá na frente, quase 50 anos e saindo, nascendo de novo, você nascendo de novo, ela saindo de uma situação complicadíssima…

Alexandre      Nascendo de novo…

Luciano          … um agarra o outro como uma boia, não é isso? Era uma boia e os dois encontraram, quer dizer, você não apareceu bem para salvá-lo, você apareceu precisando dele e ele precisando de você e vocês se encontram ali.

Alexandre      Ela estava curando da própria…

Luciano          E aí vocês olham um para o outro e falam diante de mim tem alguém com quem eu posso começar de novo…

Alexandre      Isso.

Marcela          Exatamente isso.

Luciano          Posso construir de novo, posso fazer de novo.

Marcela          Acho que as únicas pessoas que poderiam entender realmente o que a gente passou são as pessoas que realmente passam por isso, porque como ele falou dos abandonos dele, eu também sofri os meus durante o processo, eu tive que sair da minha cidade para Blumenau em busca de um órgão porque o Paraná não tinha na época doação suficiente, o caso era muito grave, então a eu tive que ficar um ano e sete meses sozinha nessa cidade, deixei minha casa, minha família, meus amigos, todo um contexto que eu vivia…

Luciano          Esperando um órgão?

Marcela          … sim…

Luciano          À espera de um órgão.

Marcela          … de um fígado e…

Luciano          Mas não era para você o fígado.

Marcela          … não, era para o meu companheiro, meu esposo de 25 anos de casamento, eu cuidava dele…

Luciano          Esperando o fígado para ele.

Marcela          … claro, o tempo todo, eu acreditei o tempo todo, então a gente fez meio que uns caminhos antagônicos e ao mesmo tempo nós dois somos as pontas que lutaram pelo caso assim, ele no caso dele, eu pelo caso do Canuto e nesse momento eu também estava precisando, porque eu também estava com hepatite C…

Luciano          Eu vou parar a entrevista…

Alexandre      A Marcela descobriu… É, essa era boa, Marcela descobriu lá durante o processo dela com o Canuto…

Marcela          Eu fui contaminada durante o processo.

Alexandre      … a única forma de contaminação é sangue, então a gente tem a impressão de que talvez ela tenha usado o aparelho de barba…

Marcela          Eram muitas coisas durante o tratamento, dele também de sangue e eu usava, sem saber na época, o aparelho de barbear sem nenhum cuidado, nem dele, porque o vírus, ele fica 48 horas no…

Luciano          Sobrevive na lâmina, por exemplo.

Alexandre      Não.

Marcela          … em qualquer lugar que tiver sangue, e se você tiver alguma abertura você pode se contaminar, manicure, depilação, cortador de unha, tatuagem, dentista, tudo isso tem que ser tudo esterilizado e totalmente descartável.

Alexandre      O fato é que ela tinha se contaminado, não contou para ninguém, a única pessoa que soube disso no período que ela se contaminou, antes do próprio marido, ela escreveu no grupo para mim quando cuidador doente cuidador, e ela me disse, Alê, estou contaminada, o que que eu faço? Conta para o seu marido, em primeiro lugar conta para o seu marido e vamos em busca de um tratamento e quando ela chega, nesse dia que chega, que veio para me ajudar, eu sabia que a Marcela também estava contaminada, ela no início então, Marcela não estava em caso de transplante nada, mas ela estava contaminada, esse fígado já estava riscado, cicatrizando, então ela estava num processo F3, é uma linguagem, F3 já é um dano no fígado bastante proeminente que com F4 vira transplante, então quando ela chegou veio para me ajudar, me apaixonei, sabendo que ela tinha problema, a gente vive, a minha última dúvida de rejeição que não se configurou, não era uma rejeição, teve uma alteração nos meus exames, mas não foi uma rejeição, resolve o meu problema em 15 dias e então agora companheiro da Marcela, começamos a trabalhar, que era uma obrigação minha começar a trabalhar a Marcela para ela se curar e ela não queria, ela falou não,  meu caminho é o caminho igual ao de vocês, eu não vou aguentar, eu não vou nem começar o tratamento…

Marcela          Eu tinha desistido já do tratamento, o Alexandre que me trouxe, não, você vai se tratar, me levou para o médico que atende ele no Einstein, doutor Guilherme Felga, um beijo doutor Guilherme, adoro ele e os dois então me convenceram a me tratar, que eu tinha chances de realmente ser curada antes de passar por todo o processo que eles tinham passado, mas eu relutei um pouco sabe, fui…

Luciano          Você está em meio ao tratamento?

Marcela          Não, eu me curei.

Luciano          Curou?

Alexandre      Dois anos,  em um ano…

Marcela          A gente foi para a Ilha de Itaparica e acreditou que alegria cura…

Alexandre      … ai entro eu, agora eu viro curador…

Marcela          … ai eu segui a fórmula.

Alexandre      … todos esses conceitos, então ok, protocolo, tomar os remédios pesados químicas, quimioterapia…

Marcela          Isso tem que tomar mesmo.

Alexandre      … ok, fez-se a parte que tinha que fazer e eu peguei a Marcela, botei num carro e andei 27 mil quilômetros e a gente andou um ano e meio em tratamento dentro do carro nas praias, eu fui para o nordeste, fui para Fortaleza, fomos para Aracuru, fomos para Ilha de Itaparica e passamos dois anos nos tratando e sem que ela pudesse perceber os efeitos colaterais dos remédios, aqueles que eu tive que me botavam na cama, então fiz ela crer que se a gente vivesse dentro de um estado de torpor alegre, provavelmente ela trataria disso sem perceber os sintomas.

Marcela          É, quando eu estava triste, eu entrava… o remédio muito pesado sabe, ele te dá muitos efeitos emocionais, depressão, então quando eu começava a entrar em depressão ele começava a fazer brincadeira, vamos caminhar na praia, vamos remar…

Alexandre      Ensinei ela a remar stand up…

Marcela          … e acabava isso, passava.

Alexandre      … então a gente rema…

Marcela          Eu nem tomei medicamentos pesados assim para depressão, tomei um ansiolítico leve.

Luciano          Eu gostei desse torpor da alegria… Não é por acaso que foi o Caruso que te trouxe aqui…

Alexandre      Não é por acaso.

Luciano          … não.

Marcela          Caruso é outro encontro lindo.

Alexandre      É um anjo que me levou, que de repente aprendi, encontrei Caruso, ele me fala olha, eu faço um trabalho de humor com propósito e o que eu acredito é em humor com propósito e eu sou o propósito do humor, então não é por um acaso, eu acredito piamente nisso e passei a falar isso com as pessoas do grupo, o antídoto principal é siga o tratamento que o seu médico ministrar e inclua na sua dieta alegria, palhaçada, Roberto Caruso, vamos encontrar em algum lugar a alegria, é esse que é o antídoto que eu tenho certeza: querer, amar e ser feliz e é fundamental.

Luciano          Meu, que história, que história fabulosa.

Alexandre      Botei a Marcela para remar, Marcela é yoga, nós estamos praticando yoga…

Marcela          Eu já acreditava na coisa assim tipo ah, muita oração, uma coisa mais de…

Luciano          De introspecção é isso?

Marcela          … introspecção, meditação, sou instrutora de yoga há vinte anos, vivia dentro de um …

Alexandre      De uma bolha…

Marcela          … de um…

Alexandre      … uma bolha.

Marcela          … vivia dentro de um sistema mais assim.. reflexivo mesmo, mais interiorizada.

Alexandre      Marcela era uma monja, estava se preparando para ser monja, você não sabe metade dessa história, vou te contar, Marcela estava num núcleo, dentro de um núcleo pensando, lendo e acreditando na meditação, nos essênios, indo buscar lá atrás no passado uma história de introspecção mesmo, a Marcela é hare krishna, Marcela era celibatária há quinze anos, monja, preparada para ser monja, ia para um templo…

Luciano          Ia raspar a cabeça?

Alexandre      … e ia para um templo…

Marcela          Não, não precisa.

Alexandre      … ela estava sendo iniciada, ela estava convocada…

Marcela          Eu tinha programado a minha iniciação para o dia 10 de dezembro e aí conheci o Alexandre um pouco antes, a gente se reencontrou dia 31 de novembro…

Alexandre      De outubro.

Marcela          … é, de outubro e aí tive que falar para o meu guru maharaji que eu não ia mais fazer a iniciação.

Alexandre      Eu salvei essa mulher.

Luciano          Porque o cavaleiro da alegria passa no seu cavalo, puxa você.

Marcela          Não mas ele foi lindo o meu guru maharaji, Ati Wandra Muka Suami e ele disse: você ganhou uma nova vida, minha filha, vai viver ela, siga. E foi lindo assim, também abençoou a gente, eu apresentei o Alê para ele.

Luciano          Ai meu, tem história aqui. Deixa eu partir para os finalmente se não a gente não acaba  mais isso aqui. A pergunta que todo mundo vai fazer e que é evidente que te que ser feita no final aqui: um processo como esse que você passou quebra financeiramente, até Bill Gates…

Alexandre      Não, não tem fortuna que sustente.

Luciano          … qualquer um quebra, quebra, como é que você fica?

Alexandre      Um transplante custa, mais ou menos, um milhão e meio, três dá para você fazer uma conta, calculando cinci milhões, quatro anos de internado dentro de um Einstein, você pode fazer uma outra conta de hotelaria, exames a 2500 reais, média de 2000 por cada exame, eu fiz uma centena, eu acho que talvez uns 600 exames deste quilate, eu tomava Albumina uma vez por semana, 5 ml. 1ml de Albumina custa 50 pau, 5 mil reais, eu tomava 10 ml. por dia, 50 mil reais por semana, desculpa, não é por dia, é por semana, 50 ml. 50 mil reais por semana, quatro anos, não tem fortuna que sustente.

Luciano          Quem pagou isso tudo?

Alexandre      SUS. A princípio…

Luciano          Repita: quem pagou isso tudo?

Alexandre      Sistema Único de Saúde e acredite você, os caras funcionam é no mundo o melhor sistema de saúde que existe no mundo e os caras me pegaram em casa, os caras, todos os dias me levaram para hemodiálise, os caras bancaram todo o meu tratamento no Einstein, os caras bancaram todos os meus remédios e continuam bancando, eu tomo remédios de cinco mil reais porque agora eu tenho os órgãos comigo, esses órgãos são órgãos estranhos dentro do meu corpo como se fosse uma farpa e quando você tem uma farpa que você não consegue tirar com a pinça, o corpo cria um estado que ele elimina, com pus e tal, então quanto melhor eu fico, quanto melhor eu estou, maior é a rejeição, o corpo rejeita os órgãos estranhos, então eu sou dependente químico a partir de então para o resto da minha vida vou tomar doze grandes bombas que vão me salvar, elas custam aproximadamente cinco mil reais e que eu tomo todos os dias da minha vida pelo resto da minha vida, Sistema Único de Saúde.

Luciano          Impressionante.

Alexandre      É muito legal. É só saber que existe, que o caminho existe, eles estão lá, é preciso se informar, é preciso querer, é preciso ir à luta…

Marcela          Conhecimento também, informação.

Alexandre      … e ir atrás disso…

Luciano          E você recupera tua opção profissional? Você volta a atuar mesmo no hospital, você retoma alguma coisa?

Alexandre      É empreendedor né, eu não deixei de ser nunca empreendedor, inclusive de cura, o empreendedor da cura, criei logo o tal grupo, esse grupo não me traz nenhum benefício financeiro, mas me traz autoestima, me trouxe gente, me trouxe amigos…

Luciano          A Marcela.

Alexandre      … eu voltei a ter expectativa de vida e não mais pena de mim, muito pelo contrário, aí ele me traz Marcela, então me traz expectativa de vida, de uma nova vida, casamento, essa coisa que estava parada totalmente, eu estava recluso, eu não acreditava mais em nem pessoas, quanto menos em relacionamento, eu me fechei, estava disposto e estar fechado, vai chamar de milagre, mas enfim, é reconhecimento, eu estou fechado, eu continuo fechado, eu não quero me relacionar com ninguém, eu não estou disponível, mas eu reconheci Marcela, vai fazer o quê? Trouxe, caiu, sei lá quem, mas caiu, essa é a pessoa, então sou companheiro. Bom, de dentro do hospital, uma vez que tinha acabado já todo o dinheiro, eu fui, no início eu tive que pagar o início todo, até chegar no Einstein, eu paguei os exames, que era tudo muito urgente, urgente, urgente, fiz muitos exames e muitos remédios…

Luciano          Quebrou?

Alexandre      … quebrou, quebrou literalmente, eu fui vendendo até o último carro, aí sobrou uma moto que eu andava de moto, tinha três, no início disso tudo, eu pedi para deixar uma que durante meu período no hospital ficou dentro do meu quarto, porque eu dizia, eu volto para andar uma vez de moto, eu volto porque eu vou andar nessa moto e ficou lá uma motinho de trilha, não tem valor nenhum, acabou todo o dinheiro de fato, acabou todos os… passei a viver de ajuda de alguns amigos graças a Deus sobraram alguns. Tinham casais que iam na minha casa levar marmita durante um período, quando eu cheguei em casa nessa casa, nesse sítio que eu moro, que aquele casamento não existia mais, a minha mulher precisou levar tudo embora para ela montar o apartamento dela onde ela ia viver assim que eu morresse, então quando eu cheguei em casa de volta, tinha uma máquina de lavar que não coube no caminhão de mudança e um colchão grande, que por alguma razão sobrou um colchão lá em casa e eu voltei do hospital rastejando, eu voltei do hospital sem poder andar ainda e quis voltar para a casa de qualquer maneira e passei a ter que me auto sustentar, então criei um jornal de memórias, liguei para um amigo que falou olha, eu tenho um jornal que distribui aqui na Castelo Branco que chama-se “Procurando Turismo”, ele tinha uma editora, eu falei olha, você tem uma distribuição aí na Castelo Branco de brindes e tal para fomentar a circulação na Castelo Branco e na região oeste de São Paulo, promovendo o comércio local, os caras que tinham comércio mesmo e aí eu propus a ele, falei olha, tenho de memória aqui umas viagens que eu fiz muito tempo de moto, eu conheço todos os lugares da região e eu posso transformar essa tua proposta num jornal que eu posso fazer aqui da cama e se você vender e arrumar anunciante para isso e fazer essa distribuição na Castelo Branco, a gente tem, talvez um produto e que ele funcionou. Eu passei a ter um pro labore, no risco, quer dizer, eu mando matéria, a gente faz a matéria de vivências, eu dou dicas de vivência, você acha o anunciante, distribui o jornal gratuitamente e isso rendeu um valor que acabou voltando a ser um salário para mim e inicialmente três mil reais, então da cama eu consegui começar a trazer uma grana e então os amigos se reuniram para me ajudar, uns me traziam comida, outros me trouxeram móvel, eu comecei a ir em bazar, aí rolou bazar que vai me ajudar e eu comecei a ganhar um quadro e aí eu comecei a entrar numa de pede que Deus dá, porque Deus dá e começou a acontecer de fato uma mistura, minha casa ficou muito mais bonita porque agora ela é toda…

Marcela          Linda.

Alexandre      … ela é uma mistura de…

Luciano          É um produtor.

Alexandre      … é, é o maior cenário, minha casa é um cenário e um cenário lindo porque muita gente se sensibilizou e começou a me mandar coisas, aquelas coisas que não cabiam mais, que não sobrava mais, um sofá, no fim hoje eu tenho sofá demais lá em casa, eu estou doando, virou uma casa.  Empreendedor, a gente montou o jornal, o jornal deu certo, está no ar, é um site, jornal e um aplicativo chama-se procurandoturismo.com.br que dá dicas da região oeste do interior, passei a trabalhar com marketing, voltei um pouco para publicidade fazendo marketing digital, trabalho oferecendo administração das fan pages, mas mais do que isso, depois do encontro com a Marcela, depois da nossa viagem toda, a gente começou a perceber que tem muito mais formas de economia hoje numa economia paralela e aí veio o empreendedor, veio o produtor, então eu pego essa minha casa agora que eu tenho duas, agora eu tenho Marcela, então agora eu tenho duas casas, eu só tinha uma vazia, agora eu tenho duas cheias, porque Marcela tem uma casa em um sítio grande no Paraná, é um sítio enorme que ficou lá parado durante quatro anos e nessa hora de parado é um lugar orgânico, nunca entrou nenhum tipo de química, nós vislumbramos a possibilidade empreendedorismo de então fazer disso, com alimentação que ela faz, um negócio, vamos plantar orgânico dentro do sítio, não te contei que no segundo transplante veio a influência da menina, era uma menina, eu virei uma governanta linda, eu arrumo uma cama como ninguém, nunca tinha arrumado cama, mas eu sou um chato…

Marcela          É verdade.

Alexandre      … eu sou um chato, eu arrumo melhor a cama…

Marcela          Melhor do que eu.

Luciano          Eu estou enxergando uma possibilidade comercial nisso de você chegar a ter doze fígados e falar esse fígado aqui era músico, esse aqui era jogador de futebol, qual é tua praia?

Alexandre      … pode creditar, virei uma governanta do Sheraton, nos seus bons tempos. Então é lisinho como ninguém, quase uma mulher e um pouco mais louco é que eu nunca tinha feito nenhum tipo de comida, vieram duas situações, a primeira que eu voltei para a casa e não tinha mais ninguém e eu estava em tratamento e não tinha mais ninguém, também não tinha dinheiro, bom, eu tinha terra, plantei uma hortinha, dessa hortinha eu consegui começar a fazer a minha própria comida, minha autossuficiência, com um pouco do dinheiro do jornal eu comecei a comprar um fogão e com a falta de gente para me ajudar e para fazer lá naquele início, eu me arrisquei na cozinha e aí vem como uma coisa pronta, e não sei fazer feijão, mas alta gastronomia eu sei, então eu faço risotos de camarão maravilhosos, faço um risoto de atum, receitas próprias, começou a vir insights de receitas e aí eu faço da linha baiana eu faço moquecas incríveis e do peixe eu faço peixes delícia com creme branco, banana flambada e virei um viadinho, to fazendo chef de cozinha, não sei de onde, não em pergunte a receita, não me pergunte receita eu não sei de receita…

Luciano          Vem cá, quando tiraram o rim do japonês você parou de comer comida japonesa

Alexandre      Não, ficou…

Luciano          Ficou?

Alexandre      … ficou a memória dele, ficou contaminado, então eu como a comida japonesa e eu cozinho alta gastronomia e disso a gente está vendo agora, nesse sítio então, o empreendedorismo, para dar função para esse sitio e não ficar lá um sítio perdido, Marcela não tinha como administrar isso e eu quero dar vasão à mulher que existe em mim e resolvemos plantar orgânico que é a pegada dela, que ela me trouxe e me ensinou, é vida, é saúde, do orgânico a gente montou um salão dentro desse sítio que transformou-se num restaurante de chef que convida as pessoas para pagar para comer sem saber bem o que vai comer e sem saber também que eu não sei cozinhar…

Luciano          Isso aonde? Lá na?

Alexandre      … no Paraná e na minha casa aqui em São Roque, então a gente faz chef convida e eu convido uma lista de pessoas, no máximo dez pessoas…

Luciano          Espero receber o convite…

Alexandre      … cinco casais…

Marcela          Com certeza,

Alexandre      … e tem duas formas de fazer, com mistério e sem mistério, com emoção e sem emoção, então você pode vir para comer…

Marcela          Os dois são com muita emoção.

Alexandre      … emoção sempre, mas você pode vir para uma noite sem cardápio, você vem sem saber o que vai comer, eu faço uma pequena pesquisa para saber o que você não come, mas o que você come você também não sabe e aí você vem e é servido seis refeições, chef? Papo alto, alto escalão mesmo, que não é meu e sem receita, volto a dizer, nenhum prato nunca e nunca mais vai ser repetido, porque eu não tenho a menor ideia como é que se faz e como eu não tenho a menor ideia de como é que se faz, eu faço…

Marcela          É muito lindo, porque eu faço a parte meio de cortar, deixar tudo meio preparado assim, deixo tudo preparado para ele, de repente ele fica quieto, em silêncio e começa a fazer

Luciano          Baixa nele a chef…

Marcela          começa a fazer uma alquimia e de repente…

Alexandre      É alquimia.

Marcela          … ele fala baixo às vezes eu tenho até dificuldade de ouvir.

Luciano          Baixa nele alguma coisa.

Alexandre      Atotô baluaie

Marcela          Alguma coisa acontece.

Luciano          Quem quiser encontrar vocês, encontrar esse trabalho todo, então vamos lá, o grupo que acho que é fantástico falar desse grupo.

Alexandre      O grupo, hoje é o grupo Unidos Venceremos, que é um grupo ligado às coisas da hepatite C.

Luciano          Ele está aonde esse grupo?

Alexandre      Ele está hoje em São Paulo…

Luciano          Sim, mas você acha pela internet, você acha onde?

Alexandre      … sim, Unidos Venceremos, Facebook ou internet.

Luciano          unidosvenceremos.com.br?

Alexandre      unidosvenceremoshepatitec

Luciano          Tá, unidosvenceremoshepatitec.com.br

Alexandre      Isso.

Luciano          E no Facebook UnidosvenceremoshepatiteC tudo junto.

Alexandre      Mais legal, o caminho mesmo é Fala Comigo, Alexandre Barroso, Facebook, eu tenho a história de um filme que está montado e a gente falou aqui da possibilidade de filme, então a coisa do empreendedorismo e do produtor acabou me dando mesmo um leque de opções muito legal e que eu estou fascinado por isso, o fato é que eu voltei de um jeito que eu não quero atenção, eu não quero trabalhar, mas eu trabalho pra cacete, então eu resolvi que quarta feira, não era a minha data de morte? Quarta não me telefona porque eu não atendo, eu não trabalho, quarta feira eu beijo na boca, eu vou à praia, saúde.

Luciano          Posso te ligar para tomar um chopinho, aí você vai.

Alexandre      Quarta feira para trabalho não agora, nos outros dias eu estou trabalhando feito um louco, porque agora a gente virou produtor orgânico, a gente está plantando aipim e milho em alta produção, então vamos par colher aí oito, dez toneladas, lá no Paraná, mandioca branca e milho, a gente está fazendo o chef vai em casa ou o chef recebe em São Roque e no Paraná, eu faço o tal do produto Procurando Turismo…

Luciano          Repete, é procurandoturismo.com.br

Alexandre      … procurandoturismo.com.br dicas da região oeste de São Paulo…

Luciano          Você falou que a melhor maneira de achar você é Alexandre…

Alexandre      Alexandre Barroso no Facebook

Luciano          Pois é, deve ter uns cinquenta Alexandre Barroso no Facebook

Alexandre      Não, não deve ter não, mas é Alexandre Barroso puro, eu acho que não, não tem tanto Alexandre Barroso, mas como é que vai modificar Alexandre Barroso, transplantado.

Luciano          Eu vou colocar o link aqui na descrição do programa.

Alexandre      Legal e tem um filme bacana rolando por aí, porque está rolando agora também, eu por um acaso estou escrevendo como tem a vertente jornalística e tem um livro pronto para editar, eu ainda não encontrei, continuo um abandonado, mas eu não sei como, mas vai acontecer, tem um livro pronto chamado “A Última vez que eu morri” e aí tem um filme que conta um pouco disso, um teaser com 11 minutos no Youtube dizendo a última vez que eu morri, Alexandre Barroso, se você digitar isso no Youtube você vai encontrar 11 minutos dessa história e me acha, por favor me acha, porque eu sou um maior abandonado.

Luciano          Perfeito. Meu, que história, deixa eu pegar na mão de vocês dois, me dá um pouquinho disso aí, deixa eu ver se eu pego um pouquinho, muito muito disso aqui porque olha…

Marcela          Imagina, a gente que tá feliz de estar aqui.

Luciano          … é uma história fabulosa porque ela tem começo, tem meio, tem quase fim, tem uma retomada no meio do caminho, mas o fantástico é o seguinte, não é uma retomada de um cara sozinho, é uma retomada que vocês aparecem em dois aqui, agarradinho desse jeitinho,  etc e tal, com o mundo pela frente, o futuro pela frente, ou seja, não são dois doentes que estão aqui que se juntaram para morrer, não…

Marcela          Não, a gente se juntou para viver mesmo.

Luciano          É para construir coisa que não acaba mais, então mil planos, mil coisas acontecendo e todas surgindo, nenhuma surge por acaso, nenhuma dessas coisas está acontecendo acontece por acaso, acontece porque vocês chamaram isso para vocês e aí vem aquela história, eu sei lá se é Deus, eu não sei o que é, deve ter algum tipo de coisa aí que juta isso tudo e quando a gente consegue encontrar ou consegue ter uma visão positiva, você acaba trazendo isso.

Alexandre      Dar sentido para vida.

Luciano          Pensamento positivo não vai salvar a vida ninguém, não vai resolver problema de ninguém, mas ele é um puta motivador para você se preparar. Deixa eu encarar a briga, deixa eu parar de falar não, deixa eu parar de dizer que não dá para fazer e com meu pensamento positivo eu estou olhando, consigo olhar com olhar crítico do bem, entendeu? E eu não olho assim sou um fracassado não consigo fazer, eu olho e digo o seguinte, vai dar um trabalho desgraçado mas eu vou fazer. Então acho que isso é uma lição fabulosa ai, não é nada do que aconteceu foi por acaso, acho que essa história toda é brilhante, tem que dar um filme e tem que dar o livro, vamos fazer esse livro andar.

Marcela          Eu só queria dizer que você disse que o pensamento positivo não vai mudar a vida de ninguém, mas a gente tem lido algumas coisas sobre a ciência quântica e eu venho também da linha do yoga, a gente percebe que quando você realmente irradia o positivo, algumas coisas realmente se transformam no seu corpo sim sabe, em termos de energia até mesmo.

Luciano          O ponto que eu quero dizer é o seguinte, pensar positivo e ficar sentado esperando que as coisas aconteçam não vai resolver.

Marcela          Tem que ir á luta.

Luciano          Penso positivo mas vou atrás, eu falei esse movimento que você falou da energia é aquilo que eu falei, o pensamento positivo te tá energia e motivação para você, agora tem que ir atrás.

Alexandre      Como que sobrou para mim agora, quer dizer, a gente está numa fase, eu principalmente estou numa fase que tem primeiro uma questão assim, as pessoas, os médicos, a ciência, as expectativas, as estatísticas sabem o que acontece com um cara que transplanta uma vez, então você tem uma expectativa e uma suposta sobrevida em média de vinte anos, há estudos, duas, a média de um estudo de alguns números, três ninguém sabe o que vai acontecer comigo, então não sabendo o que vai acontecer comigo, eu vou fazer…

Luciano          Plenamente.

Alexandre      … eu vou fazer.

Luciano          Perfeito.

Marcela          É o que a gente deve fazer sempre.

Alexandre      É o que nós estamos fazendo, a gente não para nunca mais.

Luciano          Baita lição, obrigada a vocês, obrigado Caruso por ter me dado essa oportunidade fantástica aqui…

Alexandre      Mais um anjo.

Luciano          … e para vocês eu só tenho que desejar morram com 120 anos os dois abraçados na beira do mar e olhando as ondas, façam assim.

Alexandre      Obrigado e vem com a gente, amei, obrigado por tudo.

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